Acácio Gouveia Médico de Família

Tempos de pandemia: Subsídios para memória futura – I – Os MF (médicos de família) e os CVC (Centros de Vacinação Covid)

02/08/2022

 

“Quam diu etiam furor iste tuus nos eludet?”
Cícero

“Mr. Gorvachov: tear down this wall!”
Ronald Reagan

 

A princípio era de todo justificado. Uma nova vacina, ainda que testada com rigor, aplicada massivamente a toda a toda a população, a começar pelos mais frágeis, justificava redobradas as cautelas. Ele eram automacas de bombeiros à porta dos CVC, ele era a presença de médicos, equipamento de reanimação e espaços destinados a prestar assistência às complicações graves, ele era a meia hora de vigilância pós-vacina. Passado que é mais dum ano de vacinação contra a covid, e tendo sido já administradas mais de 21 milhões de vacinas a mais de nove milhões de cidadãos, reunimos acervo gigantesco de experiência e aprendemos. Aprendemos que a administração destas vacinas é duma inocuidade no imediato quase absoluta. Muito precocemente deixamos de ter as ambulâncias estacionadas junto aos CVC. Com o tempo foi-se distendendo o ambiente nos amplos espaços, onde a quase totalidade dos portugueses e muitos dos estrangeiros que por cá residem passaram. De trinta minutos, passamos a quinze minutos o tempo de espera no pós-vacinação. Só os médicos de família continuam arregimentados para os CVC. E para quê?

Inicialmente justificava-se a nossa presença nos locais de vacinação. Eramos necessários para escrutinar os inquéritos individuais prévios à vacinação. Alertamos para as possíveis reações tardias graves e sintomatologia respetiva. Desfizemos dúvidas dos renitentes. Interviemos nas raras situações de efeitos indesejáveis precoces. Aquando das segundas doses, o levantamento de reações adversas tardias justificava que fosse feito por médicos.

Mas, como vimos, muita água passou debaixo da ponte e o panorama é hoje totalmente diferente. Reações adversas imediatas graves: será preciso andar com uma dúzia de candeias para lhes descortinar rasto. A aura de solenidade, vagamente opressiva, das primeiras fornadas da vacinados desvaneceu-se. Felizmente, tudo aquilo se tornou rotineiro, descontraído. Tudo mudou … menos a presença dos médicos de família que, de úteis nos primeiros tempos da campanha, passaram a autênticos bibelôs na atual fase da campanha. Tão indispensáveis como violas em funeral, por lá vagueamos como espantalhos, como se não houvesse nada para fazer nos nossos consultórios, nas USF e nas UCSP. Aí, onde somos mesmo necessários, continuam os doentes/utentes à espera de quem os cuide.

Com a pandemia em regressão, um pouco por todo o lado, assistimos ao desanuviamento e ao generalizado relaxar de medidas restritivas. Menos … no que toca à presença de médicos no CVC! Entra pelos olhos a dentro que há penúria de médicos de família. Contudo, estranhamente, a tutela insiste em atribuir-nos tarefas sem valor acrescentado, debilitando ainda mais a prestação dos CSP e o prestígio dos MF. Este desperdício só leva a mais insatisfação e está longe de contribuir para a captação de jovens especialistas para o SNS.

Por quanto tempo teremos de suportar esta loucura?

Senhora Ministra acabe com este absurdo!

Acácio Gouveia
aamgouveia55@gmail.pt

Outros artigos com interesse:

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Chamadas para o SNS24 disparam 71% ao ano, mas taxa de atendimento cai para 75%

O serviço de atendimento telefónico SNS24 registou um crescimento anual de 71% no volume de chamadas desde 2023, ultrapassando os níveis pré-pandemia. Contudo, a capacidade de resposta não acompanhou este boom, com a taxa de chamadas atendidas a cair para 74,9%, levantando dúvidas sobre a sustentabilidade do modelo

ULSEDV Promove Primeiro Encontro Conjunto para Cuidados da Mulher e da Criança

A Unidade Local de Saúde de Entre Douro e Vouga organiza a 11 e 12 de novembro de 2025 as suas primeiras Jornadas da Saúde da Mulher e da Criança. O evento, no Europarque, em Santa Maria da Feira, visa consolidar a articulação clínica entre os hospitais e os centros de saúde da região, num esforço para uniformizar e melhorar os cuidados prestados.

Projeto “Com a Saúde Não Se Brinca” foca cancro da bexiga para quebrar estigma

A Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde lançou uma nova temporada do projeto “Com a Saúde Não Se Brinca” dedicada ao cancro da bexiga. Especialistas e doentes unem-se para combater o estigma em torno dos sintomas e alertar para a importância do diagnóstico atempado desta doença, que regista mais de 3.500 novos casos anuais em Portugal.

Maria Alexandra Teodósio eleita nova Reitora da Universidade do Algarve

O Conselho Geral da Universidade do Algarve elegeu Maria Alexandra Teodósio como nova reitora, com 19 votos, numa sessão plenária realizada no Campus de Gambelas. A investigadora e atual vice-reitora, a primeira mulher a liderar a academia algarvia, sucederá a Paulo Águas, devendo a tomada de posse ocorrer a 17 de dezembro, data do 46.º aniversário da instituição

Futuro da hemodiálise em Ponta Delgada por decidir

A Direção Regional da Saúde dos Açores assegura que nenhuma decisão foi tomada sobre o serviço de hemodiálise do Hospital de Ponta Delgada. O esclarecimento surge após uma proposta do BE para ouvir entidades sobre uma eventual externalização do serviço, que foi chumbada. O único objetivo, garante a tutela, será o bem-estar dos utentes.

Crómio surge como aliado no controlo metabólico e cardiovascular em diabéticos

Estudos recentes indicam que o crómio, um mineral obtido através da alimentação, pode ter um papel relevante na modulação do açúcar no sangue e na proteção cardiovascular, especialmente em indivíduos com diabetes tipo 2 ou pré-diabetes. Uma meta-análise publicada na JACC: Advances, que incluiu 64 ensaios clínicos, revela que a suplementação com este oligoelemento está associada a melhorias em parâmetros glicémicos, lipídicos e de pressão arterial, abrindo caminho a novas abordagens nutricionais no combate a estas condições

Alzheimer Portugal debate novos fármacos e caminhos clínicos em conferência anual

A Conferência Anual da Alzheimer Portugal, marcada para 18 de novembro na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, vai centrar-se no percurso que vai “Da Ciência à Clínica”. Especialistas vão analisar os avanços no diagnóstico, novos medicamentos e a articulação entre cuidados de saúde e apoio social, num evento que pretende ser um ponto de encontro para famílias e profissionais

Bayer anuncia redução significativa de marcador renal com finerenona em doentes com diabetes tipo 1

A finerenona reduziu em 25% o marcador urinário RACU em doentes renais com diabetes tipo 1, de acordo com o estudo FINE-ONE. Este é o primeiro fármaco em mais de 30 anos a demonstrar eficácia num ensaio de Fase III para esta condição, oferecendo uma nova esperança terapêutica. A segurança do medicamento manteve o perfil esperado, com a Bayer a preparar-se para avançar com pedidos de aprovação regulatória.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights