Asma: adesão à terapêutica passa muito pela relação médico/doente

14 de Julho 2020

Dra. Iolanda Alen Coutinho Interna de imunoalergologia de quarto ano no Centro Hospitalar de Coimbra

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Asma: adesão à terapêutica passa muito pela relação médico/doente

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14/07/2020 | Alergologia

No tratamento da Asma, a adesão do doente à medicação que lhe é prescrita pelo médico é essencial. Essa adesão, explica a Dra. Iolanda Alen Coutinho, interna de imunoalergologia de quarto ano no Centro Hospitalar de Coimbra, “passa muito por uma relação médico doente, e há que não responsabilizar apenas o doente pela falha de adesão à terapêutica. Um ponto fulcral é fazer o doente compreender o porquê de estar a ser medicado”, acrescenta.

 De que forma pode a não adesão à terapêutica afetar os resultados clínicos?
Em relação à asma, normalmente a adesão passa muito por uma relação médico doente, e há que não responsabilizar apenas o doente pela falha de adesão à terapêutica. 

Um ponto fulcral é fazer o doente compreender o porquê de estar a ser medicado. Qual é a doença; qual é a fisiopatologia, de uma forma muito geral e adequada caso a caso; o porquê de os estarmos a medicar e a função das moléculas que estamos a administrar ao doente. São medicações muitas vezes  de carater diário. Para querermos ter algum resultado a longo prazo precisamos que o doente entenda o porquê de estar a administrar uma terapêutica. Portanto, o que acontece muito na asma é esta heterogeneidade e esta variação de sintomatologia em que os doentes acabam por não sentir sintomas todos os dias, não percebem o porquê de fazer um inalador todos os dias. De certa maneira, a não adesão influencia sem dúvida a terapêutica, porque na asma, em termos de terapêutica, o nosso objetivo  é fazer uma terapêutica de modo a evitar possíveis exacerbações. E portanto, o que a maior parte das vezes cursa é precisamente quando há uma má adesão, que resulta numa exacerbação mais ou menos grave e que tem sempre impacto na função pulmonar. Essencialmente é isso: a não adesão leva às exacerbações, e elas podem ser realmente graves, até mesmo fatais, o que hoje em dia não se justifica. Ainda assim, em termos da adesão terapêutica, acho que deve ser algo bilateral apoiado na relação médico-doente.

E porque é que pode ser tão difícil fazer um doente asmático cumprir com a terapêutica À risca?
Eu acho que é difícil sobretudo porque não é objetivável. Ou seja, nós quando temos uma terapêutica crónica para a hipertensão arterial, o doente muitas vezes tem a possibilidade de medir a tensão em casa e objetiva que os valores estão realmente elevados e que falhou a terapêutica. A relação causa efeito é evidente. Na asma muitas vezes isto não acontece.

 A própria doença, por si só, é por definição uma doença com variabilidade, heterogeneidade, e que depende de fatores que espoletem sintomas. No caso da asma alérgica acaba por estar relacionado com a exposição ambiental do doente. Notei muito agora no regresso ao atendimento presencial que o facto de estarem em isolamento, numa quarentena num ambiente indoor, as pessoas que têm alergia a alergénios indoor notaram-se com maior agravamento sintomático, numa relação causa efeito. Essencialmente, o que leva estes doentes a facilitar no caso da terapêutica é que quando há um incumprimento muitas vezes o doente continua a sentir-se bem e não entende o porquê de o fazer. Porque, lá está, não há uma objetivação direta. Só dependendo de alguns gatilhos ou desencadeantes: se o doente faz exercício físico – se tem uma infeção respiratória – é que vai fazer com que a condição se torne mais exuberante clinicamente, e com que o doente acabe por perceber realmente qual é a doença que tem e com que gravidade a pode apresentar.

