Paulo Oom: “As meningites não são todas iguais”

28 de Abril 2021

Paulo Oom Pediatra no Hospital Beatriz Ângelo

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Paulo Oom: “As meningites não são todas iguais”

Se por um lado uma criança com meningite viral consegue recuperar ao fim de três dias, a meningite bacteriana pode levar à morte da criança numa questão de horas. Em entrevista à HealthNews o pediatra Paulo Oom admite que “é muito difícil distinguir se estamos perante uma meningite viral ou bacteriana”. O tempo pode ser o maior inimigo dos pediatras. As vacinas são para o especialista a melhor arma de proteção contra esta doença.

Healthnews (HN) – A meningite, que resulta da inflamação nas membranas que envolvem o sistema nervoso central, é causada unicamente por agentes infeciosos?

Paulo Oom (PO) – Sim, a meningite é habitualmente causada por agentes infeciososPodem ser vírus ou bactérias. Na grande maioria dos casos são vírus, mas algumas bactérias podem provocar meningite.

Há muitas outras causas e muitas doenças que também podem causar esta inflamação.

HN – O quadro clínico que de uma meningite bacteriana, viral e fúngica é semelhante? 

PO – Há poucas coisas que permitem distinguir. Normalmente estas meningites começam da mesma forma, uma vez que estes organismos [invasores] entram, por norma, pelas vias respiratórias e, portanto, o doente apresenta um quadro respiratório no início que pode parecer uma gripe. Mais tarde o organismo que provoca a meningite acaba por entrar no sangue, chegando às meninges e ao cérebro (aí começa a multiplicar-se mais).

Portanto, o quadro clínico inicial é muito semelhante e assim que se instala a meningite, de facto, é muito difícil clinicamente distinguir se estamos perante uma meningite viral ou bacteriana. Não há nada que nos permita ver com 100% certeza que aquele doente tem uma meningite provocada por um vírus ou por uma bactéria… Para ter a certeza temos que realizar determinados tipos de exames.

Claro que em princípio o quadro da meningite viral não é tão aparatoso como o quadro da meningite bacteriana, mas é impossível do ponto de vista clínico distinguir estas duas meningites. Por isso, quando há suspeita o médico tem que fazer sempre aquela punção lombar.

HN – Qual é a maior dificuldade dos pediatras?

PO – A dificuldade na pediatria está mais relacionada mais com a idade da criança e do jovem. Ou seja, enquanto um adolescente tem um quadro mais típico de febre alta, de dores de cabeça fortes e vómitos, em que é mais fácil suspeitar um quadro de meningite, num bebé que pode apenar ter febre e muita irritabilidade faz com que seja mais desafiante para o pediatra suspeitar de uma meningite.

HN – Apesar da meningite bacteriana ser mais agressiva que a viral os sintomas são por vezes muito semelhantes. A falta de sintomas específicos atrasa a procura de ajuda médica?

PO – Muitas vezes sim, mas também não queremos o contrário. Os sintomas da meningite são muito inespecíficos, mas todas as crianças têm febre e dores de cabeça… se aparecer algum destes sintomas e os pais forem logo a correr para as urgências a achar que pode ser uma meningite os hospitais ficariam cheios.

Não há nenhum destes sintomas que isoladamente nos permita dizer que estamos perante uma meningite. No entanto, se a criança está, de facto, frustrada e tem todos os outros sintomas (febre alta, vómitos e dores de cabeça) temos de suspeitar de uma meningite.

HN – Relativamente à forma de transmissão da meningite, varia em função do agente infecioso?

PO – A grande maioria destas meningites é transmitida por via respiratória. Quer os vírus ou as bactérias podem ser transmitidas através da tosse ou dos espirros.

HN – E esta doença propaga-se com a mesma facilidade, por exemplo, que uma gripe?

PO – Depende da bactéria e do vírus. Algumas têm mais facilidade em se propagar, outras menos. Naquelas que são mais graves, como as bacterianas já existem muitas vacinas e acaba por haver muito menos crianças e adultos com essas infeções. Portanto, há uma menos probabilidade que a pessoa esteja em perigo de contrair a meningite. Tem a ver com o desenvolvimento das vacinas essencialmente.

