Luís Coelho Fisioterapeuta e escritor

Fisioterapia baseada na dissidência

12/10/2020

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Fisioterapia baseada na dissidência

10/12/2020 | Opinião

Convenhamos que só há um modo genuíno de se ser fisioterapeuta em Portugal: matar toda a conveniência, desaprender a ciência e fazer da rebelião o verdadeiro projecto da evidência. Para sermos científicos, é preciso mortificar a “Clínica” diarística, é fulcral demonstrar que “a Fisioterapia não é isso” que costuma fazer, é, sim, uma celebração perpétua do movimento, pelo qual podemos funcionalizar a própria liberdade.

E se é de “liberdade” que se trata, tudo nela se inclui, sem que alguma vez se traia o objecto, que é a relação terapeuta-paciente, a intrínseca libertação do “outro”, no qual colocamos toda a fé, e, subitamente, a suspeita que engrandece e fortifica. Esta “libertação” é motriz, ainda mais do que postural, porque a vida se faz de avanço que lança constantemente a dúvida e o desafio. Não há, aqui, espaço para a “postura” rígida da prescrição, para a anquilose da razão que articula a relação com um futuro prometendo a dança perpétua. Este baile é a própria “Fisioterapia” reinventando-se continuamente, a sua ordem reside no objecto, mas mesmo este se redesenha a todo o custo, na medida da proporção terapêutica, e, até, da maldade que emproa a transformação.

Para além de bem e mal, se estratifica a Unidade, que é a mónada do Corpo harmónico. Por isso, esqueçam os exercícios isolados, a solidão do esforço abandónico, as classes que se repetem “ad infinitum”, as famigeradas fricções ou massagens na marquesa irresoluta. A Fisioterapia é dança, mesmo que se trate de intervencionar a unha da mão. Fisioterapia é trabalho autónomo, mas nunca insular, de um corpo que se estira no Sonho, bem para além da barreira da regra.

O fisioterapeuta “piloto automático” trai a própria “ars”. Se existe ciência, é para que seja desafiada, alongada dinamicamente, pela criatividade.

A minha Fisioterapia é para ser à “margem da lei”. Polo, calças de fazenda e sapatos finos, troquei-os por t-shirt, calças de fato de treino e meias. Oxalá, possa um dia desnudar-me. A marquesa, já não existe para mim. A minha Fisioterapia é em colchão. Não preciso de máquinas, basta-me uma bola suíça, um rolo de “Pilates”, almofadas, toalhas e uma cadeira. Postura e exercício intermedeiam-se do início ao fim. A cadeira ajudará a manter o alongamento posterior, haverá uma altura em que o paciente estará deitado no rolo, com os membros inferiores na cadeira, os membros superiores sem apoio e as minhas mãos traccionando a cervical. Mais tarde, traccionarei os membros inferiores, farei o paciente crescer, libertá-lo é libertar-me. Não pensaria em manipular sem que, primeiro, preparasse a coluna para o movimento. Depois, de barriga para baixo, posso meter os dedos nas vértebras. Não, não basta isto, é necessário, também, pedir a contracção abdominal, basta que o paciente passe para a posição de gatas, é escusado forçar o Pilates preciso, a activação dos abdominais não precisa de ser tão dramática, sejamos espontâneos. Há, aliás, formas de alongar, mobilizar, fortalecer e equilibrar, tudo ao mesmo tempo, daí que os efeitos da prática não possam ser limitados às variáveis isoladas, juntando tudo temos uma coisa completamente diferente; daí, também, que a prática do terapeuta-paciente tenha de ser vivida, não basta ler protocolos ou seguir as instruções de um vídeo. Às tantas, é preciso deixar cair a “máscara”, e arriscar a sedução. Todo o acto terapêutico é um acto de amor. Amor passional, o duo tece a paixão com que, muitas vezes, terapeuta e paciente se entretecem. Subsiste, nisto tudo, coito capaz de mortificar todas as esperanças razoáveis. É por isso que a relação terapêutica vilipendia, virtualmente, a moral clássica. Há uma “racionalidade libidinal”, que, segundo Marcuse, envolve todo o corpo e a relação deste com um tecido social crescentemente livre do labor, do esforço inglório e alienado, do temor da fornicação “erótica” (Bataille).

Não é possível “matar de amor” o nosso paciente sem que morra a Fisioterapia rigidamente “positivista”. Não é possível amar sem arriscar violar a “lei”, sem violar minimamente o território do “outro” com que pretendemos criar os frutos de uma nova quimera. O acto “terapêutico” é uma violação só parcialmente consentida do paciente, e do futuro onde já não vigora o tempo.

 

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