A estratégia que transformou a vacinação “cambaleante” numa referência mundial

28 de Setembro 2021

O arranque "cambaleante" da vacinação levou a `task force´ a criar um estado-maior para planear e controlar um processo que, cerca de 240 dias depois, termina como uma referência internacional, refere um documento a que a Lusa teve acesso.

Iniciado a 27 de dezembro de 2020, os primeiros meses do plano de vacinação para combater o vírus SARS-CoV-2 “foram inseguros e cambaleantes, originando, uma descredibilização, por parte da opinião pública, em grande parte devido aos inúmeros casos de suposta vacinação indevida”, avança o documento da `task force´ que vai ser publicado na Wikipédia sobre a organização e estratégia desenvolvida desde fevereiro.

Em 03 de fevereiro, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, um submarinista com mais de quatro décadas de vida militar, assumiu a liderança da estrutura que já integrava, na sequência da demissão do coordenador Francisco Ramos e numa altura em que o país tinha poucas vacinas e cerca de 02% da população vacinada, muito longe da meta de 85% agora quase atingida.

“Foi de imediato tomada a decisão de reforçar a estrutura de planeamento e controlo do processo, ao nível estratégico”, refere o documento, sendo uma das primeiras medidas a criação do estado-maior do coordenador da `task force”, constituído por civis e militares dos três ramos das Forças Armadas, num total de 36 elementos.

Entre as prioridades deste estado-maior, esteve a capacidade de resposta do sistema, alargando e uniformizando os postos de vacinação, em colaboração com as autarquias, e criando cerca de 300 centros de vacinação Covid-19 em todo o território continental.

Dedicou também a sua atenção a “restringir a fuga interpretativa das normas, melhorando a sua clareza e simplicidade, reforçando os mecanismos de reporte obrigatórios e os mecanismos de verificação e auditoria interna, penalizando desvios”, ações que “foram essenciais para a credibilização do plano de vacinação”.

Outra das medidas adotadas por Henrique Gouveia e Melo para assegurar a vacinação do maior número de pessoas no mais curto espaço de tempo foi a simplificação do plano de três para duas fases, estabelecendo dois níveis de prioridades.

O primeiro – salvar vidas e garantir a resiliência do Estado – passou pela vacinação das pessoas mais vulneráveis por escalão etário decrescente e dos profissionais de saúde e de outras áreas como bombeiros, e o segundo – libertar a economia -, imunizando a população em geral, de acordo com a maior disponibilidade de vacinas.

Segundo o documento, neste planeamento inicial, foram identificados “quatro possíveis nós de estrangulamento” do processo – o ritmo de entrega das vacinas a Portugal, a capacidade de distribuição no tempo adequado, a capacidade de vacinação e capacidade de agendamento.

Na prática, a `task force´ debateu-se com um fluxo de entrega de vacinas pelas farmacêuticas, durante todo o plano, “irregular e na maioria do tempo deficitário”.

“Em antecipação a um período de maior escassez de vacinas na Fase 2, o coordenador da `task force incentivou a negociação, por parte do Estado português, e a angariação de vacinas, através da compra ou da permuta com outros estados, permitindo manter um bom `stock´ em períodos de maior escassez. Esta ação permitiu manter um bom ritmo de vacinação e ascender paulatinamente as maiores taxas de cobertura vacinal, quer a nível europeu, quer a nível mundial”, refere o documento.

Outro contratempo identificado pela `task force´ teve a ver com as restrições impostas pelos reguladores a cada tipo de vacina e o aparecimento da variante Delta (inicialmente conhecida como indiana), que “condicionaram o planeamento”.

“Face às diversas restrições impostas às vacinas da AstraZeneca e da Janssen, existiu uma necessidade de permanente ajuste do planeamento e execução para maximizar a eficiência do processo”, adianta.

Além disso, com o surgimento da variante Delta, que é a predominante em Portugal, a meta estimada da cobertura vacinal para atingir proteção coletiva foi elevada de 70% para cerca de 85% da população vacinada com pelo menos uma dose.

Relativamente à distribuição no ritmo e tempo planeados, a capacidade logística dos Serviços de Utilização Comum dos Hospitais “revelou-se eximia na qualidade e profissionalismo dos serviços prestados e, em nenhum momento do processo, o ritmo de distribuição condicionou o plano de vacinação”, assegura o documento da `task force´.

Outro dos desafios iniciais da equipa de Gouveia e Melo passou pela capacidade e urgência da vacinação, tendo sido planeado e testado um modelo, desenvolvido pelas Forças Armadas e pela Direção-Geral da Saúde, de imunizar a população portuguesa, o que levou à criação de cerca de 300 centros, “com a inexcedível colaboração das autarquias”.

Mas o “maior desafio” seria a capacidade de agendamento de milhões de pessoas, o que obrigou os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde a um “enorme e permanente esforço de atualização dos seus processos, bem como ao desenvolvimento de novas soluções `web´ e centralizadas”, com as inerentes “dores de parto” de um processo que estava a decorrer em tempo real, salienta a `task force´.

Nesse sentido, foi possível evoluir de uma fase em que o agendamento era efetuado por chamada telefónica, implicando um número significativo de recursos humanos, para uma marcação em massa e de forma controlada, através de SMS, do autoagendamento e da modalidade “casa aberta”, que passou, posteriormente, a dispor de um sistema de senhas digitais.

“Para além da vacinação por critério etário por ordem decrescente, a `task force´ empenhou-se em efetuar uma vacinação proporcional à densidade populacional em todo o território nacional. Não perdendo o foco, resistiu à pressão de vacinação de grupos específicos, que não se enquadravam no núcleo mais restrito da resiliência do Estado, de regiões específicas, e mais tarde de zonas de maior incidência. Esta estratégia revelou-se um sucesso para a proteção da sociedade e do país como um todo”, salienta o documento.

O estado-maior da `task force´ foi constituído por uma civil e 35 militares da Marinha, do Exército e da Força Aérea e do Estado-Maior General das Forças Armadas, que tinham a responsabilidade do planeamento estratégico, do controlo de execução, da verificação dos resultados e da comunicação estratégica.

Na prática, esta estrutura incluiu um Gabinete do Coordenador da ´task force´, os núcleos de Comunicação Estratégica e de Normas e Simplificação, o Chefe do Estado-Maior do Coordenador, as divisões de Operações Correntes, de Planeamento Estratégico, de Gestão da Informação e de Apoio e os oficiais de ligação às Administrações Regionais de Saúde, aos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, ao Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, à Direção-Geral da Saúde e à Sala de Situação do Ministério da Saúde.

Este grupo, segundo o documento, numa “permanente pressão e constantes desafios, trabalhou afincadamente e com grande entrosamento entre os diversos núcleos e divisões, num permanente ambiente de boa disposição, grande espírito de equipa e sã camaradagem, contribuindo de forma muito significativa para o sucesso da missão”.

Apesar da estratégia desenvolvida, a `task force´ destaca que o processo “não seria possível sem a dedicação incansável e profissional de todas as pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, na distribuição, no transporte, no agendamento, na preparação e na inoculação das vacinas, em especial as equipas de saúde, auxiliares e voluntários” dos centros de vacinação Covid-19.

“Este sucesso, contudo, não seria possível sem a adesão massiva por parte da população portuguesa a este processo de vacinação. Portugal, com larga tradição em campanhas de vacinação, demonstrou ao mundo que possui uma sociedade com maturidade, esclarecida e que confia na ciência”, conclui o mesmo documento.

LUSA/HN

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