Como a Suíça reagiu à crise do coronavírus

9 de Julho 2020

o Conselho Federal (na imagem, em reunião com o concelho de Estados) foi autorizado a tomar todas as decisões consideradas necessárias para conter a pandemia sem consultar o parlamento ou o público em geral

No início da crise do coronavírus, a Suíça declarou o estado de emergência durante quatro meses, o mais longo desde a Segunda Guerra Mundial. Nos termos da lei sobre epidemias, entre 16 de março e 19 de junho de 2020, o Conselho Federal (na imagem, em reunião com o concelho de Estados) foi autorizado a tomar todas as decisões consideradas necessárias para conter a pandemia sem consultar o parlamento ou o público em geral. Emitiu cerca de duas dúzias de decretos de emergência durante esse período extraordinário.

Como é que o Conselho Federal lidou com esta gama inigualável de poderes? Ouviu todas as pessoas potencialmente afetadas pelas medidas que decretou, apesar de não ter havido consultas oficiais? Será que esta crise evidenciou como o sistema precisa de mudar se quisermos ultrapassar outros desafios, tais como as alterações climáticas ou as questões ligadas à mobilidade? Numa análise publicada na revista “Tijdschrift voor Economische en Sociale Geografie”, investigadores do “Swiss Federal Institute for Forest, Snow and Landscape Research” (WSL) estudaram os processos de tomada de decisão implementados pelo governo e pela administração durante esse período extraordinário.

Notaram uma coisa em particular: “É evidente a robustez das estruturas federais da Suíça”, explica Yasmine Willi, principal autora da análise e investigadora pós-doutorada do grupo de investigação de Economia e Desenvolvimento Regional do WSL. Por exemplo, o cantão de Ticino, que foi particularmente atingido pela Covid-19, decidiu encerrar os locais de construção, indo muito além das medidas exigidas pela correspondente portaria federal. Embora isso fosse tecnicamente uma violação da lei, o Conselho Federal permitiu que o cantão prosseguisse e legitimou a sua ação retrospetivamente, alterando a portaria. “Os processos federalistas habituais da Suíça resistiram”, diz Yasmine Willi.

“Apesar de ter sido declarado o estado de emergência, os cantões foram os últimos responsáveis pela promulgação das medidas políticas concebidas pelo Conselho Federal”. A resistência do federalismo é tanto mais notável quanto os processos democráticos foram temporariamente suspensos, com o parlamento eleito a perder o seu poder e a adiar sessões e referendos.

Numa crise, a situação muda rapidamente e as decisões têm de ser tomadas sem uma imagem clara das suas consequências. Isto obriga os governos e as administrações a reverem e adaptarem constantemente as suas decisões em conformidade com as descobertas científicas, por exemplo. Esta modificação contínua da política pelos governos e administrações face a mudanças sociais de grande alcance é referida como “governação transformadora”.

Segundo os autores da análise, a gestão da crise do coronavírus tem as características típicas desta governação: decisões tomadas num contexto de incerteza, diferentes perspetivas tidas em conta, processos de tomada de decisão sustentados por uma aprendizagem reflexiva e experimentação de soluções. “Em tempos de crise aguda, a formulação de políticas baseia-se mais em descobertas científicas do que normalmente acontece”, explica Jasmine Willi. Durante a pandemia do coronavírus, a legislação do Conselho Federal foi orientada pelos números de casos calculados pelos virologistas e epidemiologistas.

Outra característica desta governação transformadora é o aumento gradual das medidas que paralisaram a vida pública. Foram fechadas fronteiras, empresas e escolas, restringindo significativamente os direitos fundamentais dos residentes suíços, apesar do governo federal não saber dizer quais as medidas que funcionariam ou quão eficazes poderiam ser. Assim, estabeleceu prazos claros para cada etapa, incluindo a subsequente flexibilização das restrições, que foram depois alongadas ou encurtadas em função da evolução da taxa de infeção.

Yasmine Willi e os seus colegas estão particularmente interessados no que irá acontecer após a crise do coronavírus: haverá uma mudança a longo prazo em certas práticas nocivas para o ambiente, tais como as viagens aéreas e o excesso de consumo, que o vírus tinha travado a curto prazo? Irá a sociedade continuar a escolher mais reuniões digitais e menos consumo?. “A crise atual só pode estimular uma mudança social sustentável se modificarmos com êxito o comportamento dos consumidores, a produção de bens e a utilização de recursos a longo prazo”, explica a investigadora. Por exemplo, os subsídios concedidos às empresas durante a pandemia poderiam estar ligados a critérios de proteção do clima, ou o alívio financeiro oferecido às famílias afetadas pela crise poderia reduzir as desigualdades sociais.

A crise do coronavírus mostrou que a mudança social pode ser rápida, mesmo em tempos de grande incerteza. Foram tomadas decisões de grande alcance rapidamente, e implementadas de forma consistente, embora o seu impacto na economia e na sociedade não fosse claro. “Sabemos muito mais sobre crises ambientais, como as alterações climáticas ou a perda de biodiversidade, do que sabíamos sobre a pandemia do coronavírus, mas ainda assim agimos de forma menos decisiva”, salienta Yasmine Willi.

Contudo, a crise do coronavírus deixou claro que agir de forma decisiva é mais importante do que agir “corretamente”. Este é igualmente o caso das alterações climáticas, uma vez que também aqui seria possível uma abordagem flexível e experimental. As metas climáticas a longo prazo, tais como a redução para zero das emissões carbónicas até 2050, poderiam ser complementadas por metas anuais de redução. As medidas necessárias poderiam ser revistas todos os anos e ajustadas, se necessário. Isso, na opinião da investigadora, poderia assegurar uma gestão mais eficaz da crise climática, apesar das incertezas.

Mais informação: Aqui

NR/HN/Adelaide Oliveira

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