Sindicato diz que adesão à greve dos médicos em Angola ultrapassa 95%

6 de Dezembro 2021

O presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola disse esta segunda-feira que a greve que hoje se iniciou, por tempo indeterminado, registou um nível de adesão “altamente surpreendente” no seu primeiro dia, superior a 95%.

“Nós mesmos não contávamos com a adesão de toda a classe médica angolana, o nível de adesão é acima dos 95%, de uma forma geral, e isso para nós é muito importante, porque cada vez mais vamos vendo que a classe médica está coesa”, disse Adriano Manuel, em declarações hoje à agência Lusa.

Segundo Adriano Manuel, a solidariedade da classe nesta greve mostrou que os médicos vão ganhando consciência do seu verdadeiro papel na sociedade.

O dirigente sindical lamentou o tipo de medicina que é feito atualmente no país, “sem qualidade absolutamente nenhuma, sem material de biossegurança, sem laboratórios”.

“Nós fazemos uma péssima medicina. Há doentes que em Angola morrem e que deviam ter sido salvos, se eventualmente as condições tivessem sido criadas. Como não estão [criadas], os doentes morrem, principalmente na periferia. O que nós não queremos é que isso continue a acontecer, por isso é que partimos para a greve”, disse.

Caso não haja resposta às reivindicações, enfatizou Adriano Manuel, a greve vai continuar, salientando que além da melhoria das condições de trabalho, os médicos querem igualmente aumentos salariais.

“Nós precisamos de ter uma melhoria das condições de trabalho. Temos hospitais que não têm nenhum laboratório, nem um raio-X, não têm o básico para se praticar medicina de qualidade. Temos hospitais que não têm nem medicamentos, absolutamente nada. Somos obrigados a mandar os nossos doentes comprarem medicamentos nas farmácias, muitos doentes vêm a convulsionar e não temos medicamento para travar a convulsão”, explicou.

Adriano Manuel criticou ainda a falta de melhoria do sistema de saúde primário, o que leva a enchentes nos hospitais terciários, que se poderiam evitar com investimentos na medicina preventiva, e não curativa.

“O facto de na base não se resolver absolutamente nada estamos a querer resolver o problema no sistema de saúde curativo. O grande problema de Angola é o sistema de saúde primário, a prevenção, o Governo quase ou nada investe na prevenção e não investindo vamos encontrar doentes que poderiam muito bem ser abordados na periferia vêm aos hospitais terciários onde ficam acumulados e morrem porque devido à exiguidade de recursos humanos”, disse.

O presidente do sindicato dos médicos angolanos referiu que foram iniciadas negociações com a entidade patronal sobre o caderno reivindicativo apresentado em setembro passado, mas não se chegou a acordo.

“Acordámos uma coisa e eles dizem que houve um mal entendimento de nossa parte. Não houve mal entendimento da nossa parte, eles estão a querer impor coisas que achamos que não devem impor”, referiu.

Os médicos defendem que devem ser feitas concessões, prosseguiu Adriano Manuel, “e o Ministério da Saúde não quer de maneira nenhuma fazer concessões”.

“Mas nós sabemos porquê. Eles têm orientações partidárias para que não o façam. Por exemplo, uma das nossas concessões foi o facto de eu não voltar para o Hospital Pediátrico David Bernardino. Em condições normais, respeitando a lei, eu deveria ter voltado para este hospital, porque a lei sindical diz que o sindicalista não deve ser transferido para uma unidade no exercício da sua função sem o seu beneplácito, eles fizeram isso, eles impuseram que eu não voltasse e aceitámos”, indicou.

Adriano Manuel considera que há falta de seriedade da parte da entidade patronal, porque não querem retirar o processo disciplinar sobre si e que deve aceitar ser transferido para um hospital escolhido pelo Ministério da Saúde.

“Nós já estamos a ver o que é que isso vai dar. Não retirando o processo disciplinar, sendo transferido para o hospital que eles estão a sugerir, um outro processo disciplinar dá a minha expulsão, então já demos conta do jogo do Ministério da Saúde, por isso é que nós não aceitamos isso”, frisou.

O caderno reivindicativo apresenta como uma das primeiras exigências a recolocação imediata do presidente do Sindicato Nacional dos Médicos de Angola, a sua indemnização pelos danos causados pela sua transferência para os Recursos Humanos do Ministério da Saúde e a nulidade do processo disciplinar.

O referido processo disciplinar foi movido contra o pediatra por denunciar à imprensa a morte de 19 crianças de um total de 24 no banco de urgência do Hospital Pediátrico David Bernardino, tendo sido transferido para o departamento dos Recursos Humanos do Ministério da Saúde, justificado com a necessidade de mobilidade de quadros.

Durante a greve por tempo indeterminado, realçou o sindicalista, estão acautelados os atendimentos às urgências, os cuidados intensivos e as hemodiálises.

“Não podemos de maneira nenhuma prejudicar a nossa população”, disse.

A Lusa questionou o Ministério da Saúde sobre a greve, que remeteu para mais tarde “um possível pronunciamento” sobre o assunto.

LUSA/HN

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