Sérgio Cunha Velho: Equilíbrio sódio/potássio é fundamental para a prevenção da hipertensão

06/22/2021
Sérgio Cunha Velho Pediátrico no Hospital de Coimbra.

“Níveis muito baixos de potássio podem causar retenção hídrica, diminuir a excreção de sódio através da urina e aumentar a pressão arterial”, explica o nutricionista Sérgio Cunha Velho, do Hospital Pediátrico de Coimbra.

HealthNews (HN) – Porquê a necessidade de um equilíbrio entre o sódio e o potássio na nossa alimentação?

Sérgio Cunha Velho (SCV) – Falamos muitas vezes no sal porque o seu conteúdo de sódio pode estar na génese de uma série de patologias, como a hipertensão, mas convém não esquecer que o sódio é imprescindível à vida. Como diz o povo: “tudo se quer com conta, peso e medida”.

Em contrapartida, fala-se pouco da relação sódio/potássio, que não podem ser dissociados porque necessitamos de uma relação ótima entre estes dois sais minerais para assegurar uma boa regulação do organismo.

O equilíbrio hidro – eletrolítico do nosso organismo depende, fundamentalmente, da água, do sódio e do potássio que ingerimos.

O cloro também é importante mas os principais minerais para assegurar esse equilíbrio, são o sódio e o potássio, daí que a relação sódio/potássio deve ser sempre inferior a 1. Isso significa que os adultos não devem ingerir quantidades superiores a 5 gramas de sal por dia, que fornecem aproximadamente 2 gramas de sódio, e as crianças com idade superior a  dois anos, não devem ir além dos 3g de sal. Quanto ao potássio, devemos ingerir cerca de 3, 5 gramas por dia para mantermos a relação desejável entre estes dois nutrientes.

O potássio é um nutriente muito importante para o bom funcionamento do organismo humano. Níveis muito baixos de potássio podem causar retenção hídrica, diminuir a excreção de sódio pela urina, aumentar a pressão arterial, interferir no metabolismo dos hidratos de carbono e na contração muscular, entre outros.

HN – Onde é que encontramos o potássio na nossa alimentação?

SCV – Encontramo-lo fundamentalmente em alimentos que, infelizmente, a população portuguesa consome em quantidades inferiores àquelas que são recomendadas: os produtos hortícolas e a fruta.

Os frutos oleaginosos, como as nozes e as amêndoas, também contêm teores interessantes de potássio mas o seu consumo é esporádico e, portanto, não contribuem muito para o aporte diário deste nutriente.

HN – Os frutos oleaginosos, além de serem caros, engordam. Precisamos de consumir grandes quantidades?

SCV – Não precisamos (nem devemos) consumir grandes quantidades porque isso iria traduzir-se numa acrescida quantidade de gordura . Embora seja uma“gordura boa” para o organismo, uma vez que é polinsaturada, não devemos ingerir grandes quantidades para não aumentar o peso. Duas a três nozes por dia seriam suficientes para um aporte de ácidos gordos polinsaturados semelhantes àqueles que são fornecidos por uma posta de peixe, de uma quantidade de potássio razoável, e de um aminoácido muito interessante, a arginina, que ajuda na vasodilatação.

Além de não pesarem muito no orçamento familiar, 2 a 3 nozes fornecem entre 40 a 60 Kcal, valor calórico muito baixo comparativamente ao que muitas vezes ingerimos através de alimentos nada saudáveis.

HN – A hipertensão está aumentar nas crianças e nos jovens. Como vê o problema da alimentação nestas faixas etárias?

SCV – Um dos problemas da alimentação dos jovens, dos adultos jovens e também, segundo um estudo publicado há alguns anos em Portugal, de alguns “idosos jovens”, é consumirem muitos alimentos processados. Alimentos pré-confecionados, ultracongelados, pizzas, hamburguers…são muito práticos porque as pessoas chegam a casa, colocam-nos no micro-ondas e, 10 a 20 minutos depois têm a refeição pronta, mas o meu conselho é limitar ao máximo este tipo de alimentos por serem, por regra, muito ricos em sódio e gorduras quimicamente modificadas pelo processo de fabrico “isómeros Trans” e que são muito prejudiciais para a saúde. Como se isso não bastasse, por regra, estas “refeições” não são acompanhadas por produtos hortícolas nem por fruta, o que nos conduz, uma vez mais, a um baixo consumo de potássio.

HN – Para o açúcar, temos os adoçantes como alternativa. E para o sal?

SCV – Temos a Salicórnea, uma planta que prolifera com grande facilidade  junto às salinas. Possui um teor mais baixo de sódio e é ligeiramente diferente daquele que é veiculado pelo sal.

Quem estiver junto ao mar pode colhê-la e temperar as saladas ou outros alimentos, evitando o sal. Pequenas porções de salicórnea conferem o sabor do sal mas sem comprometer o aporte do sódio.

Também existe Salicórnea liofilizada. É um pouco cara mas deve ser adicionada em pequenas quantidades, pelo que constitui uma alternativa a ser considerada.

A Salicórnea é, em relação ao sal, o correspondente aos edulcorantes relativamente ao açúcar. Estudo-a desde há muitos anos. Inclusivamente, fiz um projeto para idosos que incluiu a utilização desta planta nas diversas confeções culinárias – infelizmente, ainda não foi implementado – porque é um grupo etário, sobretudo em Portugal, que consome muitíssimo sódio, com todas as desvantagens que daí advêm para a sua saúde.

