Portugueses descrevem período “complicado” em França devido à pandemia de Covid-19

18 de Março 2021

No aniversário do primeiro confinamento em França, a comunidade portuguesa classifica os últimos 12 meses como "complicados", "difíceis" e de "choque", sobretudo na falta de convívio e de contacto social entre os portugueses radicados em França.

“Em termos de ajuda, o nosso povo juntou-se várias vezes durante a pandemia para ajudar quem mais precisa […] Faz-nos falta o contacto, o dia a dia e a nossa gente está ansiosa de poder voltar a ter momentos de partilha. Isso é muito difícil psicologicamente”, afirmou Fernando Lopes, diretor da Rádio Alfa, em declarações à agência Lusa.

Sem encontros físicos entre a comunidade, desde 17 de março de 2020, a Rádio Alfa, que emite em FM na região parisiense, tornou-se ainda mais um dos pontos de contacto da comunidade portuguesa, continuando a transmitir em direto durante todos os períodos de confinamento.

No entanto, a pandemia obrigou a rádio a reinventar-se, com a perda de 80% das receitas de publicidade devido à Covid-19.

“Foi um ano muito complicado e um ano de transição […] Tivemos de ver o que podíamos fazer para não desaparecer e sermos ativos. Decidimos dar uma volta completa ao formato da rádio”, explicou Fernando Lopes.

A rádio renovou assim o seu ‘site’ da Internet, tenta aproximar-se dos mais jovens e investe agora na sua emissão digital, já que o tradicional percurso no carro de casa para o trabalho foi substituído pelo teletrabalho um pouco por todo o país.

“Estamos a tentar que a Rádio Alfa não seja só a rádio dos portugueses de Paris, mas a rádio dos portugueses em França”, detalhou.

Mas há limites na capacidade de adaptação dos negócios. O grupo Pedra Alta, com uma vasta cadeira de restaurantes tipicamente portugueses em França, especificamente na região parisiense, viu o seu negócio fechar do dia para a noite a partir de 17 de março de 2020.

“É um choque, foi algo brutal. É uma situação que se está a impor a todos. Podemos criticar e lamentar, mas a única coisa a fazer é adaptar-nos e esperar tendo uma atitude positiva, é esse o espírito do Pedra Alta”, disse José Duarte, contabilista da empresa Effigest que gere as finanças do grupo de restauração.

O restaurante ainda reabriu a maior parte dos seus estabelecimentos entre julho e outubro de 2020, mas voltou a fechar quando foi decretado o segundo confinamento e assim se mantém até agora.

“O Pedra Alta vai reabrir todos os seus restaurantes, mas ao nível do setor da restauração em geral em França, penso que alguns restaurantes vão sofrer. […] A vantagem do Pedra Alta é que é uma cadeia antiga e sólida ao nível financeiro. Todo o setor da restauração e do turismo vai precisar de continuar a ter apoios nos próximos anos”, considerou.

Fechados desde outubro ao público, muitos restaurantes em França adotaram as entregas ou encomendas para continuarem o serviço, mas essa não foi a escolha do Pedra Alta.

“Os nossos pratos são feitos para partilhar e não imagino entregar uma cataplana em casa”, comentou.

O setor do desporto também teve de se adaptar, com modalidades como o futebol a sofrerem as consequência da pandemia.

“Este ano foi complicado no que diz respeito a toda a organização das competições em França, especialmente as regras impostas pela Federação e pelo Governo, com muitas mudanças de logística”, explicou Rui Pataca, diretor desportivo do Union Sportive Créteil-Lusitanos, que compete no National 1, terceiro escalão do futebol francês.

Após uma paragem completa entre março e maio de 2020, os campeonatos de futebol retomaram em França, mas sem adeptos e com muitos controlos devido ao vírus.

“Este tem sido um ano de muitas tensões. O jogador de futebol acabou por ter muitas paragens forçadas no campeonato devido às equipas que têm casos de Covid-19 e não podem jogar e outras situações em que o campeonato tem de ir mais rápido para recuperar datas em que os jogos não foram realizados “, descreveu o dirigente desportivo.

Sendo o sexto país no mundo com mais casos, um dos principais desafios em França é adaptar o seu sistema de saúde ao impacto da pandemia, com um grande impacto no quotidiano dos profissionais de saúde.

“Estamos cansados. É um trabalho muito stressante. Desde que eu própria tive Covid e agora tenho anticorpos, estou mais descansada por saber que já não vou transmitir às pessoas mais próximas de mim”, disse Suzanne Santos, enfermeira lusodescendente que trabalha como profissional liberal na região de Paris.

Suzanne Santos teve Covid-19 no início de 2021, sem ter desenvolvido uma forma grave da doença. Após um ano de pandemia, esta enfermeira com 30 anos de experiência queixa-se do atraso entre os anúncios do Governo e a prática no terreno.

“As coisas fazem-se, mas sempre com um atraso de três ou quatro semanas. Não sei se é um problema logístico ou de aprovisionamento […] Atualmente as pessoas até se querem vacinar, mas não há marcações nem doses disponíveis”, explicou.

A enfermeira encontra apenas paralelo no final dos anos 1980 quando os profissionais de saúde foram confrontados com a epidemia da sida.

“O contágio é muito diferente e claro que a sida não se apanha através do ar, mas é uma doença muito grave e sente-se um pouco o mesmo medo por parte dos colegas”, descreveu.

A lusodescendente relatou ainda que muitos enfermeiros estão a deixar o hospital público por exaustão e tem receio que esta pandemia afaste os jovens das profissões da saúde em França devido ao risco, mas também ao stress.

Já os setores que estão parados, como a restauração, esperam por reabrir rapidamente, mas ainda não há datas previstas.

“Só se pode esperar e ser paciente. São meses difíceis a passar e custa aos nossos empregados estar em casa. Toda a gente está com vontade de fazer uma vida normal. […] Antes do mês de maio vai ser complicado reabrir”, estimou José Eduardo, acrescentando que os cerca de 600 trabalhadores do grupo Pedra Alta, muitos deles portugueses, estão em ‘lay-off’.

Difícil é também encontrar motivação quando o trabalho se tornou tão diferente do que era no passado, como acontece com os jogadores do Créteil-Lusitanos.

“A motivação tem de ser conduzida pela ambição pessoal de cada um, especialmente num campeonato como o nosso. Algumas das técnicas que utilizamos para motivar os jogadores são o trabalho em grupo e também mensagens de força para os atletas por parte da família antes dos jogos”, descreveu Rui Pataca.

Para a comunidade portuguesa, especialmente para os lusodescendentes mais jovens, a pandemia pode mesmo representar uma mudança de vida, já que muitos expressam o desejo de manter os seus empregos em França, mas fazer o teletrabalho a partir de Portugal.

“Há muitas pessoas que estão a pensar voltar para Portugal. Porque é que uma pessoa que está aqui em França em teletrabalho não pode amanhã fazer a mesma coisa de Portugal? A vida é mais barata, o clima é mais agradável e aqui na região parisiense temos sentido uma tensão muito grande a nível social que não existe em Portugal”, concluiu Fernando Lopes.

LUSA/HN

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