João Cotrim de Figueiredo: “Há privilégios atribuídos a políticos que não se justificam”

01/27/2021
Em entrevista exclusiva à HealthNews o deputado único da Iniciativa Liberal considera “inaceitável que pelo mero facto de alguém estar numa função política” seja vacinado antes que doentes de risco e profissionais de saúde. João Cotrim de Figueiredo fala em “injustiças” e "contradições" na forma como são definidos os critérios de vacinação.  

Como é que olha para a alteração feita ao Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19 que coloca à frente titulares de órgãos de soberania de doentes de risco e profissionais de saúde?

Vejo com grande estupefação. Logo que soube da notícia tomei a iniciativa de informar o senhor Presidente da Assembleia da República que não aceitaria ser colocado em qualquer grupo prioritário.

O que é essencial é garantir que aqueles que mais podem fazer pelo combate à pandemia estejam nessa lista. E logo a seguir todos aqueles que são mais suscetíveis à infeção por motivos de saúde ou de idade. Não me enquadro em nenhum desses grupos, portanto acho inaceitável que pelo mero facto de alguém estar numa função política tenha prioridade sobre qualquer destas pessoas.

Os critérios destas prioridades têm que ser técnicos e só quem tecnicamente percebe aquilo que é fundamental para o combate à pandemia e para a proteção das pessoas é que deve definir esses critérios. Não devem ser políticos a definir os seus próprios critérios.

Qual é mensagem que este tipo de medidas passa aos portugueses que na grande maioria estão confinados?

A mensagem que passa é aquela que já está nas redes sociais e na comunicação como um todo. Há uns privilégios atribuídos a políticos que não se justificam e que se juntam a outros, desde logo uns que combatemos muitas vezes, como por exemplo os privilégios fiscais. Portanto, não contribui nada para essa noção que muita gente tem de que é uma classe política que privilegiada. Não contribui também para esclarecer aquilo que são as principais entidades e pessoas que devem estar protegidas no combate à pandemia. Confunde tudo e estabelece diferenciações, fazendo com que não seja de admirar que haja depois autarcas ou pessoas em determinadas regiões que se sintem no direito de passar à frente de outros que têm muito mais razões para ser prioritários.

Não foi o único a rejeitar publicamente a prioridade na vacinação, havendo outros representantes parlamentares a discordarem com esta medida. Pensa que vai haver mais figuras políticas a tomarem a mesma posição?

Acho que todos deviam tomar posição sobre isso. Fazer ou não dependerá de cada um. O deputado Ricardo Baptista Leite, Cristóvão Norte e Alexandre Poço, que eu saiba, também já tomaram posição sobre isso e acho muito bem. Cada um fará de acordo com a sua consciência aquilo que acha que deve fazer.

Do meu ponto de vista pessoal é me impensável sequer estar numa prioridade que não me pertence. Tenho pais com mais de 90 anos e não me passaria pela cabeça ser vacinado antes deles. É algo impensável. Cada um de nós terá situações que nos levam a reagir mais depressa.

Não existem contradições quando a vacinação em lares de idosos é atrasada por haver surtos ativos, mas na lista das de prioridades estão incluídos ministros atualmente infetados?

Se começarmos a olhar para casos particulares há muitas contradições, muita injustiça e situações absolutamente inaceitáveis e contra isso também tomei uma posição pública. 

Considera que o plano original deveria ser mantido?

Considero acima de tudo que os planos de prioridade de vacinação têm que ter uma componente técnica que tem de ser decidida por alguém que tecnicamente perceba o que é que está em causa quando se vacina um determinado grupo da população. Isso cabe à Comissão Técnica da Vacinação que funciona junto da Direção-Geral da Saúde que deveria fixar esses critérios com a lógica de: quem é prioritário para o combate à pandemia deve ser prioritário na vacinação. Não é isso que esta medida iria trazer, se for avante em toda a sua extensão, coisa que já duvido dada a reação que suscitou, fazer. Quem deveria estar nessas prioridades são apenas os profissionais de saúde e os grupos de risco.

Tem algumas sugestões que considere deverem ser incorporadas?

Relativamente às prioridades que tenho conhecimento do Plano Nacional de Vacinação não tenho grande coisa a comentar no geral. Tenho a comentar relativamente à forma como está a ser aplicado este plano. Até agora, e fruto também dos atrasos dos fornecedores de vacinas, ainda não se notou alguma coisa que em poucas semanas se poderá notar, que é: a capacidade de vacinação vai ser inferior ao número disponível de vacinas. Quando as entregas entrarem em velocidade de cruzeiro é mais que provável que hajam mais vacinas disponíveis todos os dias do que a capacidade de vacinação. Isto obrigaria as autoridades a alargarem e a agilizarem os locais onde a vacinação pode ser administrada, de forma a que possamos o mais rapidamente possível chegar a um maior número de portugueses que desejam ser vacinados. Isso aparece-me que é um problema que só não está na ordem do dia porque estamos na fase de arranque do plano de vacinação e porque têm-se registado atrasados nas entregas. No entanto, acho que em pouco tempo vamos estar perante este problema e não queremos que, mais uma vez, o Governo venha dizer que não se preparou e não quis recorrer a privados só por preconceito ideológico. Seria um erro que mais uma vez pode custar vidas.

Quando chegar a sua vez vai querer ser vacinado?

Obviamente! Assim que chegar a minha vez tomarei a vacina sem medo. Estar vacinado é uma forma de proteger os outros também. Portanto, que não haja dúvidas, defendo a vacinação, mas defendo dentro das prioridades que façam sentido e não por nenhum privilégio.

Entrevista por Vaishaly Camões

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