HN – Qual o impacto da meningite em termos de cuidados intensivos?

PO – O impacto é muito grande. A meningite viral é, normalmente, uma doença benigna e, por isso, não envolve grandes cuidados. Estas crianças são internadas em serviços de pediatria geral e, confirmando-se que é viral, o paciente melhora rapidamente. Em dois ou três podem estar outra vez em casa. A única exceção nestes casos de meningite viral é no recém-nascido. Essas podem ser mais graves e podem implicar tratamentos diferentes e internamentos mais prolongados.

Já a meningite bacteriana, muitas podem ser tratadas em internamento, mas algumas correm menos bem e essas precisam de cuidados intensivos. As bactérias que provocam a meningite podem provocar sequelas graves, inclusive levar à morte da criança.

HN – Agora sobre os meios de diagnóstico. Existem testes PRC de despiste da meningite, tal como existem para a Covid-19?

PO – Existem testes PCR e outros tipos de testes para verificar o tipo de agente responsável pela meningite.

O primeiro passo que deve ser dado é, sem dúvida, aquela punção lombar que nos pode dizer se criança tem ou não uma meningite e até nos ajuda a suspeitar que seja viral ou bacteriana. Esse líquido é enviado para análise e consegue-se saber qual é o vírus ou a bactéria que está a provocar a inflamação das membranas.

Existem também os testes PCR e outros que são feitos nas vias respiratórias e que permitem pelo menos saber se aquele micro-organismo está presente nas vias da criança.

HN – São eficazes?

PO – Sim.

HN – As vacinas disponíveis em Portugal abrangem todos os tipos de vírus?

PO – Não. Em relação a estes tipos de meningite viral existem no Plano Nacional de Vacinação (PNV) vacinas que protegem contra alguns tipos de meningite viral. Na verdade, a grande maioria dos vírus que provoca esta meningite não existe vacinas para eles. Portanto, é muito difícil prevenir as infeções das meningites virais porque são mais de 70 vírus diferentes. Aquilo que é importante passar aos pais é que as meningites não são todas iguais. A palavra “meningite” não deve ser motivo de alarmismo. Se for uma meningite viral normalmente a criança recupera sem qualquer sequela.

Para as bactérias que provocam a meningite há várias vacinas. Algumas estão incluídas no PNV e que protegem de forma segura e eficaz. Outras vacinas não estão, mas por recomendação do pediatra os pais podem adquirir e criança pode levar essas vacinas para aumentar a sua proteção.

HN – As vacinas incluídas no PNV destinam-se principalmente as crianças mais pequenas. Considera que a vacinação deveria ser alargada a outras faixas etárias?

PO – Claro. Tradicionalmente temos dois picos que são nas crianças mais pequeninas (nos primeiros anos de vida) e nos adolescentes. Estas vacinas são dadas preferencialmente logo nas idades mais pequenas, mas haveria de ponderar-se a possibilidade de algumas delas serem reforçadas na altura da adolescência.

HN – Face à atual situação pandémica, o que recomendaria à população face a uma suspeita de meningite? Como deveria atuar?

PO – Se uma criança mais velha tiver um quadro típico de febre alta, vómitos e dores de cabeça os pais têm que o levar para a urgência pediátrica. O mesmo deve ser feito com bebés com pequeninos. Só nas unidades de pediatria é que a criança pode ser observada e fazer os testes necessários para se ter a certeza se estamos perante uma meningite ou não.

HN – Gostaria de deixar alguma nota final?

PO – As vacinas são um dos melhores desempenhos da medicina e da pediatria no último século. Portanto, a mensagem é para que os pais não percam a oportunidade de vacinas as crianças contra as bactérias que provocam a meningite. Apesar de ser uma doença cada vez mais rara devido à vacinação é sempre uma doença muito grave. Portanto, se puderem não deixem escapar as hipóteses de proteger os filhos contra estas doenças.

 

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