Maria do Carmo Cafede Médica especialista em MGF

Voluntário… à força?!

08/28/2020

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Voluntário… à força?!

28/08/2020 | Opinião

Claro que não. As piadas e trocadilhos à volta da palavra ‘voluntário’ terão com certeza um pouco de verdade, mas não é disso que vos quero falar.

O voluntariado é um assunto marginal no nosso país por vários motivos e, de vez em quando, algo acontece para reforçar a nossa esperança. Como no início do ‘estado de emergência’, quando cidadãos, não ligados a nenhuma instituição em particular, iniciaram uma onda de solidariedade para ajudar os mais vulneráveis, neste caso os mais idosos e isolados, disponibilizando-se para fazerem compras e resolverem pequenos assuntos. Perante uma necessidade emergente, alguns elementos da sociedade mobilizaram-se (talvez usando as redes sociais) para uma ajuda limitada no tempo, tentando resolver a questão. E depois partiram para outro projeto. É o chamado ‘voluntariado informal’, mas já aqui voltamos.

O voluntariado não é um fenómeno recente e só existe a partir do momento em que o trabalho passou a ser remunerado, como contraponto. Para complicar o seu entendimento, não significa o mesmo em todo o lado e, por isso, a sua avaliação também não é equiparável. Atualmente, considera-se como parte integrante de uma cidadania ativa e aqui começamos a perceber que fatores sociais, económicos, culturais e outros, interferem no modo como cada sociedade encara e promove o voluntariado dentro das suas portas.

Os países de leste têm taxas muito baixas de voluntariado porque, durante os regimes comunistas, os ‘voluntários’ eram escolhidos à força e isso ainda está muito presente. Por outro lado, sabemos que o Reino Unido tem a taxa mais elevada da Europa, cerca de 40%, com tradições familiares que se iniciaram após a 2ª Grande Guerra, fazendo face a problemas sociais enormes, que o estado e organizações privadas não conseguiam resolver na totalidade. Noutro continente, os Estados Unidos da América apresentam a taxa mais elevada conhecida, um pouco acima dos 50% da população ativa, mas há quem duvide de um princípio básico do voluntariado, a total livre escolha para o fazer. Ou seja, se os principais intervenientes são jovens, a acabar o ensino secundário ou a frequentar os primeiros anos do ensino universitário, e se o tempo dedicado à causa voluntária é utilizado como ‘créditos’ para seleção, então o trabalho desenvolvido não é ‘voluntário’ porque se espera uma ‘recompensa’ final.

E chegamos aos princípios básicos do voluntariado: a livre escolha de cada indivíduo, a gratuitidade do trabalho prestado e a contribuição para beneficiar a sociedade como um todo. Em Portugal, como noutros assuntos, não temos dados atuais que revelem o panorama do voluntariado. Só a partir de 1995 é que se iniciou o processo para implementar legislação que o enquadrasse.

Os últimos dados são de 2012 e apontam para uma taxa de 11,5%. A título de curiosidade, a nossa vizinha Espanha apresenta valores mais baixos. E algumas razões são partilhadas. A proibição, durante as ditaduras vigentes, do associativismo; a participação de instituições ligadas à religião no apoio social; uma cultura cívica incipiente (como a elevada taxa de abstenção em eleições e a indiferença por assuntos políticos); uma baixa taxa de escolaridade; uma ausência de classes sociais média-alta e alta; uma baixa prática do trabalho em part-time. Também é necessário afirmar que toda a legislação existente no nosso país sobre este assunto veio a reboque de diretivas externas, a propósito de eventos internacionais (2001 – Ano Internacional do Voluntariado, 2011 – Ano Europeu das Atividades de Voluntariado) e não de reflexão interna ou interesse próprio.

Apesar destas dificuldades, o voluntariado desenvolveu-se, adaptou-se e está presente em muitas áreas do desenvolvimento, desde a saúde, o meio ambiente, as artes, a proteção civil, o apoio social e outras. Não é de admirar que a Lei n.º 71/98 (Bases do enquadramento jurídico do voluntariado), necessite de uma atualização, tendo em conta a evolução da sociedade em que vivemos e as múltiplas formas possíveis de voluntariado nos nossos dias.

O trabalho voluntário tem sido objeto de estudo pela academia, produzindo-se estudos a partir de vários ângulos. Pessoalmente, considero os que incidem sobre os benefícios para os próprios voluntários muito interessantes. Saliento apenas alguns exemplos. Generalizando, sabemos que aumenta a autoestima e as conexões sociais e que promove a formação ao longo da vida. Especificamente, pode ser útil, por exemplo, nos jovens em situações de desemprego desde que seja garantido um apoio financeiro adequado, para aquisição ou treino de aptidões que possam melhorar a sua empregabilidade, para além de melhorar a saúde mental. Pode prevenir a demência nos mais velhos, se considerarmos que a trilogia ‘atividade física, cognitiva e social’ está presente.

Atualmente sabemos que o perfil e as motivações do voluntário mudaram. O mercado de emprego alterou-se, as crises económicas trouxeram novos problemas. O estado, o privado e as organizações «sem fins lucrativos» têm de colaborar entre si para suprir as necessidades que vão surgindo.

Os voluntários são mais escolarizados, têm mais aptidões, têm dificuldade em ligar-se só a uma instituição, gostam de desafios, o tempo disponível é variável, são idosos, são deficientes. Mas as respostas estão aí, disponíveis para quem se quiser aventurar. Temos o voluntariado empresarial, que derivado da missão e dos compromissos sociais de cada empresa, pode atuar nas áreas de intervenção ou outras, aumentando o seu valor (comercial ou não) e construir um espírito de pertença único. Existe o voluntariado virtual (ou online), onde qualquer pessoa – independentemente das suas limitações – pode participar, permitindo a verdadeira inclusão e a representatividade de todas as comunidades, algo que começou com o Projeto Gutenberg (considerado o primeiro), que se tem vindo a expandir com iniciativas pelo mundo fora, sendo a ONU líder neste âmbito.

Não posso deixar de assinalar a ajuda ‘um para um’, tradução livre minha do que em inglês dá pelo nome «one-to-one aid»: um movimento à escala mundial, que no nosso país é englobado no voluntariado informal e excluído da legislação e do interesse geral. Quanto a mim, ignora-se um trabalho válido, útil e necessário, desaproveitando a iniciativa individual, ainda que limitada no tempo e efémera, mas não irresponsável. Ao ser mais flexível e de maior proximidade, pode responder em tempo útil a necessidades emergentes que fogem ao escrutínio de organizações mais complexas.
Em jeito de conclusão, existe decerto um trabalho voluntário para cada individuo. Deixo uma lista de entidades e sites a consultar, nem que seja por curiosidade.

 – Cooperativa António Sérgio para a Economia Social

 – Confederação Portuguesa de Voluntariado

 – Plataforma Portugal Voluntário

 – Centro Europeu de Voluntariado

 – onlinevoluntateering.com

 – nabuur.org

 – idealista.org

 – translationsforprogress.org

 – secot.org

 -betobe.org

 

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