Profª Doutora Ana Paula Barbosa: “FLS evitam que os doentes com osteoporose e fraturas osteoporóticas se percam no sistema”

05/26/2022
Endocrinologista Ana Paula Barbosa, coordenadora da consulta multidisciplinar de osteoporose fraturária no Hospital de Santa Maria e presidente da SPODOM

Os sistemas “Fracture Liaison Service” (FLS) são essenciais para oferecer ao doente com osteoporose um continuum de cuidados. A endocrinologista Ana Paula Barbosa, coordenadora da consulta multidisciplinar de osteoporose fraturária no Hospital de Santa Maria e presidente da SPODOM, defende que a disseminação destes sistemas no nosso país é fundamental para os números das fracturas osteoporóticas, a consequência da osteoporose, começarem a diminuir.

HealthNews (HN) – Quais têm sido, na sua perspetiva, os maiores desenvolvimentos clínicos no diagnóstico e no tratamento da osteoporose?

Ana Paula Barbosa (APB) – Ultimamente tem-se dado especial importância à qualidade do osso (e não apenas à quantidade). A densitometria óssea continua a ser o exame standard na avaliação da osteoporose mas entretanto surgiu uma nova ferramenta para a medição da qualidade do osso, o índice “Trabecular Bone Score” (TBS). Cerca de 60% dos doentes com fraturas osteoporóticas apresentam densitometria com  um nível de massa óssea reduzido e não propriamente osteoporose. Contudo, muitas dessas pessoas continuam a fazer fraturas devido a uma má qualidade do osso e, nesse sentido, o TBS é mais um auxiliar do diagnóstico e da avaliação do risco fracturário.

O TBS ainda não está muito divulgado nem é muito utilizado na prática clínica mas já existem vários centros que o realizam juntamente com a densitometria óssea. Note-se que o valor do TBS pode ser incorporado no FRAX, que avalia o risco de fratura a 10 anos.

Outro aspeto importante diz respeito às fraturas vertebrais, até agora um pouco minorizadas em comparação às outras fraturas. No entanto, uma pessoa com uma ou mais fraturas vertebrais, possui um risco de novas fraturas vertebrais, ou de fratura da anca e outras, cerca de três a dez vezes superior. Daí a importância que atualmente se dá ao diagnóstico das fraturas vertebrais. Classicamente, o diagnóstico era feito através de uma radiografia simples da coluna, mas hoje o doente pode fazer uma “Vertebral Fracture Assessment” (VFA) no mesmo tempo que realiza a densitometria óssea. Essa imagem em projeção lateral permite observar se existem fraturas vertebrais sem necessidade de efetuar uma radiografia.

A VFA é recomendada, nomeadamente, em pessoas com idade superior a 70 anos, que fazem corticoterapia crónica ou que tenham perdido mais de três a quatro centímetros de altura.

Muitas das fraturas vertebrais são assintomáticas mas as pessoas podem apresentar cifose dorsal, sinal clínico de que a doença existe e que as fraturas estão a acontecer.

A osteoporose é uma doença própria do envelhecimento. O aumento da esperança de vida tem sido constante em todo o mundo mas é importante que o doente tenha uma boa qualidade de vida. O diagnóstico e o tratamento da osteoporose deve ser o mais precoce possível porque à medida que a idade aumenta, o risco de fraturas osteoporóticas é cada vez maior.

HN – Considera que a doença tem sido subvalorizada?

APB – Subvalorizada e muito esquecida. Estima-se que, na Europa, em 2019, ocorreram oito fraturas osteoporóticas por hora. É uma autêntica pandemia, as pessoas pensam muito nas doenças oncológicas e cardiovasculares, mas esquecem que a osteoporose é uma doença muito importante do nosso quotidiano.

HN– Qual é, na sua opinião, a importância da adesão ao tratamento? De que modo as novas terapêuticas e as novas apresentações vieram ajudar a melhorar a adesão dos doentes?

APB – Os bisfosfonatos são os medicamentos de primeira escolha no tratamento da osteoporose. O seu perfil de segurança é conhecido desde há dezenas de anos e têm surgido novas formas de ministração que tornam mais fácil a adesão do doente.

Hoje em dia dispomos de apresentações em comprimidos, xarope, pastilhas efervescentes ou comprimidos gastrorresistentes que obviam o tempo de jejum e a obrigação de o doente estar levantado pelo menos meia hora para conseguir uma boa absorção do medicamento por via oral. Existem ainda formas de ministração oral mensais, em geral com boa aderência pelos doentes.

Entretanto, surgiu o denosumab, um fármaco usado por via subcutânea de seis em seis meses, igualmente bem tolerado. Este anticorpo monoclonal é particularmente recomendado a pessoas com intolerância aos bisfosfonatos ou com insuficiência renal.

Relativamente à teriparatida, de utilização subcutânea diária, embora possa ser prescrita fora do meio hospitalar, é um fármaco dispendioso para o doente.  Está aconselhada no tratamento de formas de osteoporose mais graves, com duas ou mais fraturas vertebrais, doentes geralmente acima dos 80 anos e com valores muito baixos de massa óssea.

HN – Qual é, na sua opinião, o impacto de mitos associados aos bisfosfonatos na prática clínica?

APB – Têm sido um entrave à prescrição dos bisfosfonatos por parte dos médicos mas é um medo infundado. Em cada medicação é necessário pesar o risco e o benefício. Um doente que já fez uma fratura osteoporótica, se não for medicado, continuará a fazer fraturas. Em regra, o benefício da medicação excede claramente o risco, embora como tudo em Medicina, tem de se avaliar caso a caso.

Tem-se muito receio da chamada osteonecrose da mandíbula e das fraturas atípicas mas o risco é extremamente baixo, com uma ocorrência inferior a 1 para 10.000 casos. Na consulta de osteoporose fraturária do Hospital de Santa Maria, a primeira a ser implementada no país, temos centenas de doentes a fazer bisfosfonatos, e não verificamos praticamente casos de osteonecrose da mandíbula.

Temos de ter mais atenção nos doentes oncológicos, porque fazem doses de bisfosfonatos superiores às doses utilizadas na osteoporose, nos doentes com diabetes mellitus, nos que fazem corticoides e nos doentes que têm uma má higiene da boca. Nestes casos, antes de prescrever bisfosfonatos preconiza-se, assim, que o doente seja avaliado numa consulta de estomatologia, garantindo que os tratamentos dentários são efetuados antes de iniciar a medicação.

As fraturas atípicas, subtrocantéricas, também ocorrem muito raramente – menos de 1 em 10.000 doentes. Embora continuem a ser objeto de estudo,

sabe-se que estão relacionadas com uma inibição exagerada e prolongada da reabsorção óssea que se pensa, esteja associada ao tempo de uso dos bisfosfonatos. Por isso se recomenda que, em regra, a sua utilização não exceda mais de cinco anos por via oral ou três anos por via intravenosa, embora sempre com avaliação caso a caso.

HN – Quais são os casos em que a terapêutica deve ser instituída de imediato, sem necessidade de exames?

APB –  Todos os doentes que já fizerem fratura osteoporótica, teoricamente não precisam de fazer densitometria óssea para sabermos que têm osteoporose. A terapêutica deve ser instituída de imediato porque, caso contrário, vão continuar a fraturar. Quando ocorre a fratura do colo do fémur, a mais grave, a pessoa perde a autonomia que possuía anteriormente e isso pode mesmo conduzir à morte (cerca de 15% dos casos no primeiro ano).

O médico não deve ter receio de medicar esses doentes, continuando sempre a vigiá-los e a acompanhá-los.

HN – É esse continuum de cuidados que preconiza o Fracture Liaison Service (FLS)?

APB – Os sistemas FLS estão a surgir em todo o mundo porque existe a noção de que frequentemente o doente faz uma fratura, vai ao Serviço de Urgência, é tratado, mas tem alta sem medicação para a osteoporose e sem orientação para um programa de prevenção de quedas. Perde-se no sistema e frequentemente cai num círculo vicioso.

Os sistemas FLS, que integram várias especialidades médicas, enfermagem e fisioterapia, entre outros, tentam parar este ciclo, ou seja, “pegar” no doente que faz a fratura e nunca mais o largar, com o objetivo de evitar novas fraturas.

HN – O FLS do Hospital de Santa Maria já obteve a certificação. Quais são as perspetivas de desenvolvimento destes sistemas a nível nacional?

APB – De facto, o FLS do Hospital de Santa Maria foi certificado há alguns anos pela “International Osteoporosis Foundation” (IOF), tendo obtido uma estrela de prata. Entretanto, já surgiram outros em Portugal, à semelhança do que ocorre um pouco por todo o mundo.

Os estudos mostram que estes sistemas integrados têm um papel fundamental na redução de fraturas osteoporóticas e, naturalmente, na diminuição dos custos diretos e indiretos associados à osteoporose.  

Neste momento, a Sociedade Portuguesa de Osteoporose e Doenças Ósseas Metabólicas (SPODOM) está a realizar um grande esforço, em conjunto com a Direção-Geral da Saúde, para avançar com um programa nacional de desenvolvimento destes sistemas, fundamental para que os números das fraturas osteoporóticas comecem a diminuir.

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