Médicos aposentados que continuam no SNS não se demovem pela pandemia

8 de Dezembro 2020

Mário Durval, 71 anos, e Madalena Mourão, 68 anos, são dois dos médicos aposentados que nunca quiseram abandonar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), especialmente durante a pandemia de Covid-19.

Apesar das décadas de serviço ao SNS, os dois profissionais não hesitaram, perante a pandemia, em exercer a sua atividade, participando no funcionamento das unidades de saúde em que trabalham.

Depois de 44 anos de carreira, Mário Durval decidiu reformar-se sem nunca deixar de trabalhar, mantendo funções enquanto Delegado de Saúde e, agora, na Unidade Saúde Pública (USP) Arnaldo Sampaio, no Barreiro, como médico desta especialidade.

“Terminei [a 31 de agosto] a Comissão de Serviço [como delegado de saúde], mas como estamos em período de pandemia havia a necessidade de continuar porque há falta de profissionais”, explicou Mário.

Madalena Mourão, com mais de quatro décadas de serviço, também escolheu continuar no SNS após a reforma, que ocorreu em 2014, sublinhando: “nem toda a gente tem este amor à arte”.

A médica de medicina geral e familiar congelou a pensão e mantém até hoje funções na UCSP (Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados) Alameda.

Quanto ao facto de estarem mais expostos ao novo coronavírus devido à permanência em Unidades de Saúde, Mário conta que apesar de a sua idade o colocar num grupo considerado de risco não pesou na sua decisão.

“Não hesitei nada [em continuar] porque o risco zero é impossível e, como profissional de saúde, devo saber defender-me”, esclarece.

O mesmo pensamento é partilhado por Madalena, que diz não se ter sentido afetada pela sua condição.

No entanto, a médica aponta que se notava “o medo da suscetibilidade à doença e a apreensão de passar o vírus aos familiares” em alguns dos seus colegas, incluindo aposentados.

Outro fator que ambos os médicos tiveram em conta ao optar pela continuidade no exercício da profissão foi a recetividade das suas famílias, que a encararam com normalidade.

“[Os meus familiares] reagiram bem. Se eu não estivesse aqui estaria envolvido noutra atividade qualquer. Eles já sabem que eu não vou para casa calçar as pantufas”, elucida a médica.

Da mesma forma, Madalena diz que a sua família não estranhou a decisão por sempre ter trabalhado muito, “dedicada ao serviço público”.

Porém, o convívio a que estavam habituados sofreu alterações radicais para impedir a transmissão da Covid-19.

“Passámos a ter um cuidado redobrado e deixei de almoçar com a minha filha ao domingo. Por ter uma família alargada, costumamos estar sessenta em minha casa no Natal e, este ano, isso não vai acontecer”, lamenta.

Estes dois profissionais não reduziram a sua carga horária, o que os faz ter um regime completo, com 42 horas semanais no caso de Madalena e 35 no de Mário.

A situação pandémica que o país atravessa veio alterar as funções de ambos os médicos, bem como o seu volume de trabalho.

“Os agrupamentos dos sistemas de saúde tiveram de se organizar. Antes o médico tinha o seu horário fixo, os seus utentes, as suas crianças e grávidas, hipertensos e diabéticos, e as suas consultas todas programadas”, revelou Madalena.

A Covid-19 introduziu novas dinâmicas e modos de funcionamento, tais como a triagem à entrada dos serviços de saúde, as consultas maioritariamente por telefone e e-mail, para além da vigilância a doentes infetados.

Mário Durval afirma que na sua USP também tiveram de existir adaptações, lembrando que “este tem de ser um combate por parte de toda a gente.”

Os dias nem sempre são suficientes para o trabalho que estes profissionais têm que realizar, pelo que existe a necessidade de o concluírem em casa ou durante o fim de semana.

“Com os recursos que temos, embora fazendo das tripas coração, temos conseguido gerir bem a situação aqui”, reforçou o médico.

Contudo, Madalena Mourão alerta para o desgaste destes profissionais, que classifica como “muito grande”, especialmente durante a 2.ª vaga da pandemia.

“Aguentámos muito bem os primeiros sete meses, com uma disponibilidade extraordinária. Houve médicos que nunca pararam, sem férias. Agora que acabou o teletrabalho, o desgaste é maior e os profissionais estão exaustos”, sublinha.

Relativamente ao enquadramento legal, a contratação destes profissionais foi feita ao abrigo do decreto-lei n.º 89/2010, o qual veio estabelecer um regime excecional que permite, enquanto não for possível suprir a carência por médicos recém-especialistas, o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado por médicos aposentados em serviços e estabelecimentos do SNS, independentemente da sua natureza jurídica.

Madalena mostra-se a favor desta medida, sublinhando que, “neste momento, continua a ser extremamente necessária porque não há médicos novos para compensar os que se aposentaram e os que continuam a sair do SNS para o privado”.

No campo da saúde pública, Mário Durval reforça que “os recursos que faltam não se conseguem contratar porque não se fabricam médicos desta especialidade. Este é um problema que dura há décadas”.

O Presidente da República promulgou, em agosto, a prorrogação deste regime excecional de contratação até 31 de dezembro de 2021.

Cento e trinta médicos aposentados foram contratados para o SNS entre março e outubro deste ano, por um período inicial de quatro meses, segundo dados fornecidos pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM).

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Abertas candidaturas para o Prémio Grünenthal Dor 2023

A Fundação Grünenthal premeia anualmente trabalhos de investigação clínica ou básica, a quem atribui um prémio no valor de 7500 euros. O período de apresentação de candidaturas decorrerá até 30 de maio de 2024.

ULSVDL adota solução inovadora para gestão e rastreabilidade do instrumental cirúrgico

No âmbito da candidatura ao Sistema de Apoio à Modernização Administrativa (SAMA) “DIR@2020 – Desmaterializar, Integrar e Robotizar”, a Unidade de Reprocessamento de Dispositivos Médicos (URDM) da Unidade Local de Saúde Viseu Dão Lafões (ULSVDL) deu um passo importante para otimizar os seus processos, ao implementar uma solução de gestão e rastreabilidade do instrumental cirúrgico

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights