Estrangeiros qualificados mudaram-se para Portugal atraídos pela qualidade de vida

15 de Maio 2022

Valerie, Ronise e Matti fazem parte dos estrangeiros qualificados que nos últimos anos se mudaram para Portugal trabalhando à distância para outras partes do mundo, atraídos por fatores como clima, segurança, custo de vida e fáceis ligações a outros países.

Habitualmente designados de ‘nómadas digitais’, em geral, estes cidadãos estrangeiros passaram já por vários países, procuram a mudança e têm bons rendimentos, diferindo dos tradicionais imigrantes que buscam melhores condições financeiras, laborais e estabilidade.

A pandemia, ao forçar o trabalho remoto, veio reforçar este movimento, a que também não são alheias a promoção do país pelas autoridades e a mais baixa fiscalidade de que beneficiam.

Mas nem todos olham para a vertente fiscal antes de fazerem as malas. Foi este o caso de Ronise da Luz. Nascida em Cabo Verde há 37 anos, emigrou com os pais para os Estados Unidos quando tinha sete anos, onde viveu até ao início deste ano, quando decidiu mudar-se para Portugal. Pelo meio teve uma paragem por Madrid, para estudar e apreciar a cultura europeia.

A viver em Lisboa há três meses, Ronise conta à Lusa que “não olhou para o sistema fiscal” português, salientando que o custo de vida e a segurança foram razões muito relevantes na escolha. “Agora que cheguei e comecei a fazer mais pesquisa, percebi que talvez até vá pagar cá mais impostos [considerando também as contribuições para a Segurança Social] do que nos Estados Unidos”, disse.

Entre os motivos que a levaram a mudar-se para Portugal estão o clima “fantástico” e a vontade de aprender português. Estar mais perto de Cabo Verde – país que visitava nas férias, com os pais – também pesou na decisão de Ronise que trabalha como ‘web designer’ e na otimização de sistemas de busca na Internet.

Apesar da mudança lhe ter interrompido o trabalho de fotografia que fazia nos EUA, Ronise tem projetos para retomar cá esta atividade, até porque o seu objetivo é ficar por vários anos, ainda que esta seja uma decisão a reavaliar todos os anos e na qual a fatura dos impostos terá um peso decisivo.

Para Matti Sinan, sueco, 46 anos, a decisão de ficar por Portugal está tomada. Programador de ‘websites’, chegou a Carcavelos com a mulher e os dois filhos, há cinco anos, onde aproveita para aperfeiçoar o ‘surf’. Inicialmente ficavam apenas durante os meses de inverno e retomavam à Suécia na primavera onde os miúdos acabavam o ano letivo.

“Há três anos começámos a passar cá o ano todo”, refere, adiantando que a escolha por Carcavelos começou por ser ditada pelo facto de ali terem encontrado uma escola para alunos suecos mas que, entretanto, esse deixou de ser um critério relevante, até porque o filho mais velho quis este ano matricular-se na escola pública.

Também no caso de Matti a questão fiscal não foi importante na escolha de Portugal, mas antes o clima, a oferta escolar ou a facilidade com que pode ir à Suécia. E, claro, o facto de o trabalho lhe permitir exercer a profissão remotamente, tal como à mulher, que “escreve livros de receitas de culinária”.

Viver fora da Suécia não é uma experiência nova para esta família que, antes de Portugal, passou por países tão diferentes como Nova Zelândia, África do Sul, Brasil ou Índia.

“Somos nómadas digitais. O nosso trabalho permite-nos mudar e trabalhar num país diferente”, afirmou, detalhando que quando os filhos chegaram à idade escolar a escolha foi ditada pela oferta de ensino em sueco. A primeira escola foi na Índia, mas a experiência não foi das mais fáceis por causa do fuso horário e das ligações de Internet.

Assumindo que “se sente em casa em Portugal”, Matti acentua que se considera um “imigrante” e não um “expatriado” e que toda a família quer aprender a língua, porque sentem que Portugal “é um país para viver e onde ter um pé”.

Valerie Buisson, de 58 anos, e o marido mudaram-se para Portugal em abril de 2019. O casal francês já vivia fora de França há 25 anos (15 anos nos Estados Unidos e 10 no Reino Unido) e procurava um país onde se instalar após a saída do Reino Unido da União Europeia.

“O meu marido trabalha para uma empresa internacional, estava sediado em Inglaterra. Deu-se o ‘Brexit’ e teve de escolher outro sítio na Europa para viver. Tem um sócio que é português e disse-nos para virmos cá ver. Adorámos as pessoas, o tempo, foi uma boa escolha”, afirmou Valerie Buisson à Lusa.

O casal também avaliou a possibilidade de ficar em Espanha, mas decidiram-se por Portugal. Ajudou-os a fluência dos portugueses em inglês e francês, o que “torna fácil fazer compras, ir ao médico”, e a proximidade a um aeroporto internacional.

