Cientistas descobrem como as lesões cerebrais ativam as células estaminais neurais

17 de Junho 2022

Um estudo de cientistas da Fundação Champalimaud, publicado hoje na revista Developmental Cell, explica como as lesões cerebrais ativam as células estaminais neurais – uma oportunidade para tentar estimular a regeneração neural.

Um dos aspetos mais devastadores dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) e das lesões cerebrais em geral é que os neurónios que perdemos nunca serão substituídos. Isso significa que, dependendo do local da lesão, os doentes podem ficