Entrevista a Aníbal Ferreira: “A Covid-19 é um bom exemplo de lesão renal aguda”

22 de Maio 2021

A Covid-19 é um bom exemplo de lesão renal aguda. É muito frequente e chega a atingir 30 a 40% de todos os doentes em UCI. Tem sobretudo a ver com esta lesão de perfusão renal com a sépsis que se instala.

A Lesão Renal Aguda “é uma agressão nos rins” que se manifesta pela deterioração da função renal e, em alguns casos, pela diminuição do volume da urina. De acordo com o Presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia esta complicado pode ter “múltiplas causas”, podendo conduzir à insuficiência renal crónica. Aníbal Ferreira explica que a Covid-19 é um exemplo de uma lesão renal aguda.

O que é a Lesão Renal Aguda?
É uma agressão no rim que pode ter múltiplas causas. Como o nome indica são causas agudas e que vão ter, felizmente, uma cura total em muitos casos. No entanto, a Lesão Renal Aguda por evoluir para uma insuficiência renal crónica, caso não se verifique uma recuperação integral do tecido renal.

Quis são as principais causas?
A Lesão Renal Aguda (LSA) pode ser provocada por aquilo que chamamos ‘causas pré-renais’, isto é, todas as causas que levam a que haja um compromisso do fluxo sanguino que irriga os rins. Por exemplo, uma situação de desidratação ou compromisso da função cardíaca… Tudo quando sejam situações em que se registe uma diminuição da perfusão destes órgãos. A isto chamamos causas pré-renais (causas que ocorrem antes do próprio rim e que vão levar a esta LRA).

Depois temos as causas renais propriamente ditas, ou seja, aquelas que ocorrem dentro dos órgãos em si. Podemos ter várias causas associadas a fármacos (quando há uma reação alérgica com inflamação do próprio rim) ou a lesões renais imunológicas (em que há uma inflamação dos vasos renais que pode levar a uma insuficiência renal aguda, de causa renal).

Que tipo de doentes é que têm maior risco de desenvolver uma Lesão Renal Aguda? São doentes em Unidades de Cuidados Intensivos?
Se há área em que há uma percentagem muito elevada de doentes com insuficiência renal aguda é precisamente nas UCI como disse e muito bem.

No caso das unidades de grandes queimados a LSA só será ultrapassada cerca de 30 a 40% devido à diminuição da irrigação e de passagem de líquidos para fora dos vasos.

Nas UCI é extremamente frequente por vários motivos. Por exemplo, os doentes em choque séptico, em casos de pós-operatório ou pela junção dos dois. Muitas vezes a sépsis ocorre a seguir a uma cirurgia.

A Covid-19 é um bom exemplo de lesão renal aguda. É muito frequente e chega a atingir 30 a 40% de todos os doentes em UCI. Tem sobretudo a ver com esta lesão de perfusão renal com a sépsis que se instala.

Portanto, as UCI pelos doentes críticos que tratam são precisamente uma das áreas onde se verifica mais frequentemente LRA.

Está associada a um aumento da taxa de mortalidade hospitalar?
Sim, muito significativamente. Sabemos que é um dos principais fatores de risco de mortalidade nestes doentes. Quando se faz analise dos doentes em UCI é quando desenvolvem insuficiência renal aguda… A necessidade de diálise destes numa UCI associa-se a um aumento da mortalidade muito grande. Pode chegar a ser quatro a cinco vezes superior comparativamente com os doentes que não fazem diálise.

Quais são os sinais mais relevantes da LRA?
Manifesta-se de diferentes formas. Os sintomas e sinais mais relevantes são: o aumento da creatinina (o marcador laboratorial de função renal, que quando começa a subir significa que há uma deterioração da função renal) e, em alguns caso, da diminuição da diurese (volume urinário). A classificação mais utilizada baseia-se precisamente nestes dois critérios para estabelecer os graus de LRA.

Estas alterações permitem facilitar o diagnóstico. Ao contrário da Insuficiência Renal Crónica, a Insuficiência Renal Aguda dificilmente passa despercebida. Até porque por regra geral surge neste conjunto de outras patologias que já sabemos que vão evoluir facilmente para um risco muito aumentado de LRA.

Quais são os meios de diagnóstico disponíveis?
Os principais meios dependem obviamente da causa. Por exemplo, quando estamos perante uma avaliação em doentes que ainda não precisem de cuidados tão agudos baseia-se sobretudo em nos dados laboratoriais.

Nalguns casos temos de avançar com uma biopsia renal que nos vai permitir perceber qual é o tipo de lesão renal – se é mais de natureza pré-renal, se é a sua autoimunidade ou se resulta de algum fármaco.

Como é feita a terapêutica?
Também é realizada em função das causas. Se for um doente que está desidratado, fundamentalmente é hidratado. Se for um doente que está em choque séptico temos que tratar a sépsis com antibióticos e com manutenção dos parâmetros vitais. Se for uma insuficiência renal propriamente dita por LRA, associada por exemplo a uma vasculite, temos de fazer imunossupressão.

A terapêutica vai depender muito do quadro e dos dados do diagnóstico.

A LRA pode ser prevenida?
Pode ser em muitos casos, sobretudo se forem conhecidos os principais fatores de risco. Pode ser prevenido o seu agravamento e a repercussão se em casos iniciais se conseguir reverter as agressões do rim.

Infelizmente há várias situações que não permitem conseguir estabilizar o doente e colocá-lo numa situação que evite a insuficiência renal aguda que já sabemos que vai surgir depois de um doente ser sujeito a uma cirurgia ou a fazer a estabilização numa infeção viral severa com séspis. Portanto, eu diria que sim; pode ser prevenida em muitos casos, mas os nefrologistas e os intensivistas há muito que procuram, sem grande sucesso, encontrar marcadores muito precoces que nos indiquem que vão evoluir para a insuficiência renal aguda e conseguem passar sem LRA. Não há marcadores por enquanto que nos permitam facilmente esta separação. Há alguns que são utilizados na área da investigação e não propriamente na área clínica.

 

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