NIDCare: investigação, academia e prática clínica cuidam em conjunto dos recém-nascidos

21 de Maio 2022

Maria Alice Curado

Quando a investigação, a academia e a prática clínica se juntam, surgem inovações como uma app para aumentar a literacia em saúde dos pais ou uma escala para identificar barreiras nos cuidados paliativos – dois trabalhos na área da neonatalogia que integram o projeto NIDCare, do centro de investigação da ESEL.

O NIDCare (Cuidados para o Desenvolvimento Integrativo Neonatal) surgiu em 2018 e é um dos projetos de investigação do CIDNUR (Centro de Investigação, Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem de Lisboa) – a unidade de investigação da ESEL (Escola Superior de Enfermagem de Lisboa). A coordenadora, Maria Alice Curado, disse ao Healthnews que a história do projeto NIDCare começou em 2008/2009, quando a sua equipa se propôs a validar um instrumento de avaliação das competências oro-motoras dos bebés, para auxiliar os enfermeiros e outros profissionais de saúde na decisão de iniciar e avaliar a alimentação oral.

Desde então, os projetos sucederam-se, sempre com o intuito de ajudar a cuidar melhor dos recém-nascidos e das famílias, tendo sido validados vários instrumentos, que foram depois implementados nos serviços. Alguns deram origem a normas internas e integraram normas na DGS. “Sem instrumentos não há indicadores de avaliação dos cuidados de enfermagem. Por isso, é preciso que as pessoas tenham isto bem presente e estejam conscientes da sua importância”, sublinhou a responsável do NIDCare. E porque “validar instrumentos não chega”, o trabalho prossegue com a preparação dos enfermeiros que os vão utilizar. 

Sempre que solicitado, a equipa NIDCare organiza-se no sentido de, em parceria com as unidades de cuidados neonatais e através de projetos de extensão à comunidade, colaborar na formação e monitorização da implementação destes instrumentos. “Tentamos sempre também informar a Ordem dos Enfermeiros daquilo que estamos a fazer e dos instrumentos que estão validados e informamos o observatório nacional de escalas, para que estes instrumentos fiquem disponíveis para quem precisar deles”, acrescentou a coordenadora.

Segundo Alice Curado, os objetivos do NIDCare são: “desenvolver e qualificar a prática de cuidados em neonatalogia e a disciplina de Enfermagem através da inovação, da investigação e da formação, produzindo resultados positivos para os clientes e para as organizações”, e “monitorizar os projetos de investigação, melhoria de qualidade, inovação, mudança nas práticas de cuidados ao recém-nascido e à família”. A teoria ambientalista de Florence Nightingale, a teoria sinativa e o modelo para a família de Als, o universo dos cuidados para o desenvolvimento de Mary Coughlin e as sete medidas padrão neuroprotetoras de Altimier e Phillips ambiente seguro, parceria com as famílias, posicionamento e manipulação, minimização do stress e da dor, proteção da pele, proteção do sono e otimização da nutrição – norteiam o projeto major NIDCARE, que abraça tanto trabalhos de parceria institucionais como académicos, de mestrado e doutoramento, com alguma colaboração de estudantes da licenciatura.

A equipa NIDCare tenta que os artigos científicos sobre os instrumentos sejam publicados em revistas científicas bem cotadas e bilingues (inglês e português). “Temos tido alguma dificuldade em publicar em revistas de quartil 1 e 2, pelo facto de não termos muitas a publicar em português. Por vezes temos publicado em quartil 3 e 4”, disse a coordenadora.

Um novo ponto de partida foi definido quando Alice Curado percebeu, no contacto com os enfermeiros envolvidos na formação dos estudantes da ESEL, que “às vezes os alunos fazem trabalhos que não são os mais importantes para os cuidados”, porque “não vão ao encontro das necessidades dos serviços, nem das pessoas (recém-nascido e família)”. A partir daí, os temas dos seus orientandos começaram a ser escolhidos com base nas necessidades dos serviços e naquilo que é importante para os cuidados, e emergiram mais parcerias institucionais.

Validação da Neonatal Palliative Care Attitude Scale (NiPCAS)

“Acho que é fundamental esta ligação entre aquilo que é a academia, que no fundo é a escola, e a prática, ou seja, quem trabalha todos os dias e contacta com estas realidades”, declarou a enfermeira em funções de Chefia da Unidade de Neonatologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, Graça Roldão. E prosseguiu: “(…) esta parceria com o CIDNUR é fundamental para o crescimento da Unidade de Neonatalogia”. 

Graça Roldão e Fátima Sousa trabalham na Unidade de Neonatologia do Santa Maria e são duas das investigadoras apoiadas pelo NIDCare. O objetivo da investigação que as junta fora do hospital é a tradução, validação estatística e adaptação cultural para a população portuguesa da Neonatal Palliative Care Attitude Scale (NiPCAS), que permitirá avaliar as atitudes dos enfermeiros e identificar as barreiras e os elementos facilitadores dos cuidados paliativos nas unidades de neonatologia. Treze Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais de nível 3 colaboraram na recolha de dados deste projeto, que ganhou uma bolsa de investigação da Associação para as Crianças de Santa Maria.

“(…) há ainda, apesar de tudo, muitas barreiras à implementação dos cuidados paliativos. E as escalas ajudam também a perceber quais são essas barreiras”, referiu Graça Roldão. Relativamente à escala que traduziram, a enfermeira comentou: “ajuda-nos a perceber um bocadinho melhor do que é que necessitamos para poder cuidar melhor de crianças com necessidades paliativas”. Para a investigadora, esse esforço ultrapassa as políticas de saúde, devendo existir dentro dos serviços, onde “muitas vezes a primeira dificuldade são exatamente os profissionais de saúde, porque desconhecem, porque têm medo, porque não têm formação”.

A escala foi desenvolvida e validade por Victoria Kain, na Austrália, em 2009. “(…) é um instrumento que, na minha perspetiva, abrange um leque grande de fatores. A equipa está muito aberta a estes novos desafios nos cuidados paliativos ao recém-nascido, sabendo que não são cuidados de fim de vida. Antes pelo contrário. São cuidados que apoiam a qualidade de vida na doença crónica complexa e apoiam os pais em momentos muito difíceis. Penso que, com a parceria do CIDNUR e do Hospital de Santa Maria, vamos conseguir levar a bom porto os cuidados paliativos neonatais”, afirmou a enfermeira Fátima Sousa.

“Cuidar de recém-nascidos com doenças crónicas complexas e dos seus pais é um desafio diário. Temos muitas dúvidas e colocamos em causa as nossas crenças. Por vezes queremos cuidar melhor e não conseguimos, e os cuidados tornam-se um pouco inconsistentes”, revelou Fátima Sousa. Por isso, a sua equipa de investigação quer “que as inconsistências diminuam” e que “todos trabalhem da mesma forma, porque a inconsistência na prestação de cuidados provoca stress parental e muitas questões aos pais”.

A escala poderá mostrar que é preciso investir na formação ou na saúde mental dos enfermeiros, por exemplo. É preciso esperar pelos resultados para dar os próximos passos. Para as enfermeiras, uma coisa é certa: os cuidados beneficiam deste tipo de instrumentos. 

Graça Roldão considera que “um instrumento que ajude a perceber em que fase é que estamos e para onde é que podemos ou queremos ir – e a escala permite-nos exatamente isso – será sempre muito importante”.

“Este trabalho que nós estamos a fazer está a trazer o melhor de nós como profissionais de saúde e como pessoas, e eu acho que é isso também que este instrumento e este trabalho vão trazer para todas as unidades”, concluiu Fátima Sousa.

Literacia em saúde dos pais

O projeto de doutoramento de Nisa Souto, intitulado “Parentalidade em Neonatologia: intervenção educativa digital promotora da Literacia em Saúde” e orientado pelas Professoras Doutoras Maria Alice Curado e Adriana Henriques, está igualmente integrado no NIDCare. A enfermeira do Hospital Dr. Nélio Mendonça, no Funchal, estudou formas de promover a literacia em saúde dos pais na Unidade de Neonatalogia que pudessem contribuir para o apoio à parentalidade e à centralidade da família no cuidado. Mais especificamente, analisou o impacto de uma aplicação móvel na literacia em saúde dos pais.

Os resultados ainda não foram totalmente divulgados, mas a enfermeira adiantou que os pais estão “bastante recetivos” e consideram a app – que estaria instalada nos seus telemóveis – “muito útil”, tanto no período de internamento como no pós-alta. Além disso, a app poderá facilitar a comunicação entre pais e profissionais de saúde, e inclusivamente aproximá-los, expandindo simultaneamente o conhecimento dos pais em áreas específicas. “A evidência científica e a nossa prática clínica demonstram que os pais estão ávidos de informação, mas muitas vezes vão ao Google ou a outro motor de busca e ficam assustados, porque a informação não é ajustada àquela situação específica do filho. Nós, neste momento, estamos-lhe a dar uma informação que é baseada na evidência científica, com um modelo teórico sustentado, a que podem aceder em qualquer altura”, explicou. O objetivo final da literacia em saúde – continuou – é “o empowerment, é darmos às pessoas o poder de conseguir efetivamente gerir a sua saúde e a sua vida”.

Alice Curado realçou também que “não são só os profissionais que têm que ser detentores da informação”. “Os familiares, os utentes, os clientes também têm de se apoderar desse conhecimento para poderem tomar decisões fundamentadas”, defende a coordenadora do NIDCare, que acredita que esta app poderá, por outro lado, ser uma mais-valia para os enfermeiros recém-chegados às unidades de neonatalogia e que se encontram em fase de integração. 

Segundo a aluna de doutoramento, os níveis de literacia em saúde dos pais são baixos e o stress compromete a compreensão da informação. A app criada por Mary Coughlin que foi traduzida e adaptada à realidade portuguesa – pode atenuar essas dificuldades, pelo que a investigadora espera que venha a ser implementada em todas as unidades do país interessadas. Trata-se de uma aplicação “muito interativa” e personalizável, já que os pais “conseguem colocar a informação dos filhos e dar-lhe um cunho pessoal”, e que também reúne informações sobre saúde mental. 

Para o projeto ser concretizado, precisa agora de financiamento. A equipa de investigação já entrou em contacto com uma associação interessada e há unidades de neonatalogia que também abraçariam o projeto; por isso, Alice e Nisa esperam que os pais possam aceder gratuitamente à aplicação num futuro próximo.

Nisa disse-nos que o apoio do NIDCare foi “essencial” para chegar até aqui. “Muitas das vezes o que acontece é que nós [profissionais de saúde] até temos muito boas ideias, estamos motivados e queremos uma mudança efetiva, mas depois não conseguimos porque não damos os passos certos. Quando estamos integrados num centro de investigação com um projeto como o NIDCare, há um planeamento e teremos muitos mais resultados”, justificou.

No final da entrevista, Maria Alice Curado voltou a dirigir-se a todas as suas alunas: “Eu, apesar de já estar aposentada, continuo no CIDNUR porque é um orgulho muito grande para mim e um prazer acrescido trabalhar com elas, a equipa NIDCare. Digo isto para todas, não só para as que estão aqui hoje”.

HN/Rita Antunes

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