Prof. Manuel Carrageta: “Doenças cardiovasculares são a pandemia que mais mata em Portugal”

15 de Abril 2021

“Antes da Covid-19 morriam cerca de 100 pessoas por dia devido a patologia cardiovascular”, afirma o Prof. Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia.  No primeiro ano da pandemia, esse número poderá ter sido superior. De acordo com um estudo da Fundação, “metade dos doentes cardíacos não procuraram o médico por terem mais medo […]

“Antes da Covid-19 morriam cerca de 100 pessoas por dia devido a patologia cardiovascular”, afirma o Prof. Manuel Carrageta, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia.  No primeiro ano da pandemia, esse número poderá ter sido superior. De acordo com um estudo da Fundação, “metade dos doentes cardíacos não procuraram o médico por terem mais medo da pandemia Covid-19 do que da sua própria doença”.

HealthNews (HN) – As doenças cardiovasculares continuam a matar mais portugueses do que a Covid-19? 

Prof. Manuel Carrageta (MC) – As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte em Portugal, sendo responsáveis por mais de um terço da mortalidade total. Não podemos ignorar que, antes da pandemia da Covid -19, morriam cerca de 100 pessoas por dia, devido a patologia cardiovascular. Neste primeiro ano da pandemia viral esse número ainda foi seguramente superior.

Uma grande parte do número elevado de óbitos não-Covid, em excesso, foi causada por doenças com elevada letalidade, tais como o enfarte do miocárdio e o AVC, que são parcialmente evitáveis através do controlo dos fatores de risco. Por outro lado, a luta contra o cancro, a segunda causa de morte em Portugal, para ter sucesso, depende essencialmente do diagnóstico precoce. Com mais de 11 milhões de consultas e exames adiados, ficou também comprometida.

HN – O adiamento dos cuidados de saúde pode conduzir a um retrocesso no âmbito das doenças cardiovasculares?

MC – Num estudo realizado pela Fundação Portuguesa de Cardiologia, metade dos doentes cardíacos não procuraram o médico por terem mais medo da pandemia Covid-19 do que da sua própria doença. Infelizmente, continua a verificar-se uma baixa procura de apoio médico, pelo que se torna necessário, nomeadamente, desenvolver campanhas que esclareçam a população sobre a necessidade de continuar a prevenir e controlar as doenças cardiovasculares, que são a pandemia que mais mata em Portugal. Não é demais insistir que, no caso de se contrair a infeção, estar o mais saudável e controlado possível da doença cardiovascular, ajuda a resistir melhor ao vírus.

Para agravar a atual situação cardiovascular, é bem conhecido que o SARS-CoV-2 pode causar doença vascular, provocada pela resposta imunitária com libertação de citoquinas inflamatórias. Em consequência, os doentes podem vir a sofrer de enfartes do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais e miocardites que eventualmente evoluem para insuficiência cardíaca e até podem causar morte súbita.

HN – O próprio confinamento não poderá estar a agravar a prevalência da síndrome metabólica, que já antes da pandemia afetava entre 36,5 e 49,6% dos portugueses, segundo um estudo da Unidade de Investigação em Epidemiologia do Instituto de Saúde Pública do Porto?

MC – O confinamento, com a imobilidade e o isolamento associados, condiciona quase inevitavelmente aumento do peso e perturbação do metabolismo glicémico. Por exemplo, estar sentado, uma atividade de muito baixo custo energético,  leva a que os tecidos do nosso organismo se tornem resistentes à insulina, o que causa um aumento dos níveis de glucose no sangue. Estar sentado longos períodos leva também a uma redução acentuada da atividade da lipoproteína lipase, o que causa diminuição do colesterol HDL e aumento do colesterol LDL. Todas estas alterações explicam o aumento do risco de obesidade, diabetes e doenças cardíacas associadas ao confinamento.

HN – Já uma vez denominou a hipertensão arterial como um “assassino silencioso”. Qual a sua importância relativa neste quadro de risco cardiovascular?

MC – A idade avançada é o fator de risco mais importante de complicações e de morte devidas à Covid-19. Saliente-se que até agora, 92% das mortes ocorreram em doentes com mais de 65 anos. Como a prevalência da hipertensão arterial aumenta com o avançar da idade, é natural que muitos dos doentes com complicações sejam hipertensos. Claro que a hipertensão arterial vai acelerar o “envelhecimento” do aparelho cardiovascular que se torna um elo mais fraco em doentes muito idosos. No entanto, não há presentemente evidência que assegure que a HTA seja indiscutivelmente um fator de risco independente para complicações e morte, associadas à Covid -19.

HN –Aconselha todos aqueles que têm fatores de risco ou doença cardiovascular a vacinarem-se na primeira oportunidade que lhes for dada. Porque motivo estão em maior risco em caso de infeção pelo SARS-CoV-2?

MC – A doença aterosclerótica e a insuficiência cardíaca têm mecanismos patológicos subjacentes que afetam o sistema imunitário, nomeadamente com ativação inflamatória, que associada ao envelhecimento, nos doentes com mais idade, se traduz num estadio de inflammaging. Para estes doentes, o aparelho cardiovascular é o elo mais fraco, pelo que uma infeção viral pode provocar um agravamento da doença cardíaca que leve a um desfecho letal.

HN –  Qual foi o papel das sociedades científicas (e, particularmente, da Fundação Portuguesa de Cardiologia), na definição das doenças do coração (insuficiência cardíaca e doença coronária) com prioridade na primeira fase de vacinação para pessoas acima dos 50 anos?

MC – A Fundação envia, regularmente, às autoridades competentes, documentos científicos de sensibilização, em que, neste caso concreto, destacámos o aumento do risco de complicações e morte associado às patologias acima mencionadas. Por outro lado, sempre temos chamado a atenção para o perigo da pandemia da Covid -19 – em grande parte devido a uma cobertura mediática obsessiva – obscurecer as outras pandemias, porventura mais letais, nomeadamente a cardiovascular, que matou em média mais de 35.000 portugueses por ano, só na última década.

Adelaide Oliveira

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