Adalberto Campos Fernandes Professor Associado Convidado na Escola Nacional de Saúde Pública; ex-ministro da Saúde

“Estou menos confinado. E agora?

05/04/2020

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“Estou menos confinado. E agora?

04/05/2020 | Covid 19, Opinião

O período de exceção, vivido nas últimas semanas, transformou as nossas vidas. Em primeiro lugar, o nosso olhar sobre o mundo, as certezas adquiridas e a ideia interiorizada de domínio sobre as circunstâncias que determinam o nosso modelo de sociedade. Em segundo lugar, com igual importância, a mudança de perspetiva sobre a forma de organização da nossa vida pessoal, social e profissional.
O distanciamento social e o confinamento passaram a integrar o nosso quotidiano. A maior parte de nós nunca tinha vivido numa situação de estado de emergência. Pela primeira vez, em muitos anos, a autolimitação de movimentos, o condicionamento dos hábitos e a modificação de atitudes fizeram experienciar os efeitos da restrição da liberdade.
A maior crise sanitária das últimas décadas apanhou-nos de surpresa. A mediatização intensa das suas presumíveis causas e dos incertos efeitos tornou-se omnipresente. A expressão planetária da crise, associada à covid-19, tomou conta do mundo das notícias determinando uma pausa prolongada no resto das coisas que fazem as nossas vidas.
Nas últimas semanas, o país reinventou o trabalho e a escola. Em cada um dos nossos gestos passou a estar implícita a necessidade de distanciamento. Os modelos de organização económica e social foram postos à prova face a um risco pandémico, pouco conhecido, na amplitude das suas consequências. Nestas longas semanas atualizámos leituras, relembrámos o prazer de um filme, recuperámos a música que nos tranquiliza. Em certa medida, o confinamento trouxe-nos ao reencontro de hábitos perdidos.
À crise sanitária suceder-se-á, inevitavelmente, uma grave crise económica e social. As certezas de ontem deram lugar aos temores do presente face ao futuro. Enfrentaremos um mundo diferente, seguramente, pior do que aquele que tínhamos até há poucos meses. A saída, ainda que progressiva, do confinamento conduzir-nos-á a um mundo mais inseguro, onde o medo subsistirá por muito tempo. As coisas serão feitas de outro modo, as rotinas serão profundamente alteradas.
A fase de transição será longa. Temos, no entanto, pela frente a oportunidade histórica de fazer diferente e melhor. A impregnação digital poderá antecipar, em décadas, a modernização de processos, o combate à burocracia e ao presentismo.
A organização do trabalho tenderá a ser mais flexível, mais adaptativa conciliando melhor a repartição dos diferentes tempos que fazem o tempo das nossas vidas. Provavelmente o dinheiro físico será, cada vez mais, substituído pelo digital. O comércio e os serviços eletrónicos ganharão uma nova expressão. O ensino e a aprendizagem passarão a incorporar, com utilidade, as ferramentas digitais. Os serviços de saúde apostarão mais no agendamento, no acesso e circulação no sistema mediado por referenciação eletrónica. A telesaúde adquirirá uma nova expressão beneficiando da inovação tecnológica que permite, cada vez mais, com mais segurança, a vigilância e a monitorização dos doentes à distância.
A transformação digital poderá ainda diminuir o recurso a deslocações inúteis, melhorando o ambiente e a qualidade de vida, tornando o ar das cidades mais respirável. A gestão do tempo poderá vir a ser mais racional, mais personalizada e mais humana.
Ao mesmo tempo, os mecanismos de proteção da saúde e as práticas de saúde pública poderão tornar-se mais eficazes e adequadas. Os sistemas de saúde estarão mais bem preparados para a resposta atempada a situações futuras de crise e emergência sanitária.
Finalmente, a crise que vivemos deixará na ideia de todos, por muito tempo, a importância dos sistemas de saúde integrados, com cobertura geral e acesso universal a par de dispositivos competentes e eficazes de saúde pública. Do conjunto de lições retiradas sobressai a necessidade de os países considerarem a proteção da saúde, dos seus cidadãos, como um pré-requisito essencial para um desenvolvimento humano harmonioso e justo.
A redução das desigualdades, no acesso a cuidados de saúde de qualidade, o investimento em infraestruturas e equipamentos, o apoio à investigação científica e à inovação tecnológica serão, a partir de agora e mais do que nunca, fatores essenciais para o desenvolvimento social e económico dos países.

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