Entrevista Fernando Pinto: “Guidelines recomendam associação fixa de fármacos hipertensores”

23 de Abril 2021

Fernando Pinto Past-presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão.

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Entrevista Fernando Pinto: “Guidelines recomendam associação fixa de fármacos hipertensores”

As guidelines da ESH/ESC para o tratamento da hipertensão arterial recomendam a associação fixa de dois fármacos, em vez de monoterapia, na grande maioria das situações. A associação num comprimido único visa melhorar a adesão dos doentes à terapêutica, esclarece o cardiologista Fernando Pinto, ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão.

HealthNews – Nas guidelines de 2018 da Sociedade Europeia de Hipertensão/Sociedade Europeia de Cardiologia para o tratamento da hipertensão arterial, os valores-alvo da terapêutica anti-hipertensora ficaram definidos mais claramente?<
Fernando Pinto – Nas “guidelines” anteriores falava-se na necessidade de reduzir a pressão arterial mas não se referia um valor alvo a atingir. Por outro lado, havia alguma dificuldade em esclarecer quais eram os valores ótimos para diferentes grupos populacionais, correlacionando nomeadamente a idade e/ou a presença de comorbilidades.

As “guidelines” de 2018 são mais taxativas e uniformizadoras. Não basta baixar a pressão arterial para menos de 140/90 mmHg, que é o valor que define hipertensão. Entre 130 e 140 de sistólica e entre 80 e 90 de diastólica, valores classificados como “normal alto”, sabemos que já existe algum grau de possibilidade de desenvolver eventos, particularmente na presença concomitante de outros fatores de risco.

Assim, os objetivos das novas “guidelines” são, para a grande maioria da população, manter a pressão arterial abaixo de 130/80 mmHg, sobretudo nas pessoas com menos de 65 anos (o valor ideal será entre 120/129 de sistólica e abaixo de 80 de diastólica). Para os doentes acima de 65 anos, devemos manter os valores da pressão sistólica entre 130 e 139 mmHg, sendo que para todos os doentes hipertensos, a pressão arterial diastólica deverá estar abaixo de 80 mmHg, independentemente da idade e das comorbilidades.

Este é um ponto importante das “guidelines”, que definem mais clara e objetivamente os alvos a atingir com as medidas terapêuticas, farmacológicas e não farmacológicas.

Na maioria dos doentes, e para atingir esses objetivos, é recomendada a utilização de uma associação de dois fármacos em vez de monoterapia?
Essa é uma das grandes inovações da versão de 2018 das “guidelines” das Sociedades Europeias de Hipertensão e de Cardiologia. Nas “guidelines” anteriores referia-se a possibilidade de começar ou por monoterapia ou com uma associação mas, nas de 2018, recomenda-se começar, preferencialmente, com uma associação de fármacos hipertensores, exatamente para se conseguir atingir os objetivos recomendados.

A monoterapia só deve ser considerada em pessoas com valores ligeiramente elevados, isto é, quando a pressão sistólica se situa entre 140 e 150 mmHg, ou em pessoas idosas e/ou muito frágeis, em que uma descida mais rápida da pressão arterial poderá ser contraproducente.

Portanto, para a maioria dos nossos doentes, quando for considerada a necessidade de terapêutica farmacológica, deve-se começar sempre com uma associação de dois fármacos.

Qual é a associação preferencial para a população em geral?
Haverá algumas nuances para doentes específicos, mas para a maioria da população, ou seja, para os doentes com hipertensão não complicada, que não tenham outra patologia concomitante grave, deve-se começar com uma associação de um modelador do sistema renina-angiotensina-aldosterona (seja um IECA ou um ARA, pois ambos são moduladores, embora atuem em etapas diferentes do sistema renina-angiotensina) e um antagonista do cálcio ou um diurético, tal como recomendam as “guidelines” europeias.

Esses objetivos estão a ser cumpridos?
Pequenos estudos e também dados das entidades reguladoras dos medicamentos, mostram que os doentes estão a ser tratados, cada vez mais, com associações de fármacos “ab initio”, embora ainda estejamos longe de atingir o que é preconizado pelas “guidelines”, isto é, que a grande maioria dos doentes comece logo a terapêutica com uma associação fixa de medicamentos num só comprimido.

O objetivo é aumentar a adesão e a persistência do doente na terapêutica. Vários estudos demonstram que, nas patologias crónicas e sobretudo naquelas que não são muito sintomáticas, à medida que o tempo vai passando, há a tendência para os doentes deixarem de aderir corretamente à medicação.

Essa falta de adesão é tanto maior quanto mais elevado for o número de comprimidos que o doente toma diariamente. Portanto, se conseguirmos juntar os dois princípios ativos no mesmo comprimido (felizmente, hoje em dia existe uma ampla gama de associações de anti-hipertensores), aumentamos muito a adesão e, consequentemente, a possibilidade de o doente não só atingir o valor alvo da tensão arterial, mas mantê-lo ao longo do tempo.

Os dados revelam que, apesar do número de doentes hipertensos em tratamento ter aumentado nos últimos anos, apenas 50% estão controlados. A falta de adesão ao tratamento é um dos problemas?
Há um conjunto de fatores que condiciona a falta de controlo da hipertensão.  Por vezes, há alguma inércia do médico, perante um doente que não está controlado, em fazer o ajuste da medicação. Outra das causas será porque o doente não cumpre ou abandona a medicação conforme foi prescrita. Devemos fazer um esforço no sentido de alertar os doentes para a necessidade de cumprir corretamente a medicação.

No XV Congresso da Sociedade Portuguesa de Hipertensão abordou a questão da “HTA no doente com cardiopatia isquémica”. Quais foram os pontos-chave da sua comunicação?
A questão da hipertensão no doente com doença cardíaca isquémica tem algumas particularidades. Nomeadamente, a associação inicial deverá ser, não um modulador do sistema renina-angiotensina-aldosterona com um antagonista do cálcio, mas com um betabloqueador, porque esta classe de medicamentos tem um papel central no tratamento da doença coronária. Essa associação só não deverá ser considerada se o doente não tolerar o betabloqueador.

Por outro lado, tal como em todos os doentes mas, por maioria de razão, nas pessoas com doença coronária, é importante tratar bem não apenas a hipertensão mas também todos os fatores concomitantes. Nomeadamente, a dislipidémia, diabetes ou perturbações do metabolismo da glicose, que coexistem frequentemente nestes doentes.

Para além destas condições estritamente médicas, existem todos os outros fatores de risco conhecidos, tais como a obesidade, a inatividade física ou a falta de exercício físico regular, o tabagismo e o consumo excessivo de álcool. Em cada consulta, temos de insistir – junto dos doentes, dos familiares e acompanhantes – para a necessidade de corrigirem todos os fatores que, de forma exponencial, contribuem para aumentar a hipertensão arterial, principal fator de risco para a maioria das doenças cardiocerebrovasculares.

 

Entrevista de Adelaide Oliveira

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