Os números são esclarecedores. Segundo um estudo efetuado em 2018 com 1.500 idosos portugueses, coordenado pelo Prof. Pedro Moreira, e publicado na Food and Nutrition Research, mais de 90% dos homens e 80% das mulheres idosos ingeriam sal em excesso. Em média, era o triplo do valor recomendado pela Organização Mundial da Saúde, e alguns deles chegavam  quase aos 30 gramas de sal por dia.

HN – É fácil encontrar salicórnea à venda?

SCV – Encontra-se à venda na internet, nalgumas superfícies comerciais e nas lojas de produtos naturais. Mas se a pessoa não tiver acesso à Salicórnea, há outros truques e processos que deve utilizar para temperar as comidas, diminuindo a adição de sal. Por exemplo, adicionar um pouco de alho, limão, vinagre, coentros, salsa, cebolinho…Todos estes temperos e ervas aromáticas ajudam a reduzir o sal. Fazem parte da chamada “dieta mediterrânica”, um tipo de alimentação bastante saudável, desde que esteja próxima da original.

HN – Em Portugal, estamos muito longe da dieta mediterrânica, não é?

SCV – Infelizmente, estamos bastante longe, embora haja alguns movimentos interessantes que estão a pugnar por ela. O aumento do consumo de peixe, de produtos vegetais, e do azeite em detrimento das chamadas “carnes vermelhas” e dos óleos, constituem os grandes pilares da dieta mediterrânica.

HN – As gerações mais jovens têm bastante mais informação do que as anteriores. Mas isso é suficiente para modelar uma mudança de hábitos?

SCV – A informação não induz necessariamente a mudança de hábitos alimentares. Um dos grandes entraves reside na falta de tempo, transversal a todas as camadas sociais, para confecionar refeições mais saudáveis.

Por outro lado, as camadas sociais com menos rendimentos têm tendência a consumir alimentos muito calóricos, como batatas fritas e refrigerantes.

Se não houver a preocupação em criar hábitos saudáveis desde a infância, vamos ter gerações futuras cada vez menos saudáveis. Com exceção dos nórdicos, infelizmente nenhum governo, incluindo o português, apostou a sério na prevenção das doenças crónico-degenerativas – hipertensão, doenças cardiovasculares, AVC, diabetes…Não poderão ser evitadas totalmente mas podem ser proteladas para idades mais avançadas e com menores riscos ou menor intensidade.

Há estudos que apontam que se diminuíssemos a ingestão de 2 gramas de sal por dia – o que equivale a menos 0,8 gramas de sódio – a incidência de AVC nos cinco anos seguintes poderia baixar entre 30 a 40%. Contas feitas, evitaríamos cerca de 11 mil casos por ano.

HN- Tem alguma explicação para o facto de as pessoas já não ficarem chocadas com os números do AVC?

SCV – Não ficam chocadas, tal como não ficaram, no início, com a Covid-19. Mas quando começaram a ter familiares, amigos ou conhecidos que adoeceram e morreram, as pessoas viram como o perigo é real.

No caso das doenças crónico-degenerativas, as pessoas raramente as associam a estes fatores alimentares maléficos que foram praticando ao longo da vida. Ou seja, não estão educadas para a Saúde, que era o que se deveria fazer, em vez de educar para o tratamento, que é aquilo que se faz.

HN- No tratamento, até nem somos nada maus mas na prevenção da doença…

SCV – Exatamente. Portugal tem um dos melhores Serviços Nacionais de saúde, mas não compreendo como podem existir tão poucos Nutricionistas nos Cuidados de Saúde Primários, onde a alimentação passa despercebida desde os netos aos avós. Tivemos, e temos, uma oportunidade de ouro para investir na Saúde, só que esse investimento não é visível no imediato e, por isso, os Governos e os governantes e até mesmo a população em geral, não lhe dão a devida importância.

Costumo dizer que, sem Nutricionistas para implementar as diretivas emanadas pela Direção-Geral da Saúde e outras Organizações para a alimentação nas escolas, é equivalente a ter a Bíblia sem padres! É preciso que haja alguém que saiba interpretar, transmitir a mensagem e educar. Ora, a educação só começa quando conseguimos que o nosso interlocutor mude de atitudes e de hábitos em função daquilo que lhe transmitimos. Enquanto isso não acontecer, não estivemos a educar, estivemos a debitar ciência ou conhecimentos que, por si só, não geram a mudança de atitudes e/ou de hábitos.

Se queremos ter uma população mais saudável e com muito menos gastos, proporcionando um SNS sustentável, temos de investir fortemente na  educação para a Saúde.

Entrevista de Adelaide Oliveira

2 Comments

  1. Paula Cristina Lopes

    Excelente entrevista com um dos mais conceituados Nutricionistas Portugueses.
    Parabéns Dr. Sérgio pelas suas sábias e sempre oportunas palavras.
    P Cristina Lopes

  2. Fernanda velho

    Muito obrigada Sérgio Foi esclarecedor. Gostaria que abordasses o que é bom para o cérebro, evitar as demências, as depressões…Onde se vai arranjar a serotonina ? Se me informares fico grata Beijinho e fica bem

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