SER APMGF, ou uma NOVA APMGF? O debate entre as duas listas candidatas à maior sociedade médica em Portugal

11 de Novembro 2020

Decorreu esta sexta-feira pelas 21h o debate promovido pela HealthNews entre as duas listas candidatas à presidência da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Médicos de Família (APMGF), a maior associação médica portuguesa de especialidade

Decorreu esta sexta-feira pelas 21h o debate promovido pela HealthNews entre as duas listas candidatas à presidência da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Médicos de Família (APMGF), a maior associação médica portuguesa de especialidade. De um lado esteve Rui Nogueira, atual presidente da APMG e candidato à presidência pela Nova APMGF, e do outro Nuno Jacinto, candidato a presidente pela SER APMGF; a jornalista Teresa Dias Mendes foi a moderadora do debate. As eleições decorrem dia 21 de novembro.

O início do debate fica marcado pela definição da atual situação do país e da APMGF perante a atual pandemia de Covid-19, bem como pela manifestação de surpresa face à candidatura concorrente de Nuno Jacinto e da SER APMGF. Para Rui Nogueira, atual presidente da associação, a resposta deficiente à pandemia é fruto de uma falta de preparação para a segunda vaga e da falta de “vontade política em investir nos cuidados de saúde primários”, que enfrentam “falta de recursos, excesso de trabalho e listas sobredimensionadas de doentes”.

Já Nuno Jacinto, candidato pela oposição à atual direção, queixa-se do tempo que os médicos de família passam ao telefone por causa da Covid-19, e de ser “o parente pobre do SNS”. “É preciso esclarecer que há tarefas que não devem ser efetuadas pelos médicos de família, como os contactos telefónicos, que nos roubam tempo infinito de atividade assistencial e das nossas atividades, porque este atendimento é feito quando estamos de férias, de fim-de-semana e às vezes fora de horas. Nunca aconteceu em nenhuma outra doença seguirmos um doente assintomático que, apesar de positivo, nunca teve sintomas, para fazermos um registo e mias um processo administrativo”, explicou enfatizando ainda a falta de recursos humanos nos sistemas de cuidados primários e concordando com a necessidade de reajustar as listas de utentes.

Outro dos pontos quentes do debate aconteceu perto do fim do mesmo, quando Nuno Jacinto se pronunciou sobre a proposta da sua lista de limitar o número de mandatos do presidente da APMGF para apenas dois, uma medida que, de acordo com Rui Nogueira, faz também parte da revisão dos estatutos proposta pela Nova APMGF.

Na discussão, o Rui Nogueira fez questão de lembrar uma proposta de redução da atividade da associação feita pelo seu adversário que acusou de “desinvestir” na associação e de construir depois uma outra lista. “Como é que antes não tinham tempo e agora apareceram com outra lista?”, deixou escapar o atual presidente.

“Achamos que tem que haver rotatividade no exercício de cargos. Tudo o que foi debatido é bastante interessante, mas temos que recordar que o Dr. Rui é presidente há já dois mandatos, e parece-nos estranho que queira inovar no seu terceiro mandato tentadno descolar do que foi a realidade desta direção nacional. Porque é que esta abertura e esta integração não aconteceram antes? Porque é que não se tratou de disseminar a associação e estas delegações antes? Esta questão da limitação de mandatos fomenta também as ideias novas que é muito de salutar. Como vimos aqui hoje, seja quem for o vencedor, o caminho vai ser claramente diferente”, explicou Nuno Jacinto referindo-se à limitação de mandatos.

Rui Nogueira justificou a terceira candidatura com a situação anormal vivida em Portugal com a pandemia de Covid-19.

Outra das questões enfatizadas no debate, sobretudo pelo atual presidente, é a da investigação científica. Rui Nogueira acredita que a investigação científica é “pobre” em Portugal, e que tem que ser apoiada “com medidas concretas, com investimento e a criação de condições para que se considere a própria investigação como uma tarefa fundamental ao desenvolvimento científico do médico de família”.

Para tal, na APMGF a solução passa por tornar os centros de cuidados de saúde primários em unidades formadoras “com capacidade de desenvolver o conhecimento e atrair novos colegas”.

Nuno Jacinto, por outro lado, preferiu focar-se na questão da comunicação interna da associação e, face à proposta da lista adversária de criar uma “provedoria do médico de família”, defende que não existe necessidade de criação de tal órgão, apenas que os órgãos sociais da APMGF tenham capacidade para escutar todos os médicos de família.

Quanto à carreira médica, Rui Nogueira fez questão de salientar o trabalho de reapreciação da mesma que está neste momento a ser desenvolvido. Para o atual presidente da APMGF, é fundamental voltar a aposta na carreira médica “que deve ser abrangente e incluir todos os médicos dentro e fora do SNS”.

O presidente salutou ainda a velocidade com que são feitos os concursos de provimento, mas acredita que o SNS precisa de encontrar condições para atrair médicos de família recém-formados “mais exigentes”.

Uma visão partilhada por Nuno Jacinto que explicou que “Colocar um jovem médico especialista num sitio que não tem as condições mínimas: não tem uma equipa funcional, uma lista de utentes sobredimensionada, sem tempo para fazer investigação, sem capacidade para formar internos, sem condições para crescer, torna muito difícil fazer alguém aceitar um desafio destes”, aspetos importantes além da remuneração e que têm de ser contrariados.

O cenário é preocupante para o Sistema Nacional de Saúde, sobretudo porque, como avançou Rui Nogueira, o SNS está a perder médicos de família: “Vamos ter 500 aposentados no próximo ano, e no ano seguinte mais 500, e este ano outros 500. Num curto espaço de três anos o SNS vai perder quase 30% dos médicos de família, o que não é possível. Tem que haver uma política de investimento. Temos que redimensionar e reestruturar esta maneira de gerir utilizada nos últimos anos, porque não e possível dar a volta a 1500 saídas sem garantias de que conseguimos colocar 1.500 médicos no seu lugar. O SNS está a perder mais de 20% dos médicos que forma a cada ano.

“Em vez de renovarmos estas saídas, que não nos permitira crescer mas sim manter os meios, estamos a diminuir a nossa capacidade”, acrescentou o presidente da associação em concordância com Nuno Jacinto que aproveitou a deixa para se manifestar contra a organização das Unidades de Saúde Familiar e Centros de Saúde. “Uma das nossas lutas é que não pode haver esta separação remuneratória [entre USF e UCSP], mas as equipas podem evoluir. Porque é que estas equipas estão restritas as medicos, enfermeiros e assistentes técnicos? Não é algo que faça muito sentido. A chave passa precisamente pela questão da proximidade. As eleições já tiveram esse mérito de fazer mudar as ideias e reabrir a questão. Do nosso ponto de vista, a APMGF não precisa de uma estrutura cada vez mais complexa quando muitas vezes nem consegue por a funcionar a que tem”.

Nuno Jacintou teceu ainda críticas à organização interna da associação, mais concretamente ao departamento de internos onde julga faltar a realização de um espaço de discussão de internos e para o qual a criação de mais um órgão não é a solução. A SER APMFG defende uma associação mais descomplicada, menos burocrática e mais “familiar”, pelas palavras de Nuno Jacinto.

“A associação tem que extravasar a sua direção nacional, que tem que delegar e ser capaz de por todos os colegas a trabalhar. Criar uma estrutura complexa, segmentada e dividida não nos parece o caminho certo quando não fomos capazes de manter o funcionamento daquilo que temos com a vitalidade desejável”, elucidou o candidato da lista SER.

“A NOVA APMGF está a olhar para o futuro. Estamos a criar não estruturas, mas maneiras de trabalhar para o futuro. Temos o departamento de internos, mas queremos que este seja um conselho nacional. Queremos um conselho grande, com iniciativas, que apoiamos no que intenderem fazer, sejam encontros nacionais ou regionais. Não é uma questão de estruturas, trata-se de dar apoio”, contrapôs o atual presidente exemplificando o sucesso de medidas semelhantes, como os grupos de estudo.

Texto de João Ruas Marques

 

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