Reforço do caráter público do SNS requer “alteração radical” nas carreiras

3 de Fevereiro 2022

O presidente do IPO de Lisboa defende que o reforço do caráter público do Serviço Nacional de Saúde (SNS) requer uma “alteração radical” da forma como são encaradas as carreiras dos profissionais e a especificidade do setor.

“Ou encaramos, a nível nacional, de uma maneira completamente diferente as carreiras, as remunerações, os incentivos, não só financeiros, dos profissionais, ou então estamos automaticamente, mesmo que seja involuntário, a privilegiar a prestação privada”, advertiu João Oliveira em entrevista à agência Lusa, na véspera de se assinalar o Dia Mundial da Luta Contra o Cancro.

Isto porque para os hospitais privados, argumentou, “é muito fácil fazer a diferença para melhor relativamente ao que se passa neste momento com a contratação de profissionais do Serviço Nacional de Saúde”, que é o “problema maior”.

Questionado como combater a concorrência do setor privado, o presidente do Conselho de Administração do Instituto Português de Oncologia de Lisboa respondeu com o que está previsto no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que aponta “medidas excecionais de contratação e de manutenção dos profissionais por parte do Ministério da Saúde”.

“Esta é a pedra de toque de tudo isto. O Serviço Nacional da Saúde é reconhecido como um objetivo maioritário da atividade no país da vida nacional”, sustentou.

O oncologista congratulou-se por o tema da saúde ter sido amplamente debatido na campanha eleitoral para as eleições legislativas, que decorreram no domingo, em que o PS obteve maioria absoluta.

“Fiquei muito satisfeito por ver que o primeiro-ministro foi intransigente em relação ao caráter público da saúde (…) espero que a concretização dessa intenção governamental se mantenha, dando o devido valor àquilo que é a qualidade e quantidade dos profissionais do Serviço Nacional de saúde, que requer uma alteração radical da forma como são encaradas as carreiras, as remunerações, os estímulos, a especificidade que existe na saúde relativamente a outras áreas do serviço público e que está de resto consignada no Programa de Recuperação e Resiliência”, sustentou.

No IPO de Lisboa, adiantou, o problema é mesmo a fixação dos profissionais de saúde.

As estimativas do plano de atividades do IPO apontavam para 2.309 profissionais de saúde no final de 2021, mas totalizaram 2.009. A falta é mais acentuada nos enfermeiros.

“Nós dizemos que o escrutínio pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério das Finanças relativamente às contratações é muito restrito, mas agora já nem posso dizer que é na falta de autorizações”, referiu, acrescentando que “as condições que se oferecem são facilmente ultrapassadas por outras que se oferecem nas entidades privadas”.

No caso dos enfermeiros, há autorizações de contratação em número superior aos que se conseguem contratar: “É muito fácil uma instituição privada cativar enfermeiros muito especializados e que gostariam de continuar a trabalhar aqui”.

“Isto é um desperdício de eficiência”, disse, elucidando que numa cadeia de cuidados que conta com médicos e enfermeiros “muito especializados”, quando falta um elemento de uma profissão menos especializada, como um assistente operacional, desperdiça médicos, enfermeiros e tecnologias.

Para João Oliveira, esta situação tem de ser compreendida, defendendo que não se pode encarar um hospital como se encaram outras instituições em que possa haver uma menor especialização.

“Existe a desconfiança, se calhar, de alguns setores de que o Serviço Nacional de Saúde desperdiça meios, nomeadamente meios humanos e que tem gente a mais e que deve ser restringido”, descreveu, contrapondo: “Não é verdade no Instituto de Oncologia é não é verdade, penso eu, em nenhum sítio”.

João Oliveira observou que a complexidade das técnicas para fazer diagnóstico e tratamento do cancro e de outras doenças exige “mais profissionais e não menos”.

“Há que perceber que, aumentando a complexidade do que fazemos para benefício dos doentes e para a segurança deles, tem que haver uma sincronização, o ‘matching’ adequado entre as diferentes profissões e as diferentes carreiras”, defendeu.

Na sua opinião, não haver “uma atenção particular” às carreiras e o facto de haver “muitas discrepâncias” faz com que haja “insatisfações que vão prejudicar o trabalho”.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

RALS promove II Encontro de Literacia em Saúde

Viana do Castelo acolhe o II Encontro de Literacia em Saúde, organizado pela Rede Académica de Literacia em Saúde. O evento reúne especialistas e profissionais para debater estratégias de capacitação da população na gestão da sua saúde. A sessão de abertura contou com a presença de representantes da academia, do poder local e de instituições de saúde, realçando a importância do trabalho colaborativo nesta área

Estudantes veem curso de Medicina na UTAD como alívio para escolas sobrelotadas

A Associação Nacional de Estudantes de Medicina considerou hoje que a abertura do curso de Medicina na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro representa uma oportunidade para aliviar a sobrelotação nas restantes escolas médicas. O presidente da ANEM, Paulo Simões Peres, sugeriu que a nova oferta poderá permitir uma redução de vagas noutros estabelecimentos, transferindo-as para Vila Real, após a acreditação condicional do mestrado pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.

Curso de Medicina da UTAD recebe luz verde condicional

A A3ES aprovou o mestrado em Medicina na UTAD, uma resposta à saturação das escolas médicas. A ANEM vê a medida com esperança, mas exige garantias de qualidade e investimento na formação prática.

Gouveia e Melo repudia uso político da crise na saúde

O candidato presidencial Henrique Gouveia e Melo criticou a tentativa de capitalizar politicamente os problemas na saúde, defendendo que o Presidente não deve interferir na governação. Falou durante uma ação de campanha em Viseu

Ventura convoca rivais para debate presidencial sobre saúde

O candidato André Ventura desafiou Gouveia e Melo, Marques Mendes e António José Seguro para um debate sobre saúde, em qualquer formato. Defende um novo modelo para o setor, criticando os consensos anteriores por apenas “despejar dinheiro” sem resolver problemas

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights