Imagens do Cuidar – Livro reúne testemunhos e fotos da dor que atingiu os hospitais

24 de Março 2022

Catarina foi a primeira doente pediátrica internada em Portugal com covid-19, numa altura em que tudo era desconhecido, os profissionais de saúde pareciam “astronautas com fatos mirabolantes” e o cenário era o de um filme de ficção científica.

Esta é uma das muitas histórias contadas na primeira pessoa por doentes, profissionais e gestores hospitalares no livro “Imagens do Cuidar: O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central [CHULC] e a covid-19”, uma obra que retrata a maior crise sanitária deste século, ilustrada com mais de 150 fotografias do fotojornalista Rodrigo Cabrita.

Foi no dia 07 de março de 2020 que Catarina, hoje quase com 20 anos, após um telefonema para a linha SNS24, teve de deixar o Algarve para vir, com o pai, realizar um teste à covid-19 em Lisboa. Soube que estava positiva no dia seguinte.

À sua espera no Hospital D. Estefânia estava uma equipa médica: “Pareciam uns astronautas com uns fatos mirabolantes. Esbarrar com este cenário fez-me sentir num filme de ficção científica, parecia tudo demasiado irreal para ser verdade”, lembra Catarina no livro, cujo prefácio é assinado pelo cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente.

Com 73 anos de idade e há quase 50 anos médico, Aires Henriques Fernandes contraiu a covid-19 em “pleno hospital” em março de 2020 e conta que foi com “alguma surpresa” que recebeu a visita dos seus médicos assistentes a comunicarem-lhe que tinha de ser transferido para os cuidados intensivos do Hospital S. José, em Lisboa.

“Sobre as três semanas que se seguiram, não retenho qualquer imagem, em virtude da sedação necessária. As informações que recebi posteriormente revelaram que foi uma luta tremenda contra a morte”, recorda o médico, que diz ter voltado ao seu trabalho como oncologista, sentindo que o faz “como antes”.

O CHULC foi o centro hospitalar que tratou mais doentes com covid-19, segundo a presidente do Conselho de Administração, Rosa Valente de Matos, que afirma no livro que o fizeram “em silêncio, sem procurar protagonismo e estando sempre disponíveis para colaborar com os outros hospitais da região e do país”.

“Tudo isto se revela neste livro. O trabalho, a exaustão e a tristeza nas derrotas. Mas também a coragem, a esperança e a felicidade em cada vitória”, escreve Rosa Valente de Matos.

Além dos vários testemunhos, o livro retrata pela lente de Rodrigo Cabrita o que se viveu nos corredores e nas enfermarias dos hospitais, mas também o trabalho de cada profissional, desde o médico, enfermeiro, auxiliar de limpeza, carpinteiro, cozinheiro, fisioterapeuta, administrativo.

“Todos foram uns verdadeiros valentes”, disse à agência Lusa o fotojornalista ‘freelancer’, que no início da pandemia se propôs a fazer o trabalho sem ter grande perspetiva de publicação e acabou, juntamente com o CHULC, por construir “um projeto para memória futura”.

Os meses de abril e maio de 2020 foram passados a retratar a vivência nos hospitais Curry Cabral, São José, D. Estefânia e Santa Marta que, às vezes, pareciam “uma pequena aldeia”.

“Todos estavam fechados em casa e nas pequenas aldeias [os hospitais] toda aquela gente estava a dar tudo e a lidar com o desconhecido, expondo-se de várias formas. É como na guerra, é um espírito de missão”, declarou à Lusa.

Naquele momento, contou, “queria só relatar a história para mim no sentido em que via os meus colegas a fazê-lo e eu não queria estar de fora” mesmo sem saber se o trabalho seria publicado.

“Mais tarde surgiu a possibilidade desta parceria que resultou neste livro, que acaba por ser a realização – quer para o centro hospitalar quer para mim – da consolidação de um trabalho e de não ficar num disco externo”, disse o fotojornalista.

Foi com “muita alegria” que Rodrigo Cabrita viu a publicação do livro, lançado na terça-feira, por se tratar de um acervo histórico.

Rodrigo Cabrita confessou que, apesar de o momento da recolha de imagens ter sido difícil, as lágrimas surgiram quando as editou e voltou a ver “a fragilidade de todas as pessoas, do mais novo ao mais velho, que é impressionante”.

“Eram pessoas que ali estavam. Muitas. Com futuro incerto. Avós, pais, filhos, netos. Vítimas de uma doença de nunca mais esqueceremos”, escreve no livro que homenageia os profissionais de saúde, os doentes e os gestores hospitalares que travaram uma luta inesperada e sem precedentes contra uma doença até então desconhecida.

LUSA/HN

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