Mário André Macedo Enfermeiro Especialista em Saúde Infantil e Pediátrica

Microbiopolitik – ou realidade geopolítica pós Covid

01/27/2022

Quem gosta de política externa, conhece bem o termo realpolitik, o conceito que advoga que as decisões de negócios estrangeiros sejam pautadas por fatores materiais e práticos, em vez de objetivos teóricos, éticos ou morais. A pandemia causada pela Covid-19, poderia ter criado uma nova forma de agir nas relações externas, mais baseada na solidariedade e com maior foco na saúde global. Uma evolução para um paradigma mais humano e cooperação.

Pelo contrário, a ausência de solidariedade internacional, conjugada com o elevar da tensão militar em Taiwan e, de forma intensa e próxima, na Ucrânia, relembra-nos que o paradigma clássico baseado no equilíbrio de poder continua em vigor. A pandemia não teve consequências diretas no escalar da tensão, as causas são anteriores e independentes da situação pandémica. Dado o impacto que teve na demografia russa, ao erodir uma década de ganhos na esperança de vida, a Covid-19 até poderia ter produzido um impacto positivo, ao afastar o conflito externo como prioridade geopolítica.

Fica demonstrado, que a geopolítica pandémica é tática e alicerçada em epifenómenos, ao contrário da habilidade para projetar poder, que tem uma vocação mais estratégica e de longo prazo. Um país bem preparado para responder à pandemia, não é necessariamente um país que vê a sua capacidade de projetar poder reforçada.

O aumento de casos, o impacto social e na saúde causados pela pandemia, não impediu que Moscovo aumentasse a tensão militar na fronteira ucraniana. Com apenas 48% da população vacinada com 2 doses, o país corre o sério risco de sofrer um severo impacto nos hospitais, derivado do recente enorme aumento de casos. Conclui-se que a pandemia não alterou as considerações estratégicas russas, nem de qualquer outro ator mundial, apenas as colocou temporariamente em pausa.

O impacto das doenças na história da humanidade é antigo e bem documentado. Por várias ocasiões, pandemias moldaram e alteraram o curso da história. Criaram impérios, ou foram a causa do seu ocaso. Desde o século XIX, com o avanço da compreensão sobre as causas das doenças, os estados incluíram a dimensão da saúde e prevenção da doença na organização das suas forças militares. Mas esta preocupação segue a lógica do balanço de poder, a prioridade é garantir a prontidão dos exércitos, não a saúde das populações. Na atual crise ucraniana, os estrategas russos estão convencidos que os EUA ou a Nato não enviarão tropas para a região. Esta consideração não está relacionada com a evolução da Covid-19, em que as forças americanas até estariam mais preparadas para o confronto. De facto, a decisão de utilizar a força para alterar o equilíbrio de poder, não se prende com as decisões e considerações prévias seguidas para controlar a pandemia.

Para a saúde dos ucranianos, um eventual conflito seria uma calamidade. Os conflitos armados criam as condições ideais para a propagação de doenças, tais como o Sarampo, Difteria ou Poliomielite. Destroem a infraestrutura e arquitetura de saúde existente, torna o acesso aos cuidados de saúde uma missão impossível e afasta os profissionais de saúde existentes. A prioridade, tem de ser manter a diplomacia a trabalhar, de forma a produzir um acordo que garanta a paz e o desenvolvimento à região.

A esperança de que a experiência do combate à pandemia trouxesse um novo mundo, em que a solidariedade, saúde e desenvolvimento das populações fossem a prioridade geopolítica, ficou desfeita num ápice. Regressamos à velha lógica de jogos de soma zero, em que há sempre um perdedor ressentido. E bem sabemos como o ressentimento não é um bom conselheiro a prazo.

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Internamento do Hospital de Amarante terá 150 novas camas

O internamento do Hospital de São Gonçalo, em Amarante, vai ter mais 150 camas, alargamento incluído numa obra que deverá começar no próximo ano e custará 14 milhões de euros, descreveu hoje fonte da ULS Tâmega e Sousa.

Combinação de fármacos mostra potencial para melhorar tratamento do cancro colorretal

Estudo pré-clínico liderado pela Universidade de Barcelona descobriu um mecanismo metabólico que explica a resistência das células de cancro colorretal ao fármaco palbociclib. A investigação demonstra que a combinação deste medicamento com a telaglenastat bloqueia essa adaptação das células, resultando num efeito sinérgico que reduz significativamente a proliferação tumoral, abrindo caminho para futuros ensaios clínicos

XIV Congresso da FNAM debate futuro do SNS em momento decisivo

A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) vai realizar nos dias 15 e 16 de novembro de 2025, em Viana do Castelo, o seu XIV Congresso, sob o tema “Que Futuro Queremos para o SNS?”. Este encontro, que terá lugar no Hotel Axis, surge num contexto de grande incerteza para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e reunirá mais de uma centena de delegados de todo o país.

Motards apoiam prevenção do cancro da próstata no “Novembro Azul”

No âmbito do “Novembro Azul”, mês dedicado à sensibilização para o cancro no homem, o Núcleo Regional do Sul da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC-NRS) organiza a iniciativa “MEN – Motards Embrace November”, um passeio solidário de motociclistas que combina a paixão pelas duas rodas com a promoção da saúde masculina.

Hospital de Vila Real investe 13 milhões na ampliação da urgência

A Unidade Local de Saúde de Trás-os-Montes e Alto Douro (ULSTMAD) anunciou um investimento de 13 milhões de euros para a ampliação do serviço de urgência do Hospital de Vila Real. O valor, financiado a 50% pelo programa Norte 2030, destina-se a melhorar as condições de trabalho dos profissionais e o atendimento aos utentes.

André Gomes (SMZS) “Médicos satisfeitos não precisam de ser prestadores de serviços”

Em entrevista exclusiva ao HealthNews, André Gomes, recém-eleito presidente do Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) para o triénio 2025-2028, traça as prioridades do mandato. O foco absoluto é inverter a perda de poder de compra e a degradação das condições de trabalho no SNS. A estratégia passa por pressionar o Ministério da Saúde, já em mediação, para repor direitos como as 35 horas e atualizar salários. Combater a precariedade e travar a fuga de médicos para o privado e internacional são outras batalhas, com a defesa intransigente de um SNS público como bandeira

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights