Dr. José Cunha: “Idade da mulher é determinante no tratamento da infertilidade”

11/12/2020
Estima-se que durante o confinamento tenham sido suspensos até três mil tratamentos.

O sonho de milhares de casais e mulheres solteiras de constituir uma família foi interrompido com a chega do vírus. Em entrevista à HealthNews o Dr. José Cunha, diretor clínico na AVA Clinic Lisboa, explica as principais causas da infertilidade, o tipo de tratamentos e os riscos associados à Covid-19. 

Healthnews (HN) – Quais são as principais causas da infertilidade?

Dr. José Cunha (JC) A infertilidade pode ter causas de origem feminina, masculina ou mistas.  A divisão das causas da infertilidade é 30 a 35% de causas masculinas, 30 a 35% são causas femininas, entre 20 a 25% causas mistas e 15 a 20% não se sabe qual é a causa.
Em relação às causas de infertilidade feminina devem-se, principalmente, à idade reprodutiva avançada, ou seja, mulheres que tentam engravidar pela primeira vez numa idade tardia. A partir dos 35 anos o potencial reprodutivo diminui e depois dos 40 anos, a possibilidade de engravidar é de 10% ou menos. Esta é uma causa que, hoje em dia é cada vez mais frequente.

Existe ainda o fator tubário, isto é, quando as trompas uterinas têm algum tipo de lesão e, portanto, não estão funcionais. Os espermatozoides precisam das trompas para conseguirem chegar até ao óvulo para fertilizarem o óvulo, assim como o embrião precisa de usar a trompa para chegar até o útero.

Uma outra causa importante da infertilidade feminina é a endometriose. É uma situação em que o tecido uterino se desenvolve fora do útero.

Existem ainda outros fatores como os biomas uterinos, doenças sexualmente transmissíveis (que também estão relacionados com o fator tubário, já que as lesões nas trompas se devem a infeções ginecológicas relacionadas com estas doenças) e doenças crónicas (diabetes, doenças da tiroide).

Relativamente à infertilidade do homem temos, sobretudo, problemas na produção de esperma (diminuição da qualidade e da quantidade, problemas de ereção que impossibilitam a entrada do esperma no fundo da vagina, obesidade extrema).

HN – E que tipo de tratamentos é que existem para aumentar a fertilidade?

JC – Os principais são a inseminação intrauterina e a fertilização in vitro com uma variante que é a chamada ICSI (injeção intracitoplasmática de espermatozoide). No entanto, existe ainda um outro tratamento que cada vez mais está a ser mais utilizado que é a ovodoação que é, no fundo, uso de tratamentos com óvulos doados.

A inseminação artificial ou intrauterina consiste em colocarmos uma amostra de sémen, já preparado em laboratório, no interior do útero. O objetivo é aumentar a capacidade dos espermatozoides em fertilizar o óvulo e, portanto, aumentar as possibilidades de fertilização. Com a inseminação diminui-se a distância que separa o óvulo do espermatozoide, enquanto numa relação sexual normal é depositado no fundo da vagina e tem de fazer todo o trajeto até o óvulo.

A fertilização in vitro é a junção do ovócito com o espermatozoide, em laboratório, de modo a obter o embrião que depois é transferido para o útero. Essa inseminação dos óvulos pelo espermatozoide pode ser realizada segundo a técnica de fertilização in vitro convencional ou através da injeção intracitoplasmática de espermatozoide (utilizada para casos de fator, por exemplo, masculino mais grave).

A ICSI e a FIV têm indicação quando há uma má qualidade do esperma.

Sobre a ovodoação é uma situação em que utilizamos óvulos de doadoras (mulheres com menos de 34 anos), já que a mulher que pretende engravidar não o consegue com os seus próprios óvulos. Juntamos esses óvulos com o espermatozoide do companheiro. Mas estas mulheres podem, também, juntar óvulos doados com esperma de dador. Hoje a lei permite que mulheres sem companheiro ou os casais de mulheres recorrerem a uso de esperma e óvulos de dador.

HN – Quais são os critérios definidos para cada tratamento?

JC – A inseminação utiliza-se em casais em que a mulher tem problemas na ovulação. Quando não ovula, ovula poucas vezes ou quando tem alterações no colo do útero, em que o esperma tem dificuldade de entrar para dentro do útero. Também usamos este tratamento quando o homem apresenta uma alteração leve ou moderada no esperma, mas também em casais em que aparentemente está tudo normal e não se sabe o motivo pelo qual não conseguem engravidar.

Pode-se usar esperma de dador em inseminação artificial, por exemplo, em homens que são portadores de doenças genéticas e, portanto, podem transmitir essas doenças ao embrião. Nesses casos opta-se por esperma de dador.

Sobre as indicações para a FIV são, sobretudo, pacientes que não tenham tido sucesso nos tratamentos por inseminação. Este tratamento tem uma indicação muito clara quando há uma lesão das trompas e, portanto, não é possível através da inseminação haver uma gravidez. Também quando existe um fator masculino, uma qualidade de esperma já com uma certa gravidade. A fertilização in vitro é também aplicada quando existe um número limitado de óvulos. E a idade da mulher tem um papel decisivo na escolha deste tratamento.

HN – Quais os mais utilizados?

JC – Os mais utilizados são a inseminação, a fertilidade in vitro e a ovodoação, mas talvez o mais utilizado seja a FIV e a ICSI porque são os mais eficazes.

No entanto, os tratamentos por ovodoação têm aumentado, já que as mulheres recorrem a este tipo de tratamentos com idades mais avançadas.

A duração da infertilidade também determina o tipo de tratamento. Se o casal tem uma infertilidade com mais de três anos e a senhora tem mais de 38 anos tem logo indicação para a FIV.

Outra doença na mulher que tem mais indicação para se começar a tratar a infertilidade com a FIV são mulheres com endometriose grave que possa ter provocado alteração nas trompas e na qualidade dos ovócitos.

A partir dos 43 anos as taxas de sucesso da ICSI e da FIV descem abaixo dos 10% e neste caso as mulheres de idade avançada são indicadas para o uso de óvulo de dador. No entanto, existem mulheres com falência ovárica prematura, mulheres que foram operadas aos ovários, mulheres com doenças genéticas ou mesmo em mulheres que tiveram insucesso em tratamentos anteriores que também recebem indicação para recorrerem à ovodoação.

Já a ovodoação em sémen de dador acontece em homens com ausência de espermatozoides, portadores de doenças genéticas, em anomalias cromossomicas que existem nos próprios espermatozoides e, claro, quando temos casos de casais solteiras ou casal de mulheres.

HN – Destes três tratamentos qual se apresenta como o mais eficaz?

JC – A eficácia tem a ver com a idade da mulher, já que reserva ovárica e a qualidade vão baixando.

Em senhoras até aos 35 anos, a inseminação intrauterina tem uma taxa de sucesso de 15 a 20%. Em senhoras entre os 38 e os 40 anos, a taxa de sucesso com uma inseminação é de 7 e 8%. A FIV em mulheres com mais de 42 anos tem uma taxa de sucesso de 20% e a inseminação apenas de 3%. A taxa de sucesso da FIV é inferior a 10% em mulheres com 43,44 e 45 anos e é por isso que nestes casos é dada a indicação da ovodoação.

Enquanto a ovodoação tem indicação para qualquer idade a FIV e a ISCI não.

HN – Qual foi o impacto que a pandemia teve nos tratamentos?

JC – Obviamente teve impacto porque as clínicas tiveram indicação de encerramento e, portanto, obrigou à paragem dos tratamentos. Calcula-se que durante o confinamento a pandemia tenha levado à suspensão de cerca de dois mil a três mil tratamentos. No entanto, este estudo ainda está a ser feito e ainda não temos resultados finais.

HN – E como é que estas famílias lidaram com a interrupção dos tratamentos?

JC – É óbvio que não lidaram bem, sobretudo as pessoas que têm mais idade e que estavam em situações de espera, mas perceberam que durante a pandemia tinham de se ter certos cuidados. Teve que ser assim, visto que houve recomendações da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução.

HN – Crê que o impacto económico da pandemia vai impedir famílias de avançar com tratamentos de fertilidade?

JC – Algumas sim, mas por acaso não temos notado muito. As pessoas para a questão da fertilidade e terem filhos tinham feito já as suas reservas e, portanto, não estamos a notar isso… agora, muito provavelmente alguns casais já não terão condições para fazer o tratamento. Se não tinham essas reservas económicas feitas e se agora estão em situação de desemprego ou com rendimentos penso que isso pode vai ter algum impacto.

HN – Considera que o Governo deveria ajudar estas pessoas?

JC – Eu acho que em relação à infertilidade toda a ajuda era bem-vinda. As listas de espera no público aumentaram muito. Se o Estado não tem capacidade de resposta, e na realidade não tem, porque também os serviços públicos tal como nós tivemos parados, era agora necessário financiar no sistema privado este tipo de tratamentos. Acho que era uma excelente ajuda, tal como para outras patologias e cirurgias que estão a ser feitas no serviço de saúde privado.

HN – Como é que a AVA Clinic consegue garantir a segurança dos pacientes e minimizar o risco de propagação da Covid-19?

JC – No sentido de garantir uma maior segurança houve várias medidas que passaram a ser tomadas. Primeiro passou a existir um código de conduta para todos os profissionais e pacientes para evitar exposições desnecessárias ao coronavírus. É muito importante as pessoas cumprirem uma série de regras que tem de ser escrupulosamente seguida.

Depois foram introduzidas alterações nos nossos protocolos neste tipo de tratamentos. Todos os intervenientes têm de responder por escrito a inquéritos e questionários sobre a Covid-19. São rastreados os sintomas relacionados com a infeção. São feitos estes de diagnóstico antes da colheita de ovocitos ou esperma e antes da transferência dos embriões criopreservados. Sempre que estes resultados são positivos o tratamento é interrompido. Estas medidas têm o objetivo da preservação da segurança das pessoas como dos gâmetas e embriões.

HN – Existem riscos para as pessoas que estejam a tentar engravidar?

JC – A decisão de tentar conceber é uma decisão pessoal e de cada casal, mas precisa de sempre de ser tomada com base no estado de saúde de cada pessoa, nas condições locais, portanto, no estado atual da pandemia. Deve ser também baseada numa cuidadosa análise da relação custo benefício de cada situação clínica concreta. Poderá haver casos em que na realidade está indicado nós não fazermos o tratamento agora. Se a situação piorar, as pessoas vão ter adiar o tratamento… por exemplo, fazerem-se os embriões e não se transferirem agora para termos o menor numero de grávidas no estado de pandemia porque ainda não se sabe bem as consequências, embora vários estudos indicam que não há um aumento de complicações, mas ainda é muito cedo para assegurarmos isso.

Entrevista por Vaishaly Camões

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