Prof. Doutor José António Pereira da Silva Diretor do Serviço de Reumatologia do CHUC e diretor científico do projeto MyFibromyalgia

Dia Mundial da Fibromialgia: Haja respeito!

05/12/2021

A fibromialgia persiste como o patinho feio da Medicina e, em especial, da Reumatologia.
Os doentes sofrem de dores que tipicamente afetam o corpo todo, cansaço excessivo, por vezes ao nível da exaustão, perturbações do sono e da memória, bem como tendência à depressão, além de muitos outros sintomas. Esta condição incapacitante, que afeta cerca de 4% das mulheres adultas e 2% dos homens, tem um tratamento geralmente insatisfatório.
Muitos médicos continuam de manifestar a sua relutância e incómodo em cuidar estas pessoas e alguns expressam mesmo a convicção de que a doença não existe! Muitos doentes relatam ter ouvido de médicos a afirmação de que “Está tudo na sua cabeça!” – como se o portador de fibromialgia pudesse dispensar a cabeça da sua vida ou entrar no consultório sem ela, como se pudesse manipular livremente tudo o que se lá passa, como se não habitasse nela o grande maestro toda a maravilha da existência, o órgão mais complexo do corpo humano, quiçá, de toda a existência!
É também na cabeça que habitam doenças de inquestionada autonomia e destacado impacto social, como as doenças do foro psicológico em geral. Também elas, como a fibromialgia, são desprovidas de alterações físicas observáveis ou de provas laboratoriais de sua existência! Também elas, como a fibromialgia, derivam a sua autonomia da experiência clínica acumulada e do consenso de médicos e investigadores. Também elas têm o seu diagnóstico formal dependente de inquéritos e critérios subjetivos. Também elas, como a fibromialgia, veem a sua autonomia demonstrada por estudos biológicos avançados e inquestionáveis, ainda que exteriores à prática regular da Medicina, como seja a ressonância magnética funcional. Esses estudos tornam evidente, para além de qualquer suspeita, que o doente com fibromialgia sofre efetivamente as dores que descreve: são os centros cerebrais que gerem a dor que se ativam quando o doente descreve dor, não os centros da imaginação!
Demonstrado isto, é, obviamente, inaceitável do ponto de vista científico e ético, que os doentes com fibromialgia continuem a receber, por parte dos profissionais de saúde, manifestações de desinteresse, suspeição ou invalidação! É sumamente injusto que a fibromialgia continue a ser simplesmente descartada como causa de incapacidade para fins de segurança social! É igualmente lamentável, embora mais compreensível, que o mesmo se passe com familiares, empregadores, colegas, serviços sociais e sociedade em geral!
Compreende-se, naturalmente, que o médico tenha dificuldade em lidar com uma doença que não tem sinais objetivos nem alterações laboratoriais, mas poderia isso justificar que se desse ao direito de descartar a depressão ou a esquizofrenia, por exemplo? Poderia isso tornar razoável que dissesse ao doente “Está tudo na sua cabeça”, que é como quem diz… “Trate você disso! Resolva-se!!” Seria concebível que o médico dissesse ao doente com diabetes: “O seu problema é falta de insulina. Está tudo no seu pâncreas! Resolva isso!”?
Compreende-se ainda que o médico tenha reservas na aceitação plena de uma condição com mecanismos tão complexos e misteriosos como a fibromialgia, ainda por cima, desprovida de meios eficazes de tratamento. Mas isso não lhe dá o direito de duvidar da existência do que só o doente pode avaliar: dor e cansaço, por exemplo. Será forçoso reconhecer que a limitação atual na compreensão da fibromialgia está na ignorância do médico ou da Medicina – é completamente despropositado colocar essa responsabilidade (ou a “culpa” – é assim que os doentes se sentem!) aos ombros do doente. Já lhes basta ser a principal vítima da falta de meios eficazes de tratamento, também ela responsabilidade da Medicina!
A pessoa com fibromialgia sofre aquilo que diz que sofre!

4 Comments

  1. Paula Coelho

    Muito obrigada pelas suas palavras. É tão frustrante ser doente de fibromialgia e ninguém acreditar…

  2. Susana Maria Moreira Araújo Silva

    É preciso criar grupo de acompanhamento à doentes com fibromialgia (psicológico, medicina física, neurologia, nutrição, ortopedia, reumatologia e psiquiatria. Dar mais apoio( isenção das taxas moderadoras e subsídio para apoiar a doença (ausência ao trabalho)

  3. Sandra Leite

    É uma vergonha que no Brasil esta doença é mais que reconhecida e já existam equipas multi-disciplinares para tratarem destes doentes e em Portugal, país Europeu esta doença seja tratada como uma doença imaginária e os doentes sejam ignorados e muitas das vezes humilhados.

  4. Maria Ralha

    Ter fibromialgia em estado avançado me faz pedir a Deus que me leve para junto dele … não dá para viver…

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

ULS de Braga celebra protocolo com Fundação Infantil Ronald McDonald

A ULS de Braga e a Fundação Infantil Ronald McDonald assinaram ontem um protocolo de colaboração com o objetivo dar início à oferta de Kits de Acolhimento Hospitalar da Fundação Infantil Ronald McDonald aos pais e acompanhantes de crianças internadas nos serviços do Hospital de Braga.

DE-SNS mantém silêncio perante ultimato da ministra

Após o Jornal Expresso ter noticiado que Ana Paula Martins deu 60 dias à Direção Executiva do SNS (DE-SNS) para entregar um relatório sobre as mudanças em curso, o HealthNews esclareceu junto do Ministério da Saúde algumas dúvidas sobre o despacho emitido esta semana. A Direção Executiva, para já, não faz comentários.

FNAM lança aviso a tutela: “Não queremos jogos de bastidores nem negociatas obscuras”

A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) disse esta sexta-feira esperar que, na próxima reunião com o Ministério da Saúde, “haja abertura para celebrar um protocolo negocial”. Em declarações ao HealthNews, Joana Bordalo e Sá deixou um alerta à ministra: ” Não queremos jogos de bastidores na mesa negocial. Não queremos negociatas obscuras.”

SNE saúda pedido de relatório sobre mudanças implementadas na Saúde

O Sindicato Nacional dos Enfermeiros (SNE) afirmou, esta sexta-feira, que vê com “bons olhos” o despacho, emitido pela ministra da Saúde, que solicita à Direção-Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) um relatório do estado atual das mudanças implementadas desde o início de atividade da entidade.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights