Gil Faria: “A obesidade é responsável por tantas mortes como a Covid-19 por ano”

4 de Março 2021

Gil Faria cirurgião bariátrico do Grupo Trofasaúde Hospital

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Gil Faria: “A obesidade é responsável por tantas mortes como a Covid-19 por ano”

04/03/2021 | Hipertensão awareness

HealthNews (HN)- A obesidade é uma das doenças que mais afeta a saúde dos portugueses, sendo que 57% da população sofre desta doença ou está em risco de obesidade. O mesmo acontece além-fronteiras. Estamos perante uma pandemia?

Gil Faria (GF)- Sim… Até surgir a pandemia da Covid-19 a obesidade era considerada a pandemia do século XXI. Sabemos que em todo o mundo a prevalência da obesidade praticamente duplicou ou triplicou nos últimos quarente anos – cerca de 15% da população mundial tem obesidade e quase 50% está em risco de vir a ter esta doença. A obesidade atinge o mundo inteiro e não é exclusivo de Portugal.

HN- O aumento da obesidade poderá estar relacionado com o facto de ser uma doença que se associa a outro tipo de patologias também muito prevalentes na população portuguesa? Como é o caso da diabetes, hipertensão arterial ou doenças cardiovasculares…

GF- Eu diria que acontece o contrário. Essas doenças todas estão a aumentar na população porque a obesidade é cada vez mais prevalente. Para além de a obesidade ser uma doença por si própria é um dos principais fatores de risco para todas essas doenças metabólicas e cardiovasculares.

Portanto, eu diria que a ordem dos acontecimentos é ao contrário.

HN- Qual o impacto da obesidade a nível psicológico?

GF- Esta doença afeta dos doentes de muitas formas, sobretudo a nível social. As pessoas com obesidade são muitas vezes submetidas a algum preconceito social, são vistas como sendo preguiçosas. Estes doentes têm ainda baixa empregabilidade – o índice de desemprego em pessoas obesas é superior ao da população normal. São pessoas com baixa autoestima, que não se sentem satisfeitas com a sua imagem e, algumas, têm problemas de sexualidade.

Há uma série de patologias e de problemas psicossociais associadas à obesidade.

HN- A mudança de comportamentos e de hábitos alimentares são suficientes para o tratamento da obesidade?

GF- Claramente se tem demonstrado que não. Nos últimos quarenta anos têm surgido múltiplas dietas e múltiplos tratamentos não farmacológicos, ou seja, tratamentos comportamentais onde se verificou que a obesidade continua cada vez mais a ser prevalente e com casos mais graves.

A alteração de comportamentos e educação alimentar têm um papel importantíssimo na prevenção da obesidade, mas a partir do momento em que esta se desenvolve muitas vezes esse tratamento não é suficiente, sobretudo, em casos de obesidade extrema. A probabilidade de conseguirmos reverter os valores de obesidade severa para índices de massa corporal normal com tratamento comportamental e nutricional é muito baixa. Estes doentes precisam de alguma ajuda extra.

HN- Que tipo de terapia é indicada para doentes com obesidade mórbida?

GF- Neste momento é de consenso mundial que o único tratamento eficaz e durador para tipo de doentes passa por cirurgia bariátrica. No entanto, é importante referir que a cirurgia não é uma solução milagrosa nem simples. A cirurgia é uma ferramenta que os doentes têm que aprender a utilizar num contexto de equipa multidisciplinar. Isto é, não chega fazer a cirurgia… É necessário que haja acompanhamento nutricional e psicológico antes e após a cirurgia. Os doentes têm que perceber que depois da cirurgia devem mudar de comportamentos alimentares e de estilo de vida.

HN- De acordo com a Entidade Reguladora de Saúde os obesos esperam em média 16 meses entre a consulta e a cirurgia, chegando a haver tempos de espera superiores a três anos. O que deve ser alterado para aumentar a capacidade de resposta destes doentes?

GF- Temos de aumentar os recursos disponíveis a nível de saúde. Precisamos de lotar os hospitais de maior capacidade cirúrgica, temos que ter os materiais adequados, mais equipas formadas e mais tempos de bloco operatório porque são tempos muito longos e esses tempos traduzem apenas a ponta do iceberg. Ou seja, estamos a avaliar os doentes que de facto chegam a ser tratados. Estima-se que só sejam tratados cerca de 1% de todos os doentes com indicação cirúrgica… Estes valores revelam que se tentássemos oferecer este tratamento, que sabemos que é eficaz a todas as pessoas que precisam, os tempos de bloco operatório disparariam para valores exorbitantes.

HN- O atraso de tratamentos provocados pela pandemia irá agravar o cenário da obesidade em Portugal?

GF- Claro que sim. Não podemos dizer que antes da Covid-19 o cenário da obesidade já fosse muito positivo, mas com os atrasados provocados pela pandemia este cenário vai ficar ainda mais agravado. Todos os tratamentos que ficaram por fazer ao longo do último ano vão atrasar ainda mais a possibilidade de oferta de tratamento a outros doentes.

É importante percebermos que antes da pandemia já não tínhamos a resposta mais adequada.

HN- De que forma o vírus da Covid-19 impacta a saúde dos doentes com obesidade?

GF- Esta é mais uma daquelas doenças que é claramente agravada pela obesidade, ou seja, é um dos principais fatores de risco para a Covid-19 grave. Se formos analisar os doentes que foram submetidos a internamento em UCI podemos verificar que a grande maioria tinha problemas de obesidade. O risco de hospitalização de doentes obesos é de 100%. O risco de hospitalização em UCI aumenta até 70%.

HN- Tendo em conta que hoje se assinala o Dia Mundial da Obesidade que mensagem gostaria de deixar?

GF- É muito importante começarmos a mudar as mentalidades. Todos ficamos muito preocupados com a pandemia da Covid-19, mas é importante lembrarmos que a obesidade é responsável por tantas mortes como a Covid-19 por ano. Ou seja, é como se tivéssemos uma pandemia todos os anos.

É preciso focar-nos no tratamento e na prevenção da obesidade. Sabemos que risco de obesidade infantil tem aumentado todos os anos, assim como também já referi se o melhor tratamento para a obesidade severa é a cirurgia nós não temos capacidade para oferecer esse tratamento a dez milhões de pessoas. Portanto, o futuro passa necessariamente pela prevenção.

Entrevista por Vaishaly Camões

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