Covid-19 afetou rastreios, testes e profilaxia ao VIH/sida

13 de Agosto 2021

A pandemia de Covid-19 afetou os rastreios e testes ao VIH/sida, bem como a profilaxia pré-exposição, que está “longe” dos objetivos a que se propôs, assinalam médicos e organizações no terreno.

Em declarações à Lusa, Isabel Aldir, médica infeciologista que até há pouco liderava o Programa Nacional para a Infeção VIH/sida, confirma que a diminuição de testes e rastreios “é preocupante” e resulta de uma “relação claríssima” com a pandemia de Covid-19.

Recordando que Portugal atingiu em 2017 o patamar de “90% de pessoas diagnosticadas”, a médica infeciologista realça que “o esforço de rastreio tem de ser continuado”, para se atingir o segundo patamar, de 95%.

“Não podemos descansar”, diz, apelando a “um maior investimento em termos de esforço de diagnóstico, para não se desperdiçar oportunidades de rastreio”.

Em maio, a Direção-Geral da Saúde (DGS) apelou à realização de testes à infeção por VIH, constatando que a pandemia de Covid-19 levou a uma diminuição dos despistes a nível mundial.

A Covid-19 já matou mais de 4,3 milhões de pessoas em todo o mundo, desde que foi identificada, em novembro de 2019, na China.

A sida, doença infecciosa igualmente pandémica, sem cura mas tratável, matou 34,7 milhões de pessoas desde que foi diagnosticada, há 40 anos. Segundo dados das Nações Unidas, outras tantas pessoas viviam com VIH/sida em 2020, estimando-se que 1,7 milhões tenham contraído o vírus em 2019 (uma redução de 23% desde 2010).

Também a presidente da Liga Portuguesa Contra a Sida está “preocupada com a diminuição de consultas e testes de rastreio, fortemente afetados pela pandemia”.

Em declarações à Lusa, Eugénia Saraiva estima mesmo uma “redução dos testes de rastreio em mais de 75%” e assinala o “impacto da covid nos médicos infeciologistas”, que foram redirecionados para o combate à pandemia.

O que se passa em Portugal não é distinto da situação noutros pontos do mundo. Em junho, investigadores americanos concluíram que a Covid-19, ao desviar recursos, perturbou a luta contra o VIH, que sofrerá um retrocesso no objetivo de eliminar a epidemia até 2030.

Aliás, esses especialistas acreditam mesmo que os Estados Unidos podem registar, em breve, o primeiro aumento de infeções em anos.

Simultaneamente, a profilaxia pré-exposição (PrEP) – tomada antes da ocorrência de um comportamento de risco, prevenindo a infeção – também está a ser “afetada” pela pandemia, observa Eugénia Saraiva. “Estamos longe [das metas fixadas]”, constata.

O objetivo da PrEP – comparticipada a 100% pelo Serviço Nacional de Saúde desde 2017 – era chegar a 10 mil pessoas (estimativa de risco), quando, segundo estimativas de Isabel Aldir e do Grupo de Ativistas em Tratamentos – GAT, ainda não passou das “mil a duas mil”, na melhor das hipóteses.

“Esta área também foi bastante afetada pela pandemia”, conclui Isabel Aldir, sublinhando que “as primeiras consultas foram maioritariamente interrompidas”, mantendo-se o acompanhamento das pessoas que já estavam a fazer a PrEP.

Porém, diz a médica infeciologista, neste caso a pandemia apenas piorou um cenário que já não tinha uma cadência normal antes.

Isabel Aldir defende, por isso, “uma estratégia diferente”, assinalando o facto de a PrEP ainda só estar disponível “em exclusivo nos hospitais” é um obstáculo.

“Estamos a falar de pessoas que não estão infetadas e que se querem prevenir, por isso é preciso deslocar a resposta para outros locais que não os hospitais, mais próximos da população. Estava-se a trabalhar nisso quando se atravessou a pandemia e ficou tudo congelado”, recupera.

Questionada sobre a cobertura da PrEP e a conformidade desta com as metas delineadas, a Direção-Geral da Saúde não respondeu.

Já o Infarmed esclareceu que “o mercado se encontra abastecido e não se preveem constrangimentos” dos medicamentos aprovados e financiados para a PrEP.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Internamento do Hospital de Amarante terá 150 novas camas

O internamento do Hospital de São Gonçalo, em Amarante, vai ter mais 150 camas, alargamento incluído numa obra que deverá começar no próximo ano e custará 14 milhões de euros, descreveu hoje fonte da ULS Tâmega e Sousa.

Combinação de fármacos mostra potencial para melhorar tratamento do cancro colorretal

Estudo pré-clínico liderado pela Universidade de Barcelona descobriu um mecanismo metabólico que explica a resistência das células de cancro colorretal ao fármaco palbociclib. A investigação demonstra que a combinação deste medicamento com a telaglenastat bloqueia essa adaptação das células, resultando num efeito sinérgico que reduz significativamente a proliferação tumoral, abrindo caminho para futuros ensaios clínicos

XIV Congresso da FNAM debate futuro do SNS em momento decisivo

A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) vai realizar nos dias 15 e 16 de novembro de 2025, em Viana do Castelo, o seu XIV Congresso, sob o tema “Que Futuro Queremos para o SNS?”. Este encontro, que terá lugar no Hotel Axis, surge num contexto de grande incerteza para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e reunirá mais de uma centena de delegados de todo o país.

Motards apoiam prevenção do cancro da próstata no “Novembro Azul”

No âmbito do “Novembro Azul”, mês dedicado à sensibilização para o cancro no homem, o Núcleo Regional do Sul da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC-NRS) organiza a iniciativa “MEN – Motards Embrace November”, um passeio solidário de motociclistas que combina a paixão pelas duas rodas com a promoção da saúde masculina.

Hospital de Vila Real investe 13 milhões na ampliação da urgência

A Unidade Local de Saúde de Trás-os-Montes e Alto Douro (ULSTMAD) anunciou um investimento de 13 milhões de euros para a ampliação do serviço de urgência do Hospital de Vila Real. O valor, financiado a 50% pelo programa Norte 2030, destina-se a melhorar as condições de trabalho dos profissionais e o atendimento aos utentes.

André Gomes (SMZS) “Médicos satisfeitos não precisam de ser prestadores de serviços”

Em entrevista exclusiva ao HealthNews, André Gomes, recém-eleito presidente do Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) para o triénio 2025-2028, traça as prioridades do mandato. O foco absoluto é inverter a perda de poder de compra e a degradação das condições de trabalho no SNS. A estratégia passa por pressionar o Ministério da Saúde, já em mediação, para repor direitos como as 35 horas e atualizar salários. Combater a precariedade e travar a fuga de médicos para o privado e internacional são outras batalhas, com a defesa intransigente de um SNS público como bandeira

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights