15 de setembro: Dia Mundial do Linfoma: “Taxa de recuperação varia entre 70 e 90%”

16 de Setembro 2020

No dia Mundial do Linfoma, o Dr. José Pedro Carda, hematologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e Secretário Geral da Sociedade Portuguesa de Hematologia, fala-nos sobre um dos […]

No dia Mundial do Linfoma, o Dr. José Pedro Carda, hematologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e Secretário Geral da Sociedade Portuguesa de Hematologia, fala-nos sobre um dos mais raros e desconhecidos do género. O Linfoma de Hodgkin, que vai buscar o nome às células presentes no tecido, afeta sobretudo os jovens adultos com idades entre 15 e os 30, e os mais idosos a partir dos 60 anos, sem razão conhecida. Ainda assim, o Linfoma de Hodgkin tem uma taxa de recuperação entre os 70% e os 90%, apesar dos tratamentos pesados poderem gerar complicações a longo prazo. A outra fatia, os 30% a 10% que não conseguem ser curados são quem mais preocupa os médicos. 

 Num ponto de vista introdutório, pedia-lhe que explicasse o que é o Linfoma de Hodgkin e o que o distingue dos restantes linfomas?
O Linfoma de Hodgkin, como outros linfomas, é um cancro do tecido linfático – o tecido de defesa que temos no nosso organismo. Sendo uma patologia neoplasia terá o mesmo comportamento agressivo que têm outros se não for tratado atempadamente.

Quem é que são as pessoas mais afetadas pelo linfoma de Hodgkin’s e porque é que este linfoma parece incidir particularmente em doentes com idades entre 20 e 30 anos?
Não se sabe muito bem a justificação para que a faixa etária seja a dos adolescentes quase adultos ou a dos jovens adultos. Este tipo de linfoma comporta-se, em termos epidemiológicos, com dois picos de incidência em duas faixas etárias. A primeira é a dos 15 aos 30 anos, e a segunda a partir dos 60, sendo que os subtipos de linfoma de Hodgkin que estão contidos em cada uma dessas faixas é diferente.
O motivo pelo qual atinge preferencialmente adultos muito jovens no mais preponderante, que é o Linfoma de Hodgkin esclerose nodular, não é de todo conhecido. Julga-se que possa estar ligado a um fator de risco que é a infeção por Epstein-Barr (EBV). Contudo, a maioria de nós já contactou com esse vírus e não é por isso que vai desenvolver Linfoma de Hodgkin. Portanto, provavelmente num contexto de infeção virológica ou o contacto com um qualquer agente externo, torna a incidência muito maior nesta faixa. Mas uma razão concreta, não sabemos. 

O que causa este tipo de Linfoma? Referiu o contacto com o vírus de Epstein-Barr, mas que não é certo. Existem comportamentos ou fatores de risco que possam ser responsáveis para contrair a doença?
Epidemiologicamente a idade é um factor de risco, contudo não o é verdadeiramente porque não ser moldável ou evitável na redução de risco para doença. O segundo fator de risco, e um dos mais validados, é a infeção por Epstein-Barr assim como o é a infeção por VIH.
A infeção por VIH, como grande imunossupressora, aumenta muito o risco para todo o tipo de tumores, todo o tipo de neoplasias, mas também para o Linfoma de Hodgkin, sobretudo na era do tratamento com terapêutica anti retrovírica. Portanto, é um linfoma sobretudo do doente tratado com terapêutica anti-retrovírica porque sobrevive mais tempo, suportado por um sistema imunitário que, apesar de tudo, está debilitado, e acaba por promover o processo de linfomagénese.
Na ausência de factores de risco, é, infelizmente, como outro tumor qualquer que se possa ter. Há um erro de multiplicação celular e a partir daí acumula-se o erro, multiplica-se, dando origem a novas células imortalizadas (ou que não morrem facilmente), havendo lugar a crescimento tumoral. 

Quais sãos os principais sintomas do Linfoma de Hodgkin e como é que é possível detetar esta doença?
Podemos dizer que a maioria dos doentes não tem outro sintoma para além do crescimento da massa tumoral. Imagine-se um jovem que relata o aparecimento de um gânglio cervical – a maioria -, ou supra clavicular ou axilar, e que até repara nele durante um ou dois meses mas só recorre à ajuda médica posteriormente para perceber o que se passa. Há um conjunto de exames que é necessário fazer antes de podermos afirmar a suspeita de Linfoma de Hodgkin, porque nem tudo o que é gânglio, felizmente, é tumor. E no contexto do estudo mais ou menos exaustivo, que não se quer demorado, como é óbvio, acaba por levar a uma biopsia excisional. E portanto, são poucos os doentes que têm outros sintomas para além do contexto de gânglio.
Outros sintomas que o doente pode referir são por exemplo: febre sem motivo infeccioso, uma perda de peso que não consegue justificar por alterações de hábitos de vida, como dieta ou exercício físico, ou então sudorese noturna profusa. Estes são os três principais sintomas que podem surgir numa percentagem menor de doentes com Linfoma de Hodgkin.
Existe um outro conjunto de sintomas que diz respeito ao crescimento de massas tumorais torácicas. Na cavidade mediastínica (espaço entre os pulmões) pode haver crescimento de massas ganglionares, sendo que estes doentes podem até ter gânglios periféricos mais pequenos. Na realização de RX ou TAC torácica detectamos uma grande massa tumoral, sendo qe estes doentes podem apresentar dispneia, falta de ar, tosse seca, podem sentir a sensação de opressão torácica. Não são de todo a porção maioritária dos doentes.

Estes sintomas parecem todos bastante genéricos. Isto torna mais difícil o diagnóstico do Linfoma de Hodgkin?
Não julgo que seja difícil de diagnosticar. Mesmo o gânglio é um sinal muito geral. Eu posso ter uma amigdalite e ter uma adenopatia cervical.  Posso ter uma infeção por EBV e apresentar um conjunto de adenopatias sem que elas sejam tumorais. Mesmo o gânglio é um sinal geral e muito pouco específico. Nesse sentido, habitualmente, e com o receio de neoplasia, qualquer individuo que apresente um gânglio suspeito faz uma série de análises de sangue e uma série de exames de imagem que, se normais, vão culminar numa biopsia excisional. E, portanto, o diagnóstico não é difícil nem é um diagnóstico que seja atrasado, a não ser que, por receio de neoplasia, o doente não recorra à ajuda médica. 

Como é que o Linfoma de Hodgkin progride ao longo do tempo? Como é que evolui?
O Linfoma de Hodgkin tem progressão por disseminação linfática sendo rara a disseminação por via sanguínea. Conceptualmente, admitindo um tumor inicial a nível cervical, ocorre progressão para região supra-clavicular, axilar, posteriormente para tórax e abdómen. Só após disseminação linfática extensa ocorrerá disseminação por via sanguínea, invadindo a medula óssea. Isto é característico de um doente com Linfoma de Hodgkin e, habitualmente, um doente que não tem doença torácica, por norma, não terá doença abdominal. Este fenómeno de disseminação linfática por contiguidade é muito característico do Linfoma de Hodgkin. 

E a nível prático, do ponto de vista físico, quais são as repercussões para um paciente?
Quanto mais disseminada estiver a doença, maior a probabilidade de sintomatologia sistémica. Portanto, maior a probabilidade de termos astenia, maior a probabilidade de termos febre… Se a doença vai à medula óssea podemos ter anemia, podemos ter falência da medula óssea porque está infiltrada por algo estranho à medula, que não deveria lá estar.
A astenia, portanto a fraqueza, no Linfoma de Hodgkin, não é habitual. Em primeiro lugar porque os doentes são muito jovens, têm reserva cardíaca, têm reserva respiratória e, de forma surpreendente poderemos ter grandes massas torácicas sem que o doente tenha queixas algumas. O que é estranho porque o tumor vai crescendo, tem capacidade de adaptação, e não há queixas associadas.
O doente mais idoso, esse é diferente. Nessa circunstância, aí sim, vamos ter perda de capacidade porque repare-se, o pulmão por si só já não funciona muito bem, o coração tampouco, a medula óssea já não é uma medula óssea potente e, portanto, qualquer circunstância que leve à diminuição da função é o suficiente para dar sintomatologia. O que não acontece, por norma, nos jovens. 

Quais são as principais terapias aplicadas? Como é que se trata o Linfoma de Hodgkin?
Na proposta terapêutica para tratamento do Linfoma de Hodgkin é importante considerarmos a sintomatologia e a extensão da doença. O tipo de tratamento, o número de tratamentos e a intensidade dos tratamentos é diferente de acordo com a presença de uma doença localizada ou sistémica disseminada.
Existem vários tipos de tratamento. Todos eles passam por quimioterapia, que pode ser realizada durante um menor ou maior período de tempo, de acordo com a extensão da doença. De acordo com a extensão da doença são administradas doses diferentes, e por vezes adicionamos radioterapia se o doente tiver a doença localizada. Portanto, se for uma doença localizada fará o menor número de ciclos, com é óbvio, para obter o efeito terapêutico e radioterapia associada. Se o doente tiver uma doença disseminada, não faz sentido fazer radioterapia. Neste caso o doente fará quimioterapia com uma maior duração e com uma maior dosagem à partida, sendo o objetivo oferecer a cura a todos estes doentes com a menor toxicidade possível.

E quanto à recuperação? Há pouco referiu que o Linfoma de Hdgkin tem uma boa taxa de recuperação. Tenho indicação de que serão cerca de 75% de recuperação, porque é que isto acontece?
Este é um tumor quimiosensível e radiosensível. Não tem um crescimento explosivo, em comparação com outros linfomas que têm crescimentos explosivos e que são extraordinariamente agressivos. Não é o caso. Os doentes, apesar do linfoma, e sendo jovens, geralmente não têm outras doenças associadas, o que permite cumprir uma quimioterapia plena. Sendo o linfoma quimiosensível, a erradicação da massa tumoral é mais simples e mais eficaz.
As taxas de cura estimam-se entre 70% e 90%, dependendo da extensão e do estadiamento. Como é óbvio, se temos uma doença localizada, vamos curar mais doentes. Em contrapartida, curamos menos doentes com uma doença disseminada.
As taxas de cura reduzem inversamente com a extensão da doença, mas, infelizmente, a cura vem com um custo.  Nos doentes curados poderemos encontrar efeitos secundários a muito longo prazo. Portanto, a nossa batalha atual é nessa percentagem de doentes que estão efetivamente curados; conseguir diminuir as complicações a muito longo prazo. Porque elas surgem muito muito tardiamente. Portanto, preocupam-nos os doentes que não estão curados, mas preocupam-nos também os que estão

Há então a necessidade de seguir o doente pelo resto da vida?
Isso já é política individual de cada um dos serviços. Eu, por norma, mantenho seguimento contínuo destes doentes, nem que seja de dois em dois anos. Se os doentes fizeram radioterapia cervical temos que ter vigilância de função tiroideia apertada, porque podem desenvolver hipotiroidismo. No caso das senhoras, com irradiação torácica há que vigiar o tecido mamário para detecção precoce de carcinoma da mama no território irradiado. Podem a curto, médio ou longo prazo desenvolver outras doenças hematológicas, nomeadamente leucemias agudas fruto do tratamento intensivo a que são submetidos. Obviamente que estes doentes correspondem a pequenas percentagens, não são todos os sobreviventes. Mas não deixa de ser uma pequeníssima percentagem que nos preocupa, e muito.
Nos doentes irradiados temos que nos preocupar com as áreas irradiadas. E nos doentes tratados com quimioterapia, temos que pensar que a própria quimioterapia tem custos a muito longo prazo, inclusivamente algo tão dramático para o doente com perspetivas de vida a médio e longo prazo, como é a esterilidade. Com quimioterapia bem-sucedida, curativa podemos esterilizar um jovem… O nosso trabalho hoje em dia é tentar ajustar a menor dose de radioterapia e a menor dose de quimioterapia eficaz para curar os doentes, ao mesmo tempo evitando danos para o doente a longo prazo.

E quanto aos doentes não curados? Esta minoria que corresponde a cerca de 30%, o que lhes acontece?
Este doentes são doentes que nos preocupam muito. Todos nos preocupam, como é óbvio, mas estes mais porque a probabilidade de cura reduz substancialmente. Se estamos a falar de doentes em idades inferiores a 65 anos, e com condição física adequada, o objetivo é tratá-los novamente com quimioterapia e submete-los a um transplante autólogo de medula óssea. Portanto, vão ser submetidos a uma quimioterapia de maior intensidade e vão ser colhidas células da medula óssea do próprio doente que vamos reinfundir mais tarde. Nesta faixa conseguimos curar cerca de metade dos doentes. Contudo, os restantes, refractários a todas estas estratégias são doentes muito trabalhosos, com um prognóstico mau, porque deixamos de ter estratégia curativa, e vamos ter que ser interventivos com estratégias que fogem ao clássico.

No que diz respeito à prevenção da doença. Existe forma de prevenir, ou passa sobretudo pelo diagnóstico atempado.
Não se conhece forma de prevenção direta. Como é óbvio, se estamos a falar de fatores de risco como idade e género, isso não e prevenível. Fatores de risco como o EBV, não são preveníveis também. Estamos a falar de uma infeção endémica pela qual muitos de nós já passámos e, portanto, é como outro vírus banal que connosco convive. Se falarmos de HIV, com todas as estratégias de prevenção, esse sim é passível de ser prevenido e de evitar as complicações a ele associado. Nomeadamente neoplasias hematológicas e não-hematológicas.
Portanto, não se trata de uma verdadeira prevenção. A estratégia é o diagnóstico precoce. Quanto mais precoce for, mais eficaz será o tratamento. Não só será menos intenso, mas também tem uma maior taxa de cura associada. Isto parte sobretudo do doente. Honestamente, não acho que tenhamos atraso de diagnóstico na modalidade dos linfomas. Estamos a falar de um sinal que é relativamente assustador, é um gânglio. Isso tem uma conotação oncológica importante, apesar da maioria dos gânglios não serem oncológicos. Nesse aspeto, julgo que a chamada de atenção deve ser feita à população em geral para que recorra à ajuda médica para tentar perceber ou interpretar aquele gânglio que ali têm, porque não julgo que tenhamos um problema de gestão de recursos humanos ou de saúde no que é relativo aos diagnósticos em linfomas.

Entrevista de João Marques

 

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