João Valente Nabais Vice-Presidente da Federação Internacional da Diabetes, Professor Auxiliar da Universidade de Évora, Assessor da Direção da APDP

As diversas pandemias

07/16/2020

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As diversas pandemias

16/07/2020 | Opinião

Vivemos tempos que nunca tínhamos pensado viver, algo que só pensaríamos ser possível na ficção ao assistir recostados na cadeira do cinema ou no sofá de casa a ver um qualquer filme ou série. Um tempo em que o Mundo parou e em que as nossas vidas mudaram radicalmente! Muito já foi escrito sobre a Covid-19, todos os dias somos inundados com notícias, números e previsões (se é possível fazer alguma previsão….). Importa também refletir um pouco sobre as outras pandemias onde estamos imersos e que se avizinham, algumas delas consequência da Covid-19, outras nem tanto.

Pandemia das doenças crónicas – uma busca nos textos escritos nos últimos anos revela que em muitos deles a diabetes é considerada a pandemia do século XXI por estar disseminada por todos os países, alguns com um crescimento acelerado, e pelo seu impacto nas sociedades e na qualidade de vida das pessoas. De facto assim é e assim vai continuar a ser, mesmo após passar a pandemia associada à covid-19. As doenças crónicas estão associadas a cerca de 75% das mortes de acordo com a Organização Mundial da Saúde sendo cada vez mais urgente ter políticas de saúde que visem a prevenção, atacando os determinantes de saúde relevantes, designadamente alimentação, atividade física, consumo de bebidas alcoólicas e de tabaco, sem nunca esquecer o tratamento das pessoas já com as patologias e o acesso aos cuidados de saúde que melhorem a qualidade de vida das pessoas. A pandemia da covid-19 tem também um impacto significativo nas doenças crónicas por ser um potenciador de estilos de vida menos saudáveis e porque pode ser causadora de desequilíbrios emocionais e psicológicos, os quais têm um significativo impacto nos doentes crónicos.

Pandemia da (des)informação – situações como a atual requerem ao limite que as entidades oficiais tenham um discurso coerente e claro, que forneçam informações fidedignas e que sejam transparentes. Deverá ser sempre assim, mas é mais critico nos tempos atuais pois todos os dias surgem informações contraditórias, quer em estudos quer nos meios de comunicação social. Uma pesquisa no Google com a palavra “covid-19” deu 12 970 000 000 resultados em menos que 1 segundo, o que ilustra bem a dimensão da quantidade de informação disponível a todos na internet, nem toda de qualidade, como sabemos. Os estudos publicados têm sido em alguns aspetos contraditórios, pelo menos aparentemente, e podem gerar alguma confusão na população. Isto acontece por estarem a ser feitos durante uma pandemia, haver urgência na sua publicação e por cada vez haver mais dados a serem processados e não haver possibilidade de os efetuar de acordo com os protocolos científicos estabelecidos. Pode parecer estranho, mas isto é a ciência a funcionar e a tentar ajustar-se às contingências atuais. O conhecimento vai evoluindo todos os dias, em particular numa situação nova e desconhecida. Vivemos num tempo em que os decisores políticos têm que tomar decisões sem ter uma base sólida de evidências, mas é para isso que foram eleitos e nomeados, para tomar decisões. Todos esperamos que as decisões sejam as melhores, com a coragem necessária e que o bom senso seja prevalente. Mas, o que é o bom senso? Cada pessoa terá o seu, porém os decisores devem saber canalizar o seu para o bem-estar comum sem esquecer que isso é o somatório do bem-estar de cada um de nós.

Pandemia das desigualdades e da descriminação – a evolução da civilização ainda não conseguiu debelar os problemas da desigualdade e da discriminação. Sei que resolver estes problemas seria viver num Mundo utópico, mas temos que ter esperança que será possível caminhar para a sua minimização, temos que ser capazes disso! Contudo, a covid-19 está a agudizar a sua dimensão e o período pós-covid-19 será um tempo onde, pelas crescentes dificuldades económicas e sociais, haverá mais descriminação e mais desigualdade. Só será possível combater estes desequilíbrios com uma forte intervenção política e da comunidade civil, com uma estruturação dos serviços de saúde e dos apoios sociais que privilegiem a pessoa. É necessário coragem, determinação, humanismo e capacidade de não ceder a interesses corporativos e pessoais.

Pandemia do (des)acesso a cuidados de saúde – se o acesso a cuidados de saúde já era um problema em muitos sítios, a covid-19 veio piorar a situação! Sabe-se que há menos pessoas a aceder aos serviços de saúde porque as consultas/exames foram adiados/cancelados ou porque têm medo de se deslocar a esses serviços. Este é um problema grave e que tem levado a um número acrescido de mortes em Portugal, um artigo recente publicado na Acta Médica Portuguesa mostrava que no período Abril-Março de 2020 houve um acréscimo de mortes de 3 a 5 vezes superior ao reportado devido à covid-19. Esperamos que o abanão que os serviços de saúde levaram com a covid-19 sirva para a sua melhoraria, para que se entenda o Serviço Nacional de Saúde com peça fundamental para todos nós e que se aposte na sua qualidade e na valorização dos profissionais de saúde que nele trabalham.

1 Comment

  1. Carlos Godinho

    Não é seguro que o acréscimo de mortes neste período se tivesse ficado a dever diretamente à diminuição das consultas ou outras atividades programadas. De facto, as mortes são na sua maioria de idosos ou alguns menos idosos mas todos já com múltiplas comorbilidades, grande parte delas por desidratação no contexo das altas temperaturas e patologias com ela relacionadas como pneumonias. Falta de cuidados (também de saúde) em geral ? Aí estamos de acordo, chamando a atenção para a deficiência deste cuidado básico: dar de beber a quem tem sede!

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