Quais são então os principais desafios a ultrapassar para que os doentes na generalidade adiram melhor à terapêutica recomendada?
Há que adequar sempre a terapêutica da asma a cada doente. Cada vez mais a medicina torna-se mais individualizada e os doentes não são todos iguais, portanto não podemos ter expectativas iguais para todos os doentes. Isto não depende só do grau de gravidade da apresentação clínica, mas também da faixa etária, do tipo de skills do doente, do tipo de rotinas: um doente que tenha rotinas terá maior possibilidade de fazer a medicação a uma hora certa. E, portanto, há que adequar. Hoje em dia temos várias estratégias, vários tipos de inaladores, vários tipos de posologias com inaladores que se fazem uma vez ao dia, outros fazem-se várias vezes, e tudo isso nos permite adequar. Mas essencialmente tem que ser uma estratégia definida em conjunto.

 Na própria consulta devemos mostrar os inaladores disponíveis e avaliar as vantagens de um e outro, corrigir a técnica inalatória e, acima de tudo, acho que o que leva o doente a não aderir é mesmo não perceber o porquê de a fazer; há que perceber também o que é a doença. Noto isso com os meus doentes, quando lhes explico em 2 ou 3 minutos o que é a asma e os problemas a longo prazo sem a medicação,

Qual é o papel da comunicação entre médico e paciente na adesão à terapêutica?
Acima de tudo, obviamente que é do médico a decisão de instituir uma terapêutica, mas acho que o doente tem que se sentir incluído na decisão, e tem que partir dessa base. Só havendo essa ligação e essa iteração médico-doente é que podemos colocar as nossas expectativas neles, e eles em nós.

A decisão deve ser sempre partilhada e a responsabilidade da falha não pode recair integralmente sobre o doente. Se calhar a falha também é nossa e temos que melhorar a abordagem e adaptarmo-nos a cada doente e à condição em si. A própria asma não é fácil de ser compreendida pelo próprio doente e temos que nos esforçar mais nesse sentido.

Existem outras variáveis que mereçam ser consideradas na questão da adesão à terapêutica?
Em termos práticos há que perceber o que pode acontecer a longo prazo se ele não fizer a medicação. ‘Se eu não fizer a medicação acontece-me o quê? Um bocado de pieira? Tosse?’. Mas não é só isso. Ele tem que perceber que a longo prazo, e no contexto pandémico que estamos a viver – e em que acho que os doentes tiveram mais adesão -, existem outras repercussões e que uma infeção pode desencadear uma crise de asma. E recorrerem à terapêutica predefinida para evitar uma exacerbação da doença base no caso de infeção.

Essencialmente é perspetivar a longo prazo e fazer entender ao doente que a medicação que está a tomar diariamente pode não necessitar de a fazer mais tarde, mas só se cumprir com ela agora. Ou seja, é completamente variável, as escadas de tratamento não são estanques e sempre que se sobe um degrau não quer dizer que não se volte para trás. Portanto, eles têm de perceber que mais tarde até podem ter uma qualidade de vida livre de inaladores. Há que enquadrar o cenário completo – atual e futuro – e perceber que, de certa forma, quanto mais exacerbações houverem, mais dificuldades vamos ter em descer o degrau terapêutico. 

Qual é o papel dos testes de controlo da asma na adesão à terapêutica, como o ACT (Asthma Control Test)?
Pode ser muito importante. Numa fase inicial será um pouco precoce responsabilizar o doente com esta tarefa. Acho que o questionário deve ser só aplicado em consultas e deve ser feito claro o porquê de o utilizarmos e de nos ajustarmos em relação ao questionário. Mas, quando há já uma relação criada e uma confiança bilateral, em que nós também sabemos que o doente é cumpridor e ele confia na decisão terapêutica, em crianças ou noutros casos que melhorem visivelmente, podemos inclui-los nessa decisão. Por exemplo, dar esses questionários para levaram para casa, que são sempre feitos de forma retrospectiva em intervalos que quatro semanas, e se a consulta for dali por seis meses há que dar questionários suficientes até para que eles percebam se melhoraram ou não. Isso é, claro está, interpretado em conjunto com o médico, mas não deixa de os incluir. É certamente a ferramenta mais útil que temos para perceber o que é que sentem, porque muitas vezes não valorizam os sintomas. Há estudos que referem que mais de 80% dos doentes acha que tem a asma controlada quando efetivamente isso não é verdade. São números algo assustadores.

 

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