Especialista alerta que profissionais de saúde podem vir a sofrer de stress pós-traumático

18 de Fevereiro 2021

Os profissionais de saúde podem vir a sofrer de stress pós-traumático, idêntico ao que sofrem os militares que combatem na guerra, alerta o diretor do serviço de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria, Cláudio Laureano.

“Há ainda falta de dados fiáveis, mas se compararmos com a infeção do SARS-CoV-1 (que não teve o impacto do SARS-CoV-2), os estudos realizados na altura mostraram que, nos três ou quatro anos a seguir, os infetados apresentaram prevalências de síndrome pós-traumático, perturbações de ansiedade, de pânico e depressivas, muito acima da média da população geral”, revelou à agência Lusa Cláudio Laureano.

O psiquiatra admitiu ainda que o “sentimento de impotência e de exaustão” leva ao “desenvolvimento de níveis de ansiedade e mesmo posteriormente a quadros depressivos reativos e ‘burnout’, não só em profissionais de saúde, como em quem trabalha em instituições e tenha lidado com muitas mortes que não eram expectáveis”.

Também o enfermeiro especialista na área mental, António Mota, acredita que se verificará “muitas pessoas a sobreviverem como os ex-militares que passaram a vida toda a sobreviver e a sofrer silenciosamente por causa do stress pós-combate”.

Por isso, desafia o Governo a que seja criado um programa a nível nacional para dar resposta a todas as situações.

“Não devem ser projetos individuais, mas um desígnio nacional que estabeleça uma estratégia que facilite o acesso à ajuda dos sobreviventes”.

O Centro Hospitalar de Leiria (CHL) criou, no início da pandemia, uma linha de apoio para profissionais de saúde e para a população em geral.

Sem dados concretos, Cláudio Laureano adiantou que, no período mais calmo da pandemia, a linha esteve praticamente inativa, mas os pedidos aumentaram em novembro.

“Nesta terceira onda temo-nos apercebido de mais solicitações por parte dos profissionais de saúde do hospital”, constatou António Mota, um dos enfermeiros que integra a linha de apoio.

Dificuldades em dormir, ansiedade, medo, angústia e depressão são alguns dos sintomas que a pandemia daCcovid-19 está a provocar na população em geral, com ou sem histórico de doenças mentais.

A pressão, o sentir-se impotente e as mortes acima do normal também deixam marca nos profissionais de saúde. No entanto, o “estigma” e a “vergonha” são alguns dos motivos que travam os pedidos de ajuda formal dos profissionais de saúde.

“Como dizia no outro dia o António Raminhos [humorista], também espero que um dia seja tão natural dizer que se vai ao psiquiatra como se diz que se vai ao dentista. Em Portugal, não é nada assim”, lamentou António Mota.

Cláudio Laureano também constatou que “às vezes há dificuldade em reconhecer, numa autoavaliação, que se precisa de ajuda, até porque a doença mental ainda é vista como uma fraqueza: não fui forte o suficiente”.

“Continua a existir um estigma por parte do próprio ou de certas pessoas que o rodeiam, que fazem algum julgamento em relação a esse tipo de situações e tudo isso dificulta o pedido de ajuda, o que vai acarretar sempre mais sofrimento e agravamento da situação”, sublinhou o psiquiatra.

Muitos colegas procuram Lídia Vieira, enfermeira chefe da Psiquiatria, e “fazem desabafos, choram, mas não querem ajuda formal”.

“Quando tento marcar consulta, recusam. Uma jovem a quem recomendei um especialista optou por ir à privada. As pessoas não querem expor as suas fragilidades e inseguranças”.

Cláudio Laureano reconhece que a resposta mais indicada até seria o encaminhamento para uma consulta de psicologia, mas lamentou que o CHL tenha dois psicólogos para 400 mil habitantes.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Trabalhadores do Hospital de Braga não querem regressar à Parceria Público-Privada

Os trabalhadores do Hospital de Braga não querem regressar à Parceria Público-Privada (PPP), garante Camilo Ferreira, coordenador da Comissão de Trabalhadores, que recordou, em conversa com o HealthNews, a exaustão dos profissionais naquele modelo de gestão e, como Entidade Pública Empresarial (EPE), a melhoria das condições de trabalho e do desempenho.

Governo quer “articulação virtuosa” entre entidades de saúde

O Governo está a avaliar as atribuições de entidades como a Direção-Executiva do SNS, a DGS e o Infarmed para garantir “uma articulação virtuosa” que consiga diminuir a burocracia e concretizar as políticas de saúde, anunciou hoje a ministra.

Menopausa: Uma doença ou um processo natural de envelhecimento?

A menopausa foi o “elefante na sala” que a Médis trouxe hoje ao Tejo Edifício Ageas Tejo. O tema foi abordado numa conversa informal que juntou diversos especialistas. No debate, os participantes frisaram que a menopausa não é uma doença, mas sim um “ciclo de vida”. 

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights