Sérgio Alves: “Prevalência da HTA pediátrica tem vindo a aumentar”

2 de Abril 2021

Vários estudos comprovam que “um perfil tensional elevado no doente pediátrico é um dos maiores preditores de HTA no adulto, conduzindo ao desenvolvimento precoce de complicações cardiovasculares e renais”, alerta […]

Vários estudos comprovam que “um perfil tensional elevado no doente pediátrico é um dos maiores preditores de HTA no adulto, conduzindo ao desenvolvimento precoce de complicações cardiovasculares e renais”, alerta o pediatra Sérgio Alves, do Centro Materno-Infantil do Norte.

HealthNews – Quais são as causas de hipertensão na infância e o impacto relativo dos fatores genéticos e ambientais?

Sérgio Alves – Classicamente, a hipertensão arterial (HTA) em idade pediátrica encontra-se associada a causas secundárias como a doença renal parenquimatosa (compreendendo 60 a 70% das causas secundárias), a doença renovascular, distúrbios endocrinológicos, coartação da aorta e muito raramente a distúrbios monogénicos hereditários, tais como a doença renal poliquística ou algumas tubulopatias. Enquanto esta relação é particularmente significativa em crianças pré-púberes, em adolescentes a agregação de fatores de risco, como o excesso de peso/obesidade e o sedentarismo, tornam a HTA essencial o diagnóstico mais prevalente nesta faixa etária. O impacto familiar na génese do risco de desenvolvimento de HTA essencial é significativo, quer seja pela partilha de um estilo de vida não saudável quer seja por fatores genéticos que poderão explicar até 30% da variação da tensão arterial (TA) na criança. Assim, a HTA essencial tem vindo cada vez mais a ser considerada um traço complexo, de carácter poligénico, sendo, portanto, fundamental a vigilância atenta de TA em crianças com história familiar de HTA.

HN – De que forma o aumento da obesidade nas crianças e adolescentes está a comprometer os valores da tensão arterial nas idades pediátricas?

SA – A prevalência da HTA pediátrica tem vindo a aumentar, em paralelismo com a pandemia da obesidade infantil, o sedentarismo e a adoção crescente de dietas inadequadas e comportamentos de risco nesta faixa etária. Da prevalência basal de 1,4% na idade pediátrica, verifica-se um incremento para 7,1% em crianças no percentil 75-95 de peso e 25% para aquelas acima do percentil 95. O risco também aumenta com a adiposidade e o perímetro abdominal. Adicionalmente, crianças com IMC aumentado têm maior risco de desenvolvimento de HTA na idade adulta, para além da associação com outros fatores de risco cardiovasculares (dislipidemia, insulinorresistência, etc.) que podem conduzir à doença aterosclerótica precoce com complicações cardiovasculares e doença renal.

HN – A partir de que idade se deve medir a pressão arterial nas crianças? Quais são os valores preconizados pelas guidelines?

SA – A avaliação da pressão arterial é feita anualmente ou bianualmente a partir dos três anos em consulta de Saúde Infantil. Em crianças com fatores de risco como a prematuridade, restrição do crescimento fetal, cardiopatia congénita, infeções urinárias de repetição, história familiar de doença renal congénita, neoplasia ou outras doenças sistémicas com risco de HTA, o início de monitorização deve ser mais precoce e deve ocorrer em todas as consultas. Contrariamente aos adultos, em que os cut-offs de diagnóstico são definidos por outcomes clínicos, na criança, o estabelecimento de percentis segue uma distribuição normal, obtida através de uma amostra saudável e ajustada para o sexo, idade e altura. Estas tabelas normativas são disponibilizadas por guidelines europeias e americanas, com algumas diferenças metodológicas entre si.

HN – Quantas medições são necessárias para o diagnóstico de hipertensão arterial nas crianças?

SA – O diagnóstico de HTA em idade pediátrica é feito com TA sistólica e/ou TA diastólica persistentemente acima do P95 para o sexo/altura e idade em pelo menos três ocasiões separadas. O tamanho do cuff deve ser adequado à idade e peso da criança. O método oscilométrico pode ser usado para rastreio, mas o diagnóstico deve ser confirmado pelo método auscultatório. A monitorização ambulatória da pressão arterial (MAPA), com tabelas validadas para a idade pediátrica, tem vindo a assumir uma importância crescente na confirmação diagnóstica e monitorização da resposta terapêutica.

HN – Quais são as complicações da hipertensão arterial nestas idades?

SA – A hipertrofia do ventrículo esquerdo é a manifestação mais proeminente nesta faixa etária, o que comporta uma relação forte e independente com eventos adversos cardiovasculares na idade adulta.

O estadiamento cardíaco com ecocardiograma é mandatório na avaliação da HTA pediátrica. A incidência de complicações vasculares, renais, oculares e cerebrovasculares são muito raras na criança e adolescente com HTA essencial. Assim, sendo a HTA pediátrica tipicamente paucissintomática, com raras manifestações de lesão de órgão-alvo, é frequente uma tendência para a sua desvalorização e incorreta vigilância. Poder-se-á assim dizer que as grandes complicações surgirão no adulto numa idade mais precoce. Uma criança doente será um adulto muito doente. Vários estudos comprovam que um perfil tensional elevado no doente pediátrico é um dos maiores preditores de HTA no adulto, conduzindo ao desenvolvimento precoce de complicações cardiovasculares e renais.

HN – As medidas não farmacológicas constituem a primeira linha de tratamento? Em que casos pode ser necessário utilizar medicamentos?

SA – O tratamento não emergente da HTA pediátrica envolve inicialmente medidas não farmacológicas. Deve ser tentada a perda de peso em crianças com excesso de peso. A restrição do sedentarismo e prática de exercício físico moderado a vigoroso, 30-60 minutos, três a cinco vezes por semana, por si só melhoram o perfil tensional. Devem ser advogadas modificações da deita (dieta DASH) com menor ingestão de sal, sendo útil o apoio de nutricionistas vocacionados para a idade pediátrica. As medidas não farmacológicas envolvem ainda prevenção e tratamento de dislipidemia, evicção de cafeína, álcool e bebidas energéticas. A prevenção tabágica e a diminuição do stress são fatores que não devem ser subestimados na adolescência. Se a HTA persistir após um ano de modificações no estilo de vida, deve ser advogado o tratamento farmacológico. Em caso de HTA sintomática, secundária, com lesão de órgão alvo ou com comorbilidades como a diabetes mellitus, os fármacos anti-hipertensores devem ser iniciados concomitantemente às medidas não farmacológicas.

HN – Tendo em consideração que a HTA é um fator de risco importante e potencialmente reversível de doença cardiovascular e de doença renal em qualquer idade, a medição da tensão arterial nas crianças é uma prática habitual na MGF e na Pediatria?

SA – O papel do pediatra e do médico de Família enquanto agentes de medicina preventiva envolve lidar com a criança saudável enquanto ser dinâmico, inserido num contexto familiar e sociocultural, descentralizando a imagem estática do problema, e promovendo a otimização de todo o potencial que a criança poderia assumir na idade adulta. Assim, não só a medição da tensão arterial é uma prática habitual na consulta de Pediatria e de MGF, como também a vigilância ativa de todos os fatores de risco cardiovasculares que poderão conduzir a patologia do adulto jovem. Embora se pense que a HTA pediátrica possa estar subdiagnosticada pela ausência de sintomas, a implementação de normas de vigilância de saúde infantil e juvenil ao nível dos Cuidados de Saúde Primários tem permitido uma melhoria no reconhecimento desta ameaça silenciosa.

Adelaide Oliveira

 

 

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