Casas feitas de garrafas recicladas para deslocados de guerra em Moçambique

23 de Janeiro 2022

Valisse Alficha fugiu duas vezes do conflito entre as forças governamentais e o braço armado da Renamo, primeiro em 2016, sob comando de Afonso Dhlakama, e depois em 2019, dirigido por Mariano Nhongo, tendo saído apenas com a roupa do corpo.

“Eu fugi da Gorongosa (Sofala) para Mucorozi (Manica) quando a guerra estava quente, mas depois tive de fugir novamente para a vila de Gondola porque houve muito confronto na nossa aldeia”, diz à Lusa o camponês que perdeu três dos nove filhos no conflito.

O homem, de 64 anos e com 1,35 metros, conta os dissabores de passar noites ao relento e debaixo de chuva, enquanto entra agachado na sua palhota feita de blocos de argila num subúrbio de Gondola, uma vila ferroviária encostada a Chimoio, a capital de Manica, no centro de Moçambique.

“Quando chegámos aqui a Gondola, após deixar tudo para trás, fomos acolhidos numa igreja e depois levados para este bairro”, onde receberam terrenos.

Homem de fala lenta e trémula, diz que não tem posses “para erguer uma habitação digna”.

O camponês faz parte de 50 famílias desalojadas pelo conflito que vivem em habitações precárias e que vão beneficiar de igual número de casas ecológicas, construídas à base de garrafas plásticas e de vidro apanhadas das lixeiras da vila.

Estas são as primeiras casas ecológicas no centro de Moçambique, um projeto semelhante a outro foi implementado em Maputo, no sul.

Virgílio Jambo, vereador para a área de saúde e saneamento no município de Gondola, refere que o projeto, além de ajudar a limpar a vila, vai solucionar o problema de habitação.

A casa de um quarto, sala e varanda vai usar 17 mil garrafas de plástico, enquanto a de garrafas de vidro vai recorrer a 27 mil, para o mesmo tamanho e compartimentos.

“A ideia é ter um bairro ecológico” diz à Lusa Virgílio Jambo.

A construção das casas ecológicas é da iniciativa da Igreja Anglicana em Moçambique e enquadra-se num projeto humanitário que quer ajudar a reconstruir a vida de deslocados de guerra e dar lares seguros a idosos, viúvas e órfãos.

Após uma ajuda inicial com alimentos e vestuário, as condições precárias de habitação ficaram por resolver, explica à Lusa o padre anglicano da Igreja de Gondola, Francisco Charles.

“A igreja não pode viver apenas do evangelho”, refere.

“Vimos que podíamos fazer alguma coisa para dar um sorriso àquelas pessoas que estão a sofrer e decidimos fazer uma campanha, tendo surgido o apoio para a construção destas casas”, diz Francisco Charles.

Outra das beneficiárias vai ser Lusinha Campira, que não se lembra da sua idade, mas recorda-se com detalhe da forma como arrastou o corpo por centenas de metros para escapar de tiros junto à sua palhota, que foi queimada na ocasião.

“Os tiros começaram em Pindanganga e as pessoas começaram a fugir até chegarmos aqui. Neste bairro estou numa casa emprestada, porque a minha tenda caiu, além de que já estava rasgada”, diz à Lusa a anciã, que se emociona ao ser levada a visitar a futura residência.

“Esta casa de garrafas é a minha única esperança e aguardo ansiosa para poder entrar e viver”, acrescenta.

A apanha da garrafa usada na construção e o processo do seu enchimento envolve os próprios beneficiários, que para isso são remunerados para ajudar na renda.

O projeto que arrancou em setembro de 2021 vai ter uma duração de três anos, já está a implantar duas das 50 casas previstas e conta com o financiamento da Tearfund, uma agência cristã internacional.

LUSA/HN

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