“O meu marido e o sócio trabalham em Inglaterra, Alemanha, viajam muito, então, estar perto de um aeroporto internacional é muito importante”, afirmou. Também Valerie viaja muito para apoiar a família, pois filhos vivem nos Estados Unidos e no Reino Unido e restante família em França.

Vivem numa moradia num condomínio em Sintra, rodeados da serra e com campos de golfe colados à casa. Aproveitam os momentos livres para jogar golfe, com a facilidade de ser só mudar de sapatos e entrar no ‘green’.

Sobre os menores impostos que Portugal cobra a estrangeiros, Valerie diz que para já não os aproveitam. “O meu marido ainda paga impostos no Reino Unido, é uma boa coisa para considerarmos quando nos reformarmos”, afirmou à Lusa.

Ficar em Portugal muitos anos é, para já, perspetivado pelo casal: “É muito próximo de França, as pessoas são muito simpáticas, a segurança é boa, o tempo, a comida e o vinho são ótimos, até o sistema de saúde é bom. E Portugal é um país pequeno, podemos viajar facilmente”, afirmou.

Segundo um estudo da consultora imobiliária Savills, divulgado em abril, Lisboa é a melhor cidade para executivos em trabalho remoto, seguindo-se Miami e o Dubai, entre 15 destinos analisados, que colocam em quarto lugar o Algarve.

Estatísticas sobre estrangeiros qualificados que vivem e trabalham em Portugal são escassas. O Instituto Nacional de Estatística (INE) não dispõe de informação sobre a qualificação dos imigrantes e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a quem cabe atribuir os vistos de residência, também não tem os dados trabalhados deste modo.

No Boletim Económico de outubro de 2019, o Banco de Portugal indica que, entre o primeiro semestre de 2011 e o primeiro semestre de 2019, duplicou o peso da população estrangeira entre os 25 e os 64 anos com ensino superior de 15% para 30% (nos nacionais passou de 17% para 26%). Contudo, não foi possível encontrar dados mais recentes.

O professor José Carlos Marques (do Instituto Politécnico de Leiria), que trabalha na área das migrações, confirma à Lusa que há pouca informação que permita trabalhar esta realidade. Espera que os dados mais finos dos censos de 2021 permitam perceber quem são os estrangeiros que vivem em Portugal, quando vieram e onde se encontram.

Um estudo feito juntamente com Pedro Góis concluiu que a imigração qualificada na primeira década do século XXI “esteve marcada por uma situação paradoxal”, em que se podem encontrar dois grupos: um de pessoas altamente qualificadas, que chegavam a Portugal com diplomas reconhecidos e trabalhavam em profissões adequadas a essas qualificações; e outro grupo (muito mais numeroso) constituído por pessoas com qualificações elevadas mas com dificuldade em se inserir em trabalhos qualificados pelos entraves no reconhecimento das qualificações (sobretudo cidadãos de países do Leste da Europa e do Brasil).

Quanto à atualidade, disse, a sua análise baseia-se nas notícias, mas parece ter sofrido mudanças. Muitos dos trabalhadores estrangeiros qualificados não têm qualquer dificuldade de inserção no mercado de trabalho até porque trabalham autonomamente.

“Muitos destes não têm dificuldades de inserção no mercado de trabalho, são trabalhadores por conta própria, aproveitam o facto de o país ter infraestrutura tecnológica relativamente avançada e ligações de internet rápidas na maioria território nacional que permitem desempenhar atividades profissionais em qualquer parte”, disse.

Os dados relativos às autorizações de residência para atividade altamente qualificada, divulgados pelo SEF, indicam que, nos últimos cinco anos, foram emitidas 8.053 dessas autorizações, a maioria a cidadãos do Brasil (4.809 autorizações).

Apenas em 2021, foram emitidas 1.959 destas autorizações, sobretudo a cidadãos do Brasil (700), Guiné-Bissau (241), Cabo Verde (135), S. Tomé Príncipe (107) e Índia (86).

Contudo, estes vistos abarcam apenas uma pequena parte da realidade dos estrangeiros qualificados que vieram viver e trabalhar para Portugal. Este visto é dirigido a quadros altamente qualificados, de fora da União Europeia, que venham trabalhar para multinacionais com sede ou estabelecimento em Portugal.

Cidadãos da UE, de países do Acordo de Schengen e de Andorra não precisam de vistos de residência. Contudo, devem registar-se na câmara municipal do local onde residem, ainda que muitos não o façam. Da informação genérica conhecida, os estrangeiros concentram-se nas regiões das grandes cidades (Lisboa e Porto), assim como no Algarve e muitos também no interior, caso do Alto Alentejo.

LUSA/HN

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