O vírus surpreendente dos valores impensáveis

26 de Fevereiro 2022

A Covid-19 foi inicialmente subestimada e desvalorizadas as primeiras notícias sobre um coronavírus desconhecido, que, dois anos depois, no mundo já matou seis milhões de pessoas e em Portugal mais de 21 mil.

Primeiro foram as dúvidas sobre a possibilidade de a doença, primeiro identificada na cidade chinesa de Wuhan, chegar sequer à Europa. Mas, no final de fevereiro de 2020, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, admitiu um futuro com um milhão de pessoas infetadas, gerando tal apreensão que acabou por convocar uma conferência de imprensa para afastar “completamente” essa hipótese.

Mas um ano e meio depois Portugal atingia a marca de um milhão de infetados. E, quando os números indicavam que a pandemia abrandava, a marca dos dois milhões foi atingida num terço do tempo, em apenas cinco meses. E já este ano, em 22 dias, chegou-se aos três milhões.

A história do SARS-CoV-2 começou mo último dia de 2019, após relatos das autoridades de Wuhan sobre a deteção de 27 casos de uma pneumonia viral, que meses depois se espalhou por todos os cantos do mundo.

Os primeiros dois casos em Portugal surgiram em 02 de março de 2020 e desde então houve cinco vagas sucessivas – resultando em mais de três milhões de infeções – do que se tornou na pandemia de Covid-19, quando as notícias iniciais de Wuhan informavam apenas que os pacientes, sete em estado grave, tinham febre e dificuldade em respirar e que todos os casos estavam relacionados com um mercado de animais vivos, não havendo sinal de contágio humano.

A informação não foi tida como relevante na Europa e a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciava que estava a monitorizar a situação, mas afastava restrições a viagens ou ao comércio.

No início de janeiro Graça Freitas dizia, baseando-se na OMS e quando se dava como certo que não se tratava de um vírus da gripe nem de um coronavírus, que a pneumonia viral estava circunscrita a Wuhan e que não se transmitia de pessoa para pessoa, sendo desnecessária qualquer “recomendação especial”.

Mas logo a seguir, em 09 de janeiro, a China anunciava ter identificado a doença como sendo provocada por um novo tipo de coronavírus, que passa de animais para seres humanos, e que causa infeções respiratórias que podiam ser transmitidas através da tosse, espirros ou contacto físico.

Possíveis casos da doença já tinham sido identificados também na Coreia do Sul e em 11 de janeiro morria o primeiro doente em Wuhan. Mas as autoridades diziam que tudo estava “sob controlo”.

O mesmo otimismo vinha da OMS, que em 13 de janeiro dizia que a doença não alastrara além do mercado de Wuhan, que foi encerrado, e que não havia outros casos no resto da China ou fora do país.

Ainda que logo no dia seguinte a OMS dissesse que todos os hospitais do mundo estavam a ser preparados para um novo vírus, a organização não emitiu alertas sobre visitas a Wuhan. Em Portugal a DGS recomendava cuidados redobrados para quem viajasse para a China, e Graça Freitas insistia que o surto estava contido e que era diminuta a possibilidade de o vírus chegar ao país.

Na mesma linha, o Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC, na sigla original) sublinhava não haver uma “indicação clara e sustentada” de que o novo coronavírus se transmitisse entre pessoas.

A meio do mês, o Japão e a Coreia do Sul registaram casos da infeção, vários países asiáticos adotavam medidas e a China confirmava que a doença era transmissível entre humanos.

Apesar de o ECDC classificar como moderada a probabilidade de a doença chegar à Europa e apesar de a OMS não declarar uma emergência internacional, as autoridades chinesas isolavam Wuhan e outras cidades, cancelavam eventos, encerravam locais e construíam hospitais.

Graça Freitas disse em 24 de janeiro que os portugueses deviam estar atentos mas tranquilos e que o país tinha planos de contingência que garantiam a preparação necessária para detetar, diagnosticar e tratar eventuais casos. Nesse dia foram registados em França os três primeiros casos na Europa. Seguiram-se a Alemanha e a Itália.

No final de janeiro de 2020 a China falava já em “situação grave”, e a ministra da Saúde portuguesa, Marta Temido, garantia que os hospitais estavam preparados para uma situação tratada de forma “tranquila, mas rigorosa”.

Em 30 de janeiro, a OMS declarou a situação como emergência em saúde pública internacional, mas continuava a opor-se à restrição de viagens, trocas comerciais e limitações a movimentos de pessoas.

Um pouco por todo o mundo havia em fevereiro de 2020 esse otimismo, visível, por exemplo, quando o Japão negava “rotundamente” qualquer intenção de cancelar os jogos olímpicos, marcados para julho. Mas em Itália os casos proliferavam e no fim do mês lamentavam-se 29 mortes. Na China eram quase três mil.

Novos casos foram aparecendo em vários países da Europa, ainda que o ECDC tenha insistido que a situação estava controlada, e que a OMS só declarasse uma pandemia em 11 de março.

Na altura, nem o ECDC nem as autoridades nacionais recomendavam que se fechassem fronteiras, ou escolas, que, logo a seguir, viriam a ser encerradas.

Após dois anos, a pandemia chegou a provocar em Portugal mais de 60 mil infeções por dia e matou quase 21 mil pessoas, apesar de quase nove milhões terem beneficiado das vacinas entretanto desenvolvidas, o que se refletiu numa redução significativa de casos graves.

Há um ano, em 22 de fevereiro, o vice-almirante Gouveia e Melo, então coordenador da ‘taskforce’ de vacinação, dizia que a imunidade de grupo podia ser alcançada em agosto e em 21 de março, o comissário europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, dizia que a Europa podia alcançar a imunidade coletiva em 14 de julho, dois novos exemplos de otimismo não confirmado.

Em agosto de 2021 Portugal não alcançava a imunidade mas sim a marca de um milhão de infetados. E faltava ainda a variante Ómicron e faltavam ainda mais dois milhões de infetados.

LUSA/HN

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