Ana Mangas Anestesiologista e especialista em Medicina da Dor

Desmistificar o uso terapêutico da canábis para fins medicinais

11/14/2020

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Desmistificar o uso terapêutico da canábis para fins medicinais

14/11/2020 | Opinião

Durante décadas, fomos habituados a ouvir e a conhecer a canábis apenas pelo seu uso recreativo, desvalorizando o seu potencial farmacoterapêutico. Contudo, nos últimos anos tem sido feita investigação sólida e robusta, sendo que os seus resultados têm vindo a mostrar, consistentemente, que os derivados desta planta, como seja o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) ou o canabidiol (CBD), podem ter diversos benefícios terapêuticos para os doentes com dor crónica, sendo úteis no seu controlo.

Existem inúmeras opções terapêuticas, de diversas classes distintas e com diferentes mecanismos de ação, que podemos utilizar atualmente para controlar a dor e outros sintomas, como a ansiedade e a qualidade do sono. No entanto, são inúmeros os doentes com dor crónica que ainda não veem a sua sintomatologia devidamente controlada, continuando a sofrer de dor intensa e difícil de suportar. Para estes doentes, que sofrem de dor crónica refratária, ou seja, que não respondem aos tratamentos atualmente disponíveis, necessitamos efetivamente de novas soluções terapêuticas.

É nesse sentido que os tratamentos à base de canábis para fins medicinais surgem, apresentando-se como uma nova alternativa na melhoria da sintomatologia difícil de controlar. Mas, para que o seu uso seja profícuo existem ainda muitos mitos e estigmas para desfazer. “Se usar estas substâncias será que vou ficar dependente?”, entre muitos outros. Muitas vezes pensamos que a barreira à utilização dos canabinóides estará no prescritor, mas decerto que existirão também muitos entraves à utilização destas substâncias provocadas pela mentalidade da sociedade em que estamos inseridos. É de extrema importância separar o uso recreativo da planta do seu uso medicinal.

Se houver uma prescrição e supervisão médicas, com controlo das dosagens e com um seguimento frequente do doente, feito por uma equipa multidisciplinar, com profissionais experientes no tratamento da dor, estamos claramente a referir-nos ao uso medicinal da canábis, que à semelhança de outras terapêuticas, tais como os opióides, nada tem a ver com o “uso abusivo de drogas”, nem terá as suas consequências, por exemplo no que diz respeito ao risco aditivo.

É importante afirmar que o risco de adição associado ao THC não é superior ao de outras substâncias utilizadas no tratamento da dor crónica, ou, pelo menos, não existe evidência científica que aponte nessa direção.

Em Portugal, o Infarmed aprovou uma lista de sete indicações terapêuticas para as preparações e substâncias à base de canábis para fins medicinais. A dor crónica é uma dessas indicações, sendo que há de facto evidência muito relevante na dor neuropática refratária, condição para a qual as abordagens terapêuticas disponíveis são escassas.

Por terem uma ação a nível do sistema nervoso central, as terapêuticas à base de canábis para fins medicinais parecem trazer benefícios, que não passam apenas por melhorar a perceção que o doente tem da intensidade da dor, mas também melhorias significativas no apetite, na qualidade do sono, na ansiedade, na autonomia e, consequentemente, a qualidade de vida e do bem-estar geral.

Não estando a falar de uma terapêutica inofensiva, nem de uma pílula mágica que resolverá todos os problemas de saúde, não deve, contudo, haver receio em administrar este tipo de terapêuticas, nem devemos olhá-las com o preconceito de serem uma droga recreativa, garantindo que o doente seja vigiado por uma equipa multidisciplinar, com conhecimento alargado em dor.

Assim, o uso destas terapêuticas deve de ser continuamente monitorizado, através de uma colaboração muito próxima entre profissionais de saúde e doentes, garantindo que de fato possam usufruir dos seus benefícios.

 

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