“Tudo começa na adoção de um estilo de vida saudável”, diz Vítor Paixão Dias, presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão e diretor do Serviço de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho. O combate à hipertensão “é bastante mais do que uma luta do médico ou do enfermeiro”.
HealthNews – A hipertensão atinge 40% da população adulta portuguesa. Quais os principais desafios dos médicos e dos decisores políticos no sentido de minorar o impacto deste importante fator de risco cardiovascular?
Vítor Paixão Dias – A hipertensão arterial é, em grande medida, evitável e tudo começa na adoção de um estilo de vida saudável, reduzindo o consumo de sal para não mais do que 5 gramas/dia (1 colher rasa de chá…), evitando o sedentarismo e praticando exercício físico de forma estruturada, se possível, evitando a todo o custo os açúcares e as gorduras saturadas. E estes bons hábitos de vida devem começar desde logo nas crianças.
Depois, a doença, sendo fácil de diagnosticar, só se diagnostica medindo, até porque na esmagadora maioria dos casos é assintomática. É, pois, necessário medir a pressão arterial, de forma correta e com regularidade, até porque sabemos como é difícil adotar e manter o estilo de vida saudável atrás referido.
Finalmente, se a doença é diagnosticada e não controlada apenas com a modificação do estilo de vida, é necessário tomar a medicação recomendada pelo médico. E aqui entra o aspeto da adesão à terapêutica, que é para toda a vida e na qual se deve persistir, renovando o receituário e não interrompendo as tomas dos medicamentos.
Para os médicos, fica a escolha de um esquema terapêutico que seja eficaz e o mais simples possível. É também preciso assegurar que o doente tenha a sua pressão arterial controlada, evitando a inércia médica, isto é, ajustando precocemente a medicação se o doente estiver fora do alvo terapêutico. Para os decisores políticos, é preciso fazer entender que se tratarmos bem hoje, estamos a evitar incapacidade e morte precoces e, portanto, a assegurar também a saúde dos trabalhadores, da população em geral e da economia como um todo.
Quais as recomendações das últimas “guidelines” que os médicos não podem ignorar?
A resposta já começou, de certa forma, a ser dada na pergunta anterior. As principais recomendações, entre outras, são: avaliar a pressão arterial regularmente e fora do consultório, seja através de automedição da pressão arterial no domicílio (AMPA), seja através da monitorização da pressão arterial de ambulatório de 24 horas (MAPA); se houver necessidade de terapêutica medicamentosa, iniciar na esmagadora maioria dos casos, com terapêutica de dois fármacos em comprimido único (as exceções serão os doentes idosos frágeis e os doentes com pressão na faixa normal/alta, mas de alto risco); assegurar a “compliance” terapêutica, isto é, assegurar a adesão à terapêutica e a persistência nessa terapêutica ao longo do tempo; estratificar o risco vascular e ajustar a agressividade terapêutica em função desta estratificação, não esquecendo que a hipertensão ocorre frequentemente em associação com outros fatores de risco e que o doente pode já ter sofrido acidentes vasculares (AVC, enfarte do miocárdio, ter insuficiência renal ou cardíaca, etc…).
Há indicações específicas no atual contexto da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2?
Não. A indicação específica é que o doente com HTA e risco vascular aumentado tem também maior risco de complicações relacionadas com a Covid-19 e que, portanto, a medicação da esfera vascular deverá, se possível, ser mantida. Naturalmente, com os devidos ajustes.
Considera que a luta contra a hipertensão deve envolver outras áreas do saber?
Claro que sim. Esta é bastante mais do que uma luta do médico ou do enfermeiro. É preciso entender que existem questões sociais que limitam o acesso ou a adesão à medicação ou aos cuidados de saúde. Há questões do foro psicológico a considerar. Há aspetos da farmaeconomia que o médico precisa de conhecer. E há um aspeto essencial, que é a boa comunicação. Ou seja, há uma série de saberes complementares ao estrito conhecimento técnico que são fundamentais para o sucesso da terapêutica e do combate à hipertensão arterial.
Podemos considerar a colaboração com outras sociedades científicas e a aproximação da SPH à população como um fator distintivo do seu mandato?
Sinto-me muito satisfeito pelo trabalho desenvolvido pela atual direção da SPH no aumento da literacia em saúde da nossa população, no que à saúde vascular diz respeito. Temos resultados que nos indicam claramente que estivemos mais próximo da comunidade, particularmente nas duas semanas de HTA que realizámos em maio e em outubro de 2020.
No congresso de 2020, por minha iniciativa reunimos, penso que pela primeira vez em Portugal, uma série de Sociedades Científicas num Congresso, a discutir assuntos que são transversais a todas essas Sociedades e que constituiu, perdoe-me a imodéstia, um dos pontos altos do 14º Congresso.
No Congresso deste ano tivemos novamente esta sessão, com a presença dos presidentes de seis Sociedades Científicas e a moderação de um ex-presidente da SPH, a discutir os desafios que se colocam (e se colocarão) em contexto pandémico.
Penso que tivemos também um papel importante na revogação do Despacho governamental que excluía os hipertensos e diabéticos dos grupos de risco para a Covid-19 e que, portanto, lhes retirava a possibilidade de justificarem as faltas ao trabalho caso não pudessem estar em regime de teletrabalho ou outro.
Finalmente, penso que, internamente, a atual direção deixou abertos uma série de indicações e caminhos que poderão ser percorridos pela próxima direção, no sentido de tornar a SPH ainda mais forte.
Entrevista de Adelaide Oliveira
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