Vespa asiática entrou em Portugal há 11 anos e ainda ninguém a parou

31 de Março 2022

A vespa asiática entrou em Portugal pelo Alto Minho, há 11 anos, alastrou ao país e, além do impacto na apicultura e fruticultura, desconhecem-se os seus efeitos na biodiversidade e na saúde pública.

“Na apicultura, sabemos o que estamos a perder. Mas não sabemos nada sobre o impacto na biodiversidade e saúde pública da região. Se nada for feito, rapidamente a destruição de fauna e flora pode ser irrecuperável”, alertou à Lusa o presidente da Associação Apícola de Entre Minho e Lima (APIMIL), Alberto Dias.

Num espaço do centro de transportes de Vila Nova de Cerveira, que serve de sede da APIMIL, acumulam-se dossiês em papel e dados guardados no computador sobre a vespa velutina na região.

Natural das regiões tropicais e subtropicais do Norte da Índia ao leste da China, Indochina e ao arquipélago da Indonésia, a espécie, segundo Alberto Dias, não se consegue eliminar, “mas pelo menos reduzir o número de exemplares e tentar “confinar” a praga “a determinados locais”.

Na opinião do presidente da APIMIL, a preservação da biodiversidade e defesa da saúde pública são “fundamentais” e devem ser uma prioridade na solução a encontrar para travar a praga.

O impacto na biodiversidade é desconhecido “por não existirem estudos”, mas os apicultores “apercebem-se do desaparecimento de insetos, os polinizadores naturais, que garantem a variedade de plantas da região”.

“Cada ninho de vespa asiática, quando começa a crescer, a partir de junho, atinge o tamanho de uma bola de futebol. Até outubro os vespeiros chegam a ter uma dimensão de mais de um metro de altura e 80 centímetros de largura. É uma espécie de barril de 100 mil litros de vinho”, especificou.

Nessa fase, os ninhos chegam a ter mais de 17 mil vespas asiáticas que precisam de comer, por dia, de 700 gramas a um quilograma de abelhas autóctones (Apis mellifera) que produzem mel.

“Sendo predadora, a vespa asiática não escolhe o inseto A ou B. Quando tem de crescer vai alimentar-se a sério. Que tipo de flora vai ou está a desaparecer sem a polinização por esses insetos?”, questionou.

Apontou como exemplo a “flora variada e rica” da Serra d’Arga, como comprovou um estudo recentemente encomendado pelas autarquias que integram aquele território.

“Existem na Serra d’Arga espécies de plantas que não existem em mais lado nenhum. É preciso preservar”, alertou.

Enfermeiro de profissão, Alberto Dias defendeu a necessidade de “investigar o impacto desta espécie na saúde pública”, uma vez que “60% dos ninhos localizam-se em zonas urbanas, onde a vespa asiática vive, lado a lado, com o ser humano”.

Na “triagem” que tem vindo a fazer aos casos de morte declarada por picada de inseto concluiu que há “muito trabalho a fazer”.

“Essa designação pode ser tudo e mais alguma coisa. De acordo com os dados que tenho de casos de morte por picada de inseto, 90% podem ser atribuídos às vespas asiáticas”, adiantou.

A picada de abelha europeia apresenta apenas um local de entrada do ferrão. Já o maxilar da vespa asiática, com dois dentes laterais, deixa uma marca diferente.

“Estamos a falar de uma espécie que tem muita força no maxilar. Consegue agarrar uma abelha, voar com ela, destruí-la e cortá-la. Tira-lhe a cabeça e a cauda e come o tronco onde está a proteína que precisa para crescer”, explicou.

Mais do que os números “graves” da presença e propagação da praga no distrito de Viana do Castelo, Alberto Dias confessa “algum desgaste” por não saber mais como alertar para a necessidade “rápida e urgente” de “união”, para travar o “crescimento exponencial” desta espécie invasora.

“Temos de enfrentar este problema como elas [vespas asiáticas] atacam quem as ameaça, em grupo”, sustentou.

O grupo de trabalho criado, em 2015, pelo governo de então para resolver o problema “ainda reuniu alguma informação, mas por falta de verba não conseguiu publicá-la”. Desde 2018 que deixou de reunir-se.

“A grande dificuldade foi quando se levou o problema ao pessoal de Lisboa, pensaram que era o Norte a exagerar (…) Ela [vespa asiática] não dorme e foi proliferando, a uma média de 100 quilómetros por ano, e agora está em todo o lado. Temos de ter uma visão de longo prazo, mas às vezes o alcance de certas pessoas não sai do umbigo”, criticou.

A “força” de um “animal tão pequenino que sobrevive há séculos” assenta na “união”, em “trabalho de grupo”, para alcançar o “mesmo objetivo, a sobrevivência”, disse, defendendo o mesmo método para o combate à praga, em vez de “divisões” ou ‘show-off.

Apontou um trabalho conjunto, com instituições científicas e universitárias, para o desenvolvimento de técnicas de combate à espécie, bem como a partilha de informação e uniformização dos meios de combate.

“Em 2011, um grupo do Alto Minho iniciou esse trabalho, mas foi ignorado. Infelizmente estamos em 2022 e ainda pouco se pegou, a sério, nesta questão”.

Atualmente, “as câmaras municipais dos 10 concelhos do distrito de Viana do Castelo destroem, em média, por ano, entre 700 e 800 vespeiros”.

“São entre 8.400 e 9.600 ninhos destruídos anualmente na região, mas sabemos que ficam por destruir três vezes mais do que os destruídos. Estamos a falar entre 25 e mais de 28 mil ninhos que continuam ativos nas nossas florestas e zonas urbanas”, realçou.

O que para os europeus se tornou numa dor de cabeça, na China, as larvas de algumas vespas, incluindo as asiáticas, são uma iguaria gastronómica e os seus ninhos usados para fins medicinais.

De acordo com um artigo da National Geographic, a criação em massa faz-se em explorações agrícolas no condado de Wangmo, no Sudoeste da província chinesa de Guizhou. Tanto as larvas como as pupas das vespas, altamente proteicas e são, habitualmente, consumidas fritas.

LUSA/HN

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