Cientistas do Centro Champalimaud investigam ligação entre cheiros e lugares

22 de Dezembro 2021

Cientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, descobriram em experiências com ratos que os neurónios do córtex olfativo associam cheiros a lugares, indica uma investigação esta quarta-feira publicada na revista científica “Nature”.

Os ratos, predominantemente olfativos ao contrário dos humanos, mais visuais, usam o córtex olfativo ao traçar de um mapa espacial, levando-os a optar por um determinado caminho, e a investigação mostra que essa área poderá ser importante para planear trajetórias e ir de um lugar para outro.

Nos humanos os cheiros transportam-nos no tempo e no espaço e essa associação entre cheiros e lugares parece “profundamente enraizada na cognição humana”, afirma-se num comunicado hoje divulgado pela Fundação Champalimaud, no qual se explica que os cientistas procuraram perceber como as duas coisas estão ligadas no cérebro de ratos, que usaram na experiência. A análise ao comportamento dos neurónios do rato enquanto este se movimentava nunca tinha sido feita, referem.

“As moléculas dos cheiros em si não contêm informação espacial. No entanto, na natureza, os animais utilizam os cheiros para se orientarem, e na memória, o que lhes permite localizar recursos valiosos tais como alimentos”, disse Cindy Poo, primeira autora do estudo, citada no comunicado, explicando que o objetivo da investigação foi tentar perceber como é que o cérebro combina as informações olfativas e espaciais, focando-se no córtex olfativo primário.

Em resumo a investigação destinou-se a tentar perceber melhor o funcionamento do cérebro e como é que este funciona para coisas tão simples como tomar decisões de ir de um lugar para outro.

Zachary Mainen, investigador principal no Centro Champalimaud em Lisboa, líder do estudo, explica no documento que o sistema olfativo é único relativamente a outros sentidos, acrescentando que só o olfato tem ligações diretas recíprocas com o sistema do hipocampo, a região do cérebro associada à memória e navegação espacial.

Sabendo que o sistema do hipocampo envia sinais ao córtex olfativo primário, os cientistas suspeitavam que essa região do cérebro pudesse “estar a fazer mais do que distinguir cheiros”, disse Cindy Poo, explicando que para testar a ideia foram usados ratos num labirinto e determinados odores, para que os ratos aprendessem a memorizar associações de cheiros e lugares.

Enquanto decorria a ação dos ratos os cientistas monitorizaram a atividade dos neurónios numa parte do córtex olfativo primário (chamado córtex piriforme posterior), e conseguiram descodificar o que estimulava certos neurónios (que comunicam entre eles emitindo impulsos elétricos), por exemplo os ratos cheirarem um odor específico ou estarem num determinado local do labirinto.

“Os nossos resultados superaram as nossas expectativas. Tínhamos previsto que alguns neurónios da área poderiam ser sensíveis, até certo ponto, à localização. Mas, ao estudarmos cuidadosamente a atividade dos neurónios do córtex olfativo, enquanto o animal circulava no labirinto, descobrimos que esses neurónios tinham aprendido a mapear a totalidade do espaço à volta”, disse Cindy Poo, citada no comunicado.

A equipa descobriu, segundo o estudo, uma grande população de neurónios que (à semelhança de certas células do hipocampo) se ativavam, cada um, num local específico do labirinto.

E os investigadores perceberam também que no decorrer da experiência células do sistema olfativo se manifestavam num determinado local, mesmo quando aí não havia qualquer cheiro.

“Descobrimos que alguns dos neurónios estudados respondiam ao cheiro, outros ao local e outros ainda aos dois tipos de informação em níveis variáveis. Ora, todos estes neurónios estão misturados uns com os outros e provavelmente interligados. Portanto, podemos especular que a ativação das associações cheiro-espaço possa ser causada pela atividade dentro desta rede”, sugere Cindy Poo no comunicado.

Zachary Mainen diz que os humanos utilizam mais as referências visuais do que as olfativas, e acrescenta: “mas é provável que os princípios que nos permitem lembrar-nos onde estivemos e chegar ao nosso destino sejam muito semelhantes”.

LUSA/HN

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