Entrevista ao Prof. Jorge Polónia: “O sal cria dependência”

3 de Março 2021

Professor Doutor Jorge Polónia Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

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Entrevista ao Prof. Jorge Polónia: “O sal cria dependência”

“O uso precoce do sal cria uma espécie de sensibilidade que, posteriormente, vai fomentar o seu consumo”, afirma o Prof. Jorge Polónia, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Nas crianças, o efeito tóxico é ainda maior do que nos adultos.

HealthNews – De acordo com os resultados do primeiro estudo realizado no nosso país sobre prevalência de hipertensão e consumo de sal (estudo PHYSA), que coordenou, cada português consome, em média, 10,7 gramas de sal por dia, o dobro recomendado pela OMS. Estes valores mantêm- se, apesar de todas as campanhas de informação relativamente ao impacto da hipertensão no aumento do risco cardiovascular?
Prof. Jorge Polónia – Presumimos que sim. Embora este estudo não tenha sido repetido, de acordo com os resultados de pequenos estudos-piloto realizados, designadamente, na consulta da Unidade de Hipertensão Arterial e Risco Cardiovascular do Hospital Pedro Hispano, não tem havido alterações.

Provavelmente, neste período de confinamento até é possível que o consumo possa estar a aumentar, uma vez que as pessoas utilizam muito o “take-away”. De acordo com outro estudo que realizámos em Matosinhos, normalmente a concentração de sal nas comidas, quer processadas, quer de restaurante, é elevado. Por isso, presumo que, infelizmente, estaremos numa fase em que a tendência será de agravamento e não de melhoria.

O PHYSA e outros estudos, estiveram na base de importantes iniciativas legislativas como a primeira lei a restringir o sal no fabrico do pão a nível nacional. Que outras medidas deveriam ser tomadas para aumentar a consciencialização da população?
No momento atual, as prioridades derivaram noutro sentido, o que é compreensível. Mas, quer o estudo PHYSA, quer outras investigações internacionais sugerem que, neste aspeto da prevenção, se a mensagem não for repetida, existe a possibilidade de esmorecer e perder força.

Realmente, a legislação sobre o pão foi muito importante. Até pelo seu caráter simbólico, porque o pão é um elemento fundamental da nossa alimentação. 

Tínhamos uma taxa de concentração de sal no pão elevada e,

devido a campanhas várias, inclusive da Sociedade Portuguesa de Hipertensão e de outras entidades, verificou-se uma redução significativa.

O grande problema é que ninguém come pão com pão. Os queijos, fiambres, presuntos, etc. continuam a ter sal e, neste caso, o pão é apenas um elemento de transporte.

A presunção que temos é que a ingestão de sal continua a ser muito elevada. E isso tem impactos significativos numa causa muito importante de mortalidade em Portugal: o acidente vascular cerebral (AVC).

O Estudo PHYSA mostrou também um baixo consumo de potássio, antagonista do sódio, que desempenha um papel protetor. Ou seja, deveríamos ter uma alimentação rica em potássio e pobre em sódio e fazemos exatamente o inverso.

O estudo “ReEducar – Reeducação para uma alimentação saudável”, revelou que no grupo de indivíduos com maior consumo de sal ou com pressão arterial mais elevada se obteve, respetivamente, uma redução do consumo diário de sal de 0,6gr e uma redução da pressão arterial de 9 mm Hg. São resultados muito animadores, não são?
Este é um estudo muito importante porque mostra às pessoas que mudar hábitos alimentares, mesmo no curto prazo, é favorável.

Registou-se uma redução do consumo de sódio mas, sobretudo, um aumento do consumo de potássio, devido a um enriquecimento de hortofrutícolas na alimentação e à redução dos condimentos com sal, que foram substituídos por condimentos alternativos.

Claro que é um estudo limitado no tempo mas, do meu ponto de vista, tem sobretudo um aspeto doutrinário, isto é, serve para as pessoas perceberem que mudar os hábitos alimentares, funciona. Depois, só precisam de os manter.

Foi também um estudo pioneiro que teve a vantagem de ser patrocinado pela CUF e pelo Pingo Doce, que acompanharam os voluntários através de consultas nas unidades hospitalares e mediante o aconselhamento nutricional no supermercado, e que resultou de uma parceria científica entre as Faculdades de Medicina da Universidade do Porto e da Universidade NOVA, de Lisboa.

 

Na altura da apresentação do estudo, afirmou que o sal é um tóxico. Porque é que as crianças o preocupam especialmente?
O sal cria dependência porque tem as duas componentes: é tóxico, a nível cerebral, cardíaco, gástrico e inclusivamente vascular, e gera satisfação. Conhece-se até as substâncias que liberta no sistema nervoso central, muito parecidas, aliás, com o açúcar.

Nas crianças, o seu efeito tóxico é muito maior. O uso precoce do sal cria uma espécie de sensibilidade que, posteriormente, vai fomentar o seu consumo.

Os estudos demonstram que se, pelo contrário, se reduzir precocemente o consumo de sal – por exemplo, nos alimentos das crianças até um ano de idade e mesmo depois – os valores da pressão arterial por volta dos 10, 12 ou 13 anos vão ser muito menores, e terão menos tendência para preferir alimentos ricos em sal.

Além disso, as crianças constituem um exemplo e um fator de mudança importante para os adultos. Se as mães tiverem que fazer uma alimentação pobre em sal para as crianças, é natural que a façam também para toda a família.

Mais de 70% dos doentes com DM tipo 2 morrem de doenças cardiovasculares. A partir de que valores se recomenda o início da terapia hipertensiva nas pessoas com diabetes mellitus? As recomendações são idênticas para a população em geral?
Antigamente, tínhamos níveis de alvo para os diabéticos e não diabéticos diferentes. As “guidelines” atuais são muito mais unificadoras porque se baixou o alvo terapêutico da pressão arterial para toda a gente: cerca de 120/70 mmHg para os indivíduos com menos de 65 anos e de 130/70 mmHg para pessoas com idades superiores.

O doente diabético é um doente de risco cardiovascular múltiplo. Todos os fatores de risco – colesterol, glicémia, peso, sedentarismo, hipertensão – têm de ser controlados. Todos! Mas a hipertensão no doente diabético tipo 2 é, provavelmente, o fator mais determinante da desgraça. Por isso, os colegas nunca se devem esquecer que o seu controlo deverá ser o alvo primordial a atingir.

Além do mais, o doente diabético tem ainda esta característica especial: a normotensão é uma situação extremamente rara. Muitos dos doentes diabéticos que aparecem na consulta com uma tensão normal alta, na realidade têm “hipertensão mascarada”. A hipertensão e a diabetes são duas entidades que andam lado a lado e que, consequentemente, têm que ser corrigidas.

No XV Congresso da Sociedade Portuguesa de Hipertensão falou sobre  os “novos medicamentos cardiovasculares que também reduzem a glicémia”. Pode avançar-nos mais detalhes sobre esta questão?
Nos últimos tempos, verificou-se que o controlo da glicémia no doente diabético, com os medicamentos clássicos, não conseguia reduzir o risco cardiovascular. Isso significa que, para mexer na doença cardiovascular não basta mexer no açúcar.

Ora, os novos fármacos, nomeadamente os agonistas dos recetores GLP-1 e os inibidores da SGLT-2, vieram mostrar que, no doente diabético, conseguem reduzir dois dos aspetos mais terríveis: a doença cardiovascular  (insuficiência cardíaca, insuficiência coronária, acidente vascular cerebral) e também a doença renal.

Esses medicamentos, ao contrário de todos os outros, independentemente do controlo da glicémia, conseguem ter benefícios absolutamente notáveis e diferentes de tudo o que conhecíamos antes.

Recentemente, verificou-se que o benefício destes medicamentos é também observado  nos doentes não diabéticos. Isso significa, do meu ponto de vista, que devem ser a partir de agora designados como medicamentos da área cardiovascular que também reduzem a glicémia.

O objetivo da minha palestra foi, assim, um pouco provocador: tratar a doença cardiovascular e a doença renal, sejam pessoas diabéticas ou não, com estas novas aquisições terapêuticas que, do meu ponto de vista, estão erradamente conotadas apenas como antidiabéticos.

Entrevista de Adelaide Oliveira

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