Entrevista Vítor Paixão Dias “A hipertensão é, em grande medida, evitável”

25 de Fevereiro 2021

A SPH teve um papel importante na revogação do Despacho governamental que excluía os hipertensos e diabéticos dos grupos de risco para a Covid-19 e que, portanto, lhes retirava a possibilidade de justificarem as faltas ao trabalho caso não pudessem estar em regime de teletrabalho ou outro.

“Tudo começa na adoção de um estilo de vida saudável”, diz Vítor Paixão Dias, presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão e diretor do Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho. O combate à hipertensão “é bastante mais do que uma luta do médico ou do enfermeiro”.

 HealthNews – A hipertensão atinge 40% da população adulta portuguesa. Quais os principais desafios dos médicos e dos decisores políticos no sentido de minorar o impacto deste importante fator de risco cardiovascular?
Vítor Paixão Dias – A hipertensão arterial é, em grande medida, evitável e tudo começa na adoção de um estilo de vida saudável, reduzindo o consumo de sal para não mais do que 5 gramas/dia (1 colher rasa de chá…), evitando o sedentarismo e praticando exercício físico de forma estruturada, se possível, evitando a todo o custo os açúcares e as gorduras saturadas. E estes bons hábitos de vida devem começar desde logo nas crianças.

Depois, a doença, sendo fácil de diagnosticar, só se diagnostica medindo, até porque na esmagadora maioria dos casos é assintomática. É, pois, necessário medir a pressão arterial, de forma correta e com regularidade, até porque sabemos como é difícil adotar e manter o estilo de vida saudável atrás referido.

Finalmente, se a doença é diagnosticada e não controlada apenas com a modificação do estilo de vida, é necessário tomar a medicação recomendada pelo médico. E aqui entra o aspeto da adesão à terapêutica, que é para toda a vida e na qual se deve persistir, renovando o receituário e não interrompendo as tomas dos medicamentos.

Para os médicos, fica a escolha de um esquema terapêutico que seja eficaz e o mais simples possível. É também preciso assegurar que o doente tenha a sua pressão arterial controlada, evitando a inércia médica, isto é, ajustando precocemente a medicação se o doente estiver fora do alvo terapêutico. Para os decisores políticos, é preciso fazer entender que se tratarmos bem hoje, estamos a evitar incapacidade e morte precoces e, portanto, a assegurar também a saúde dos trabalhadores, da população em geral e da economia como um todo.

Quais as recomendações das últimas “guidelines” que os médicos não podem ignorar?
 A resposta já começou, de certa forma, a ser dada na pergunta anterior. As principais recomendações, entre outras, são: avaliar a pressão arterial regularmente e fora do consultório, seja através de automedição da pressão arterial no domicílio (AMPA), seja através da monitorização da pressão arterial de ambulatório de 24 horas (MAPA); se houver necessidade de terapêutica medicamentosa, iniciar na esmagadora maioria dos casos, com terapêutica de dois fármacos em comprimido único (as exceções serão os doentes idosos frágeis e os doentes com pressão na faixa normal/alta, mas de alto risco); assegurar a “compliance” terapêutica, isto é, assegurar a adesão à terapêutica e a persistência nessa terapêutica ao longo do tempo; estratificar o risco vascular e ajustar a agressividade terapêutica em função desta estratificação, não esquecendo que a hipertensão ocorre frequentemente em associação com outros fatores de risco e que o doente pode já ter sofrido acidentes vasculares (AVC, enfarte do miocárdio, ter insuficiência renal ou cardíaca, etc…).

Há indicações específicas no atual contexto da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2?
Não. A indicação específica é que o doente com HTA e risco vascular aumentado tem também maior risco de complicações relacionadas com a Covid-19 e que, portanto, a medicação da esfera vascular deverá, se possível, ser mantida. Naturalmente, com os devidos ajustes.

Considera que a luta contra a hipertensão deve envolver outras áreas do saber?
Claro que sim. Esta é bastante mais do que uma luta do médico ou do enfermeiro. É preciso entender que existem questões sociais que limitam o acesso ou a adesão à medicação ou aos cuidados de saúde. Há questões do foro psicológico a considerar. Há aspetos da farmaeconomia que o médico precisa de conhecer. E há um aspeto essencial, que é a boa comunicação. Ou seja, há uma série de saberes complementares ao estrito conhecimento técnico que são fundamentais para o sucesso da terapêutica e do combate à hipertensão arterial.

Podemos considerar a colaboração com outras sociedades científicas e a aproximação da SPH à população como um fator distintivo do seu mandato?
Sinto-me muito satisfeito pelo trabalho desenvolvido pela atual direção da SPH no aumento da literacia em saúde da nossa população, no que à saúde vascular diz respeito. Temos resultados que nos indicam claramente que estivemos mais próximo da comunidade, particularmente nas duas semanas de HTA que realizámos em maio e em outubro de 2020.

No congresso de 2020, por minha iniciativa reunimos, penso que pela primeira vez em Portugal, uma série de Sociedades Científicas num Congresso, a discutir assuntos que são transversais a todas essas Sociedades e que constituiu, perdoe-me a imodéstia, um dos pontos altos do 14º Congresso.

No Congresso deste ano tivemos novamente esta sessão, com a presença dos presidentes de seis Sociedades Científicas e a moderação de um ex-presidente da SPH, a discutir os desafios que se colocam (e se colocarão) em contexto pandémico.

Penso que tivemos também um papel importante na revogação do Despacho governamental que excluía os hipertensos e diabéticos dos grupos de risco para a Covid-19 e que, portanto, lhes retirava a possibilidade de justificarem as faltas ao trabalho caso não pudessem estar em regime de teletrabalho ou outro.

Finalmente, penso que, internamente, a atual direção deixou abertos uma série de indicações e caminhos que poderão ser percorridos pela próxima direção, no sentido de tornar a SPH ainda mais forte.

Entrevista de Adelaide Oliveira

 

 

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