Na China, combate à epidemia também é parte da competição entre ideologias

5 de Abril 2022

O discurso oficial chinês parece ter transformado o combate à pandemia numa competição entre ideologias, fazendo prever o prolongamento das medidas de prevenção mais restritivas do mundo, que incluem o bloqueio de cidades e o encerramento das fronteiras.

“Se se ler a imprensa oficial da China, vê-se que isto se transformou numa competição entre duas ideologias, dois conjuntos de sistemas políticos e até entre civilizações”, notou Yanzhong Huang, especialista em políticas de saúde pública do Conselho de Relações Externas, um centro de reflexão com sede em Nova Iorque.

A China continua a reagir a surtos de Covid-19 com medidas implacáveis, incluindo a separação de crianças infetadas dos pais e o abate de animais de estimação, apesar dos crescentes custos económicos e sociais.

Isto numa altura em que a maioria dos países, incluindo na Ásia, como a Coreia do Sul, Vietname ou Singapura, reduzem gradualmente as restrições e abrem as fronteiras aos turistas.

Mas, na China, a imprensa oficial apresenta a opção de coexistir com a doença como uma “desistência” e um “falhanço” na luta contra o vírus. A estratégia chinesa é fonte de intenso orgulho para o Partido Comunista Chinês (PCC).

“As notáveis vantagens institucionais da China e a força nacional foram totalmente demonstradas na luta contra a pandemia”, escreveu, em editorial, na semana passada, o Diário do Povo, jornal oficial do PCC. “E vão continuar a ser demonstradas”, apontou.

Até aos surtos recentes, a China conseguiu praticamente extinguir a doença dentro das suas fronteiras. Desde o segundo trimestre de 2020, enquanto várias partes do mundo enfrentavam medidas de confinamento, a vida decorreu com normalidade no país asiático.

A competição entre países é, em última análise, uma “competição entre sistemas políticos”, disse então o Presidente chinês, Xi Jinping, num encontro com altos quadros do Partido Comunista. “A gestão da pandemia tornou evidente quais são a liderança e o sistema político superiores. O tempo está do nosso lado”, acrescentou.

Xangai, a ‘capital’ financeira da China, iniciou na semana passada um bloqueio que abrange todos os seus 26 milhões de moradores, para combater uma vaga de casos que rapidamente se multiplicou na comunidade.

“É terrível”, resumiu à agência Lusa a singapuriana Linette, quadro de uma empresa com sede na cidade. “Tenho sorte porque não tenho filhos ou animais de estimação e não preciso de me preocupar com políticas de pandemia desumanas que separam crianças – mesmo aquelas com menos de 3 anos – dos pais, ou abatem animais de estimação”, disse.

“O impacto para muitas pessoas é enorme”, assinalou, adiantando que “há falta de comida”.

Na província de Jilin, no nordeste do país, os 24 milhões de habitantes estão sob quarentena há quase um mês. Foi a primeira vez que a China restringiu uma província inteira desde o bloqueio de Hubei, cuja capital, Wuhan, foi o epicentro original do novo coronavírus.

“Todos os dias vejo vídeos de suicídios”, disse à Lusa Fabian, um jornalista alemão destacado na China.

Noutras partes do país, dezenas de milhões de pessoas enfrentam medidas de confinamento, mais ou menos rígidas.

A China mantém as fronteiras encerradas desde março de 2020. Quem chega ao país tem que cumprir uma quarentena de três semanas, num hotel designado pelo governo. As autoridades exigem a apresentação do certificado negativo dos testes serológicos tipo IgG e IgM e o teste de ácido nucleico PCR.

“Desistirem [da política de zero casos], seria o mesmo que admitir o fracasso da sua estratégia”, considerou Yanzhong Huang. “Não poderiam (os líderes chineses) usar mais isto como uma bandeira da superioridade do seu sistema político”, disse.

LUSA/HN

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