Prof. João Gorjão Clara: Valores da hipertensão no idoso diferem do adulto jovem

3 de Maio 2021

João Gorjão Clara Coordenador do Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.

Nos idosos com 70 e 80 anos “aceitamos 150mmHg e, por vezes, até 160 mmHg, em função da idade e dos condicionalismos da pessoa”, refere o Prof. João Gorjão Clara, coordenador do Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.

HealthNews (HN)– Quais são os valores da pressão arterial (PA) considerados normais nas pessoas idosas?

Prof. João Gorjão Clara (JGC) – A pressão arterial normal do idoso não tem os mesmos valores dos adultos jovens. Aceitamos 150mmHg e, por vezes, até 160 mmHg, em função da idade e dos condicionalismos da pessoa. Os idosos que tratamos não têm apenas hipertensão; apresentam outras comorbilidades. Se tratarmos só a hipertensão, ignorando todas as outras patologias, podemos correr o risco de baixar a PA e agravar outro tipo de doenças. Particularmente se for uma pessoa muito idosa com fragilidade, isto é, numa fase de grande compromisso fisiológico e com uma importante incapacidade de resposta às agressões.

HN – E quanto à pressão diastólica?

JGC – A diastólica não nos interessa muito porque, normalmente, é baixa. Estabiliza à roda dos 80/90mmHg.

Nas pessoas idosas, é a hipertensão sistólica isolada que predomina.

HN – É a partir desses valores de PA sistólica que se recomenda iniciar a terapêutica anti-hipertensiva? O que referem as guidelines?

JGC – Aprendi com o Prof. Sales de Liz, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que as guidelines são somente orientações; não são godlines. Na realidade, baseiam-se em contextos de uma doença isolada num indivíduo que só tem aquela patologia e, geralmente, de meia idade. Os estudos com pessoas velhas com pluripatologia não existem e as guidelines de intervenção também não.

Em 2015, no congresso da European Union Geratric Medicine Society (EUGMS), realizado em Lisboa e que tive a honra de presidir, foi constituído um grupo de estudo sobre a hipertensão em octogenários que incluiu peritos da Sociedade Europeia de Hipertensão e da EUGMS. As guidelines que então surgiram definiam, por exemplo, que valia a pena iniciar terapia anti-hipertensiva no idoso com 80 anos, saudável, sem outras patologias que o comprometessem, a partir dos 160mmHg.

Continuo a utilizar esses números como referência na minha atuação diária. Nos idosos fragilizados, os valores que se pretendem obter com a terapêutica têm que ser decididos caso a caso. Não pode haver guidelines generalizadas para todos.

HN – E para as pessoas com menos de 80 anos?

JGC – O problema põe-se da mesma maneira. Considero que a partir dos 70 anos devemos continuar a usar como valor de referência 150 mmHg. E depois dos 80, 160 mmHg.

Mas esta definição é um pouco arbitrária. Se o doente tiver, por exemplo, insuficiência renal, doença cardíaca, se já teve um AVC ou um enfarte do miocárdio, a decisão tem de ser adaptada à sua realidade.

HN – O Núcleo de Estudos de Geriatria da SPMI, que coordena, lançou uma série de quatro vídeos com conselhos práticos para problemas resultantes do confinamento nos idosos, incluindo as oscilações da pressão arterial. Qual é o comportamento normal da pressão arterial ao longo do dia?

JGC – Recuando um pouco no tempo, recordo-me como nos anos 70, no Hospital de Santa Maria, o meu mestre, Prof. Nogueira da Costa, conseguiu comprar um aparelho de medição ambulatória da pressão arterial 24 horas. Era um matacão enorme que as pessoas tinham que trazer à cintura. E era também muito frágil e caro. Aliás, foi comprado com as doações de várias entidades.

Quando começaram as primeiras medições, o Prof. Nogueira da Costa entregou-me essa tarefa. Fui, assim, o responsável por fazer os primeiros registos ambulatórios da pressão arterial 24 horas no nosso país.

O KENZ 45 S, como se chamava, permitiu verificar que o comportamento da pressão arterial varia ao longo do dia.

A variação da PA é monótona na maioria das pessoas. Isto é, quando acordamos, temos um valor alto (mas dentro dos valores normais, naturalmente), que vai descendo durante a manhã. Por volta do almoço (entre o meio dia e as 14 horas), desce ainda mais. Volta a subir lá para o fim da tarde e durante a noite desce 10 mmHg ou mais em relação aos valores diurnos. Este comportamento, que os norte-americanos denominam “deeper”, é considerado normal.

Mas existem algumas variações. Por exemplo, “extreme deeper” são pessoas em que a pressão arterial baixa até 20 mmHg durante a noite. E também  pode acontecer o contrário, ou seja, a pressão arterial durante a noite pode ser maior do a diurna. Esta situação denomina-se “reverse deeper”.

Mas isso já são pormenores. No vídeo dedicado à hipertensão explico essencialmente que as oscilações da PA ao longo do dia constituem um comportamento fisiológico normal.

HN – Então, quando e quantas vezes se deve medir a tensão? 

JGC – Normalmente, recomendo aos meus doentes a medição da pressão arterial duas vezes por semana, a horas diferentes.

Medir a pressão arterial é ansiogénico. Se lhes disser para medirem a TA durante a manhã e à noite, posso estar a criar muita ansiedade nas pessoas. Duas vezes por semana chega. E às horas que quiserem porque quanto maior for a variabilidade, melhor. Como a pressão varia constantemente, o que interessa é que todas essas medições estejam dentro dos limites considerados normais.

Podem fazê-lo como entenderem – de pé, sentados, deitados – porque, como também explico no vídeo, a tensão arterial varia conforme a posição do corpo.

HN – É a ansiedade que explica a “hipertensão da bata branca”?

JGC – Como iniciei, com o Prof. Nogueira da Costa, a técnica do registo ambulatório da pressão arterial 24 horas, no Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva, onde trabalho, durante muitos anos era eu que fazia os relatórios do registo da medição da pressão arterial ambulatória 24 horas. Uma vez, um doente exigiu que fizéssemos a aferição do aparelho porque os registos indicavam que era normotenso quando ele andava a tratar-se, há anos, de hipertensão.

O aparelho, como verificamos, não tinha problema nenhum. Tivemos então que lhe explicar que era normotenso mas, na presença do médico, da enfermeira, da farmacêutica ou de quem quer que lhe medisse a pressão arterial, entrava num tal estado de ansiedade, com receio do valor que o aparelho poderia apresentar, que alterava completamente os valores da PA naquele momento. Depois, normalizavam…

Esta é uma situação impossível de detetar em medições ocasionais. Estes indivíduos, mesmo nas medições de 24 horas, e sobretudo na primeira, que é realizada pela técnica de pneumocardiografia para verificar se o aparelho está bem adaptado, apresentam valores muito acima da média porque têm noção de que o aparelho está a registar a pressão arterial. O mesmo sucede quando vão ao Instituto retirar o aparelho. De resto, está tudo normal!

HN – A “hipertensão de bata branca” é inócua?

JGC – Não. Também constitui um risco. É menor do que as pessoas que têm hipertensão arterial estabelecida mas a “hipertensão de bata branca” também tem de ser tratada. Normalmente, usamos betabloqueantes, um tipo de fármacos que possui a dupla ação de controlar a pressão arterial e a ansiedade.

HNE a “hipertensão mascarada”?

JGC – Da equipa do Prof. Nogueira da Costa fazia parte um psiquiatra que nos aconselhava a melhor forma de proceder com os doentes, e que nos dizia: “vocês, médicos, são perante o doente a figura do pai ou da mãe protetora. Por isso, na vossa presença, os doentes sentem-se mais tranquilos e até melhoram das suas queixas”.

Isso era um facto e muitos doentes até diziam: “quando o senhor doutor chega sinto-me logo melhor”.

Baseados nesta informação, em relação à PA pensávamos que quando os doentes estavam ao pé de nós, apresentariam valores mais baixos pelo facto de estarem na presença do seu protetor. Errado! Na nossa presença, alguns tinham até valores mais altos, do que os que mediam em casa, isto é, apresentavam a chamada “hipertensão de bata branca”.

Mas eis senão quando, há uns anos, descobrimos que outros reagiam como o psiquiatra dizia que deveriam reagir. Na nossa presença, têm valores baixos; quando saem do nosso lado, valores altos. São os “hipertensos mascarados”.

Isto só foi possível detetar quando se começaram a fazer os registos ambulatórios da pressão arterial 24 horas de forma maciça. E a percentagem não é despicienda. Particularmente nos idosos.

HN – Então, a melhor maneira de tirar dúvidas é mesmo o registo ambulatório da PA 24 horas?

JGC – Esse é, de facto, o padrão de ouro, isto é, a melhor maneira de caracterizar a hipertensão, o tipo de hipertensão, a hora de administração da medicação e a eficácia da mesma.

Entrevista de Adelaide Oliveira

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