António de Sousa Uva Médico do trabalho, Imunoalergologista e Professor catedrático da NOVA (ENSP)

Saúde e Trabalho: A regra de estar sempre a mudar para ficar tudo na mesma!

12/21/2020

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Saúde e Trabalho: A regra de estar sempre a mudar para ficar tudo na mesma!

21/12/2020 | Opinião

 Tenho constatado, ao longo de quase cinquenta anos de trabalho, que em áreas pouco valorizadas pela comunidade é muito amiudada a renovação de designações de áreas de conhecimento ou, se se preferir, é muito frequente mudar “rótulos”, quase sempre fazendo apelo a perspectivas mais amplas (e ambiciosas) de uma melhor abordagem sistémica. Uma espécie de “fuga para a frente”.

Vem isto a propósito das inter-relações e interdependências entre o trabalho e a saúde. Tradicionalmente a área científica que se dedicou ao seu estudo foi a Medicina do Trabalho e de tal forma era forte essa relação que muitas doenças incluíam o trabalho na sua designação. São exemplos disso, a doença dos ourives, a loucura dos faroleiros, a doença dos limpa-chaminés, o eczema dos pedreiros, a asma dos padeiros ou o pulmão dos sulfatadores das vinhas.

Muitas outras áreas científicas se desenvolveram posteriormente com destaque para as que estudaram os aspectos relacionados com essas doenças, mas centradas na óbvia necessidade de intervir no ambiente de trabalho para ter algum sucesso na sua prevenção, já que o paradigma terapêutico era pouco eficaz e sempre excessivamente tardio. São disso exemplos a Higiene do Trabalho, na prevenção ambiental das doenças profissionais e a Segurança do Trabalho, na prevenção ambiental dos acidentes de trabalho.

É, de resto, essa constatação que está na origem, nos anos 70 e 80 do século passado, da criação do conceito de “Saúde Ocupacional” que procura plasmar essa dimensão pluridisciplinar numa designação em espelho do que sucedia, por exemplo entre a Saúde Infantil e a Pediatria ou a Saúde Mental e a Psiquiatria. Foi de tal forma intensa essa conceptualização que, ainda ilustrando, a Comissão Internacional de Medicina do Trabalho (na língua inglesa, ICOM), instituição mundial centenária, passou a adoptar a designação de Comissão Internacional de Saúde Ocupacional (na língua inglesa ICOH) que ainda hoje se mantém.

Insucesso total, já que as populações continuam a confundir saúde com ausência de doença e, portanto, um assunto de médicos ou de profissionais de saúde (actual muito frequente designação), para incluir outras profissões implicadas na prestação de cuidados. Tal justifica-se, por certo e entre outras razões, pela valorização das representações sociais das diversas profissões desses grupos profissionais.

Logo depois (final dos anos 80), na então Comunidade Económica Europeia, nasce a designação “Segurança, Higiene e Saúde dos trabalhadores nos Locais de Trabalho” que traduz as diversas (apenas algumas e representando a anterior representação social) áreas intervenientes, rapidamente transformada em Segurança e Saúde no Trabalho ou em Saúde e Segurança do Trabalho. De novo, mudança em designações por exemplo de sociedades científicas em alguns países …

Mais recentemente, uma abordagem do início deste século passa a referir-se a “Saúde do Trabalhador” (de facto, a saúde é una e não se esgota nas relações com o trabalho) em oposição à designação Saúde Ocupacional e multiplicam-se profusas dissertações sistematizando o conhecimento justificativo dessa mudança.

Se pensavam que já tinham visto tudo, enganam-se. Actualmente “borbulha” cientificamente (e desenvolve-se) o conceito nascido nos Estados Unidos da América de “Saúde completa (ou total) do trabalhador” (presume-se, portanto, que antes era incompleta ou parcial? …) denominada também, no português do Brasil, “Saúde Integral do Trabalhador” (Total Worker Health – TWH).

Uma espécie de novo-riquismo científico? Ou sempre o propósito que a sociedade valorize mais esses aspectos?

Que “floresta” de designações estarão ainda para vir para a saúde do trabalhador mais ou menos ligada ao trabalho?

Ou será que é preciso continuar a mudar para ficar tudo na mesma?

É que, desculpem qualquer coisinha, só se pretende que os trabalhadores trabalhem comprometidos com as empresas e outras organizações (perspectiva salutogénica) e que não adoeçam ou percam a vida a ganhá-la (perspectiva patogénica). E, já agora, que o conhecimento daquelas relações seja aplicado e não apenas um desiderato bibliométrico, mais ou menos “carreirista”. É que ter conhecimento e não o aplicar é muito mais doloroso, também para os trabalhadores!

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