Lívia Sousa: “Nos próximos anos podemos ver vacinas contra vírus envolvidos em doenças neurológicas”

06/29/2021
Para a especialista em Neurologia, Lívia Sousa, a “investigação desencadeada pela Covid-19 pode abrir portas importantes para curar doenças” como as neurológicas e neuromusculares. A tecnologia RNA mensageiro é, assim, apontada como uma possível arma revolucionária. “Se for descoberta uma vacina contra o vírus Epstein-Barr vamos ter possibilidade de salvar alguns doentes que viriam a ter Esclerose Múltipla”. Em conversa com o nosso jornal a especialista sublinha a importância de plataformas que promovam o conhecimento científico.

HealthNews (HN)- Recentemente foi anunciado um novo portal de conteúdo científico em Neurologia que visa apoiar profissionais de saúde na prática clínica. Enquanto especialista nesta área qual o papel do Neurodiem na atualização contínua sobre os avanços científicos em Neurologia?

Lívia Sousa (LS)- Este portal é extraordinariamente importante, uma vez que condensa num único espaço os aspetos principais das diferentes áreas de Neurologia. Podemos adaptar este portal a nós próprios. Entre as quinze áreas posso escolher aquelas que me interessam mais e indicar a periocidade com que quero que esses materiais me cheguem.

Os conteúdos são repartidos por diferentes formas, sendo alguns sob a forma de pequenas apresentações de palestras dos especialistas internacionais e nacionais das diferentes áreas. No portal temos, também, acesso às revistas principais em Neurologia (algumas sobre a área em geral e umas mais focadas nas subespecialidades). Podemos fazer o download de alguns artigos.

HN- Sabe-se que as doenças neurológicas e neuromusculares podem causar grande incapacidade na vida profissional, pessoal e social dos doentes. Do seu ponto de vista que tipo de informação deve ser disponibilizada aos médicos, enfermeiros e farmacêuticos de modo a garantir melhor acompanhamento e cuidados aos doentes?

LS- A informação essencial diz respeito à génese das doenças, as consequências e como se podem tratar, quer com fármacos ou com outras técnicas. Sabemos que o exercício e reabilitação funcional dos doentes têm um papel relevante. No portal temos acesso a artigos de reabilitação nas diferentes áreas. É importante que o neurologista esteja alerta para a importância da reabilitação funcional dos doentes e de exercícios para evitar sequelas. No caso do Alzheimer há pouca oferta de tratamento e sabemos que o exercício físico regular pode ter algum efeito preventivo. Portanto, todas essas informações que temos tido nos últimos anos passam a estar disponíveis no portal. Há um corpo editorial, composto por especialistas nas diferentes áreas, que faz a seleção dos artigos mais relevantes.

HN- Quais as principais necessidades sentidas em termos de investigação científica visando a promoção da qualidade de vida de quem vive com algum deste tipo de doenças?

LS- Ainda estamos um pouco atrasados no que respeita ao tratamento não-farmacológico. No entanto, cada vez mais há alertas para o estilo de vida saudável (boa alimentação, evitar o tabagismo, o consumo de álcool e as substâncias nocivas). É muito importante, no tratamento do doente, ter uma atitude holística. Não se pode olhar apenas para os fármacos que a pessoa deve tomar, mas ter uma atitude em relação ao doente que promova a qualidade de vida. Sabemos que o estilo de vida tem forte impacto nas doenças crónicas. No caso da esclerose múltipla é importante controlar a tensão arterial, os níveis de colesterol, a diabetes e outros fatores como a alimentação para que não haja uma soma de problemas.

HN- A nível nacional o investimento que é feito nesta área é suficiente para garantir o desenvolvimento de terapêuticas e soluções inovadoras?

LS- A nível nacional vamos fazendo o que podemos. Temos excelentes neurologistas. Fazemos investigação e estamos integrados em equipas europeias… Claro que temos algumas limitações que têm que ver com o financiamento. Globalmente, o país tem dificuldades económicas e isso, como é natural, reflete-se em todas as áreas.

HN- Apesar dos avanços alcançados no tratamento destas doenças, a cura é ainda uma miragem?

LS- Já estivemos mais longe. Ninguém diria que iriamos ter uma vacina para a Covid-19 em menos de um ano. Isto significa que se houve vontade e meios é possível encontrar a cura para algumas doenças. No caso da esclerose múltipla houve grandes avanços. Há trinta anos tinha doentes em cadeira de rodas ou macas. Hoje em dia, os doentes não se reconhecem na rua.

Alertarmos os doentes para os fatores de risco é muito importante. Antigamente insistíamos muito para a medicação, hoje insistimos no exercício físico, na recuperação de défices e na alimentação saudável.

HN- Com a comunidade científica centrada na descoberta de tratamentos para a Covid-19 é esperada uma penalização nesta área?

LS- Numa apresentação, na Academia Americana de Neurologia, o imunologista Anthony Fauci disse que o conhecimento da tecnologia de RNA mensageiro veio abrir esperanças para a cura de outras doenças. Nos próximos anos podemos ver vacinas contra vírus que estão envolvidos em doenças neurológicas, como por exemplo a esclerose múltipla (EM). Sabemos que todos os doentes têm infeção pelo vírus Epstein-Barr. Se for descoberta uma vacina contra este vírus vamos ter possibilidade de salvar alguns doentes que viriam a ter EM, assim como também poderia ser possível que os doentes com EM recuperassem, pelo menos, parte da função. Pensa-se que o vírus Epstein-Barr pode ter um papel importante na progressão da doença. Sabemos, ainda, que este vírus esta envolvido em alguns tipos de cancro.

Toda esta investigação desencadeada pela Covid-19 pode abrir portas importantes para curar doenças.

HN- Após um ano e meio de pandemia os especialistas têm vido a alertar para o impacto da infeção pelo SARS-CoV-2 no sistema nervoso central dos doentes. Quais as sequelas que mais a preocupam?

LS- Infelizmente ainda há pouca informação sobre as sequelas, mas já se fala da fadiga, cefaleia, dores musculares e alterações na memória que podem aparecer após a infeção da Covid-19. Para além da vacinação a descoberta de medicamentos que tratem o vírus por SARS-CoV-2 é muito importante para evitar as sequelas.

De facto, quando o vírus surgiu começou-se de imediato a investigação na vertente neurológica. É um assunto que nos preocupa. A Covid-19 não vai desaparecer tão depressa… Vamos ter de uma forma crónica e se tivermos um tratamento antivírico eficaz vai ser possível evitar as sequelas.

Entrevista de Vaishaly Camões

4 Comments

  1. Maria Sousa

    Parabéns pelo excelente trabalho!!!

  2. Pedro da Costa Pinto

    Always moving forward forward!!!
    Bem haja Dra Livia

  3. Cláudia Machado

    Bem haja Dr Lívia Sousa foi um anjo que nos apareceu na vida , pois ela tem sido impecável com o meu marido ele sofre de cefaleias em salva cluster e ela tem ajudado mto .obrigada doutora.

  4. António Rocha

    Esta senhora (Dra. Livia) é realmente uma sumidade no seu ‘galho’,perdoe a franqueza, isto porque sendo eu EM, tentou com sucesso, dar a volta às minhas complicações.
    Obrigado Dra Livia!!!
    Com admiração
    Pinto da Rocha

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