Governo vai reforçar cuidados de saúde mental com 40 equipas comunitárias e unidades para doentes agudos nos hospitais

12 de Março 2021

O Governo vai criar 40 equipas comunitárias para fazer chegar cuidados de saúde mental a casa dos portugueses e construir pelo menos quatro unidades de internamento de agudos nos hospitais gerais.

Em entrevista ao jornal Público, o diretor do Programa Nacional de Saúde Mental da Direcção-Geral da Saúde, Miguel Xavier, diz que o país tem de aproveitar os 85 milhões do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para fazer avançar a reforma desta área, mas deixa um aviso: o dinheiro de Bruxelas de pouco servirá sem um “apoio político total” e sem uma estrutura de missão “com poder e capacidade de implementação”.

Miguel Xavier fala ainda na necessidade de consolidar e/ou reconfigurar estruturas (paredes e recursos humanos) para se poder “diferenciar mais a oferta de programas à população, ultrapassando o paradigma consulta-internamento dos últimos 30 anos”.

Reconhece que para concluir a rede dos serviços de saúde mental a nível do país é preciso criar equipas comunitárias e sublinha: “a saúde mental, ao contrário do que alguns pensam, não se faz com apenas um grupo profissional, mas com equipas multidisciplinares”.

O responsável diz que se pretende que estas equipas (20 para adultos e outras 20 para crianças e adolescentes), a criar até 2025/2026, vão a casa das pessoas e funcionem em articulação com os cuidados de saúde primários.

“O trabalho é feito ombro a ombro com os médicos de família”, sublinha Miguel Xavier, lembrando que “os profissionais de saúde mental têm uma palavra crucial a dizer no apoio estas pessoas, mas não podem fazer o trabalho todo”.

“Há determinantes de natureza socioeconómica a que os serviços de saúde não podem dar resposta sozinhos. E desemprego, dívida e precarização das condições de trabalho são fatores poderosíssimos para uma má saúde mental de um país”, exemplifica.

Na entrevista, Miguel Xavier anuncia ainda que se pretende retomar o trabalho interrompido em 2011 e que, para tirar os doentes agudos dos hospitais psiquiátricos, serão criadas quatro unidades em hospitais gerais: no Médio Ave, em Santa Maria da Feira, no Centro Hospitalar do Oeste, na zona de Caldas da Rainha e Peniche, e na região mais ocidental da Amadora.

“Além disso, queremos organizar os serviços de psiquiatria como centros de responsabilidade integrada, com uma gestão autónoma. Gostávamos de começar com cinco e de alargar este número nos anos seguintes”, afirma.

O responsável pelo Programa Nacional de Saúde Mental reconhece que não há psicólogos suficientes nos centros de saúde e que estes programas, para avançarem, “precisam de gente dedicada a isto a tempo inteiro”. “Estou a falar da criação de programas de intervenção não-farmacológica nos cuidados de saúde primários”, precisa.

Miguel Xavier reconhece que “a assistência às demências é muito fragmentada” e diz que, com o dinheiro que há, que “não é suficiente para criar estruturas físicas”, o que faz sentido é “tentar pôr em prática o que está nos planos regionais de demência, que assentam em equipas móveis — parecidas com as equipas comunitárias, mas para intervenção em demência”.

E, como isso ainda não está feito, “o PRR vai contemplar a criação de um programa de formação bastante diferenciado para preparar pessoas do país todo para o tratamento integrado das demências”, explica.

O núcleo será nos cuidados de saúde primários: “não faz sentido nenhum que pessoas com demência, a maior parte das quais tem comorbilidades, problemas de locomoção, tenham de fazer uma centena de quilómetros para se tratar”.

Quanto aos serviços forenses, onde estão os doentes inimputáveis, Miguel Xavier diz que o PRR vai “permitir resolver o problema do internamento dos doentes forenses na região Centro, no Hospital Sobral Cid”, onde vai ser criada “uma estrutura que seja de acordo com os direitos humanos dos doentes”.

O responsável aponta ainda a ausência de mecanismos de transição para a comunidade dos doentes que acabam a pena, frisando que o que está idealizado é a criação de estruturas de transição para a comunidade.

“E vão ser criadas três: no Júlio de Matos, no Magalhães Lemos e no Sobral Cid”, avança.

Diz que os doentes que residem nos hospitais psiquiátricos – cerca de 400 – “têm de ser desinstitucionalizados e colocados em residências na comunidade”, com equipas que tratem deles, mas fora do hospital. Para isto, vai ser destinada uma verba.

Questionado sobre se vão ter se ser criadas unidades para receber estes doentes, Miguel Xavier responde: “Não vamos ter de as criar. O Estado faz o concurso, diz que precisa de fazer a desinstitucionalização de 20 ou 40 doentes, e as IPSS apresentam-se a concurso, porque estão vocacionadas para isto”.

Na área dos cuidados continuados de saúde mental, Miguel Xavier reconhece que o grande problema é não só o número de lugares, mas o facto de o processo de referenciação “ser tudo menos fácil”.

“Os próprios requisitos arquitetónicos das casas para receber os doentes são demasiado exigentes, porque são feitos para receber pessoas da rede geral, com doenças e limitações físicas, enquanto a maior parte das pessoas com doença mental compensadas fazem uma vida perfeitamente normal”, considera.

Para esta reforma na área da saúde mental, Miguel Xavier sublinha que é preciso “sustentabilidade do apoio político” e uma estrutura de missão com “poder e capacidade de implementação” para concretizar este programa em quatro ou cinco anos.

Lusa/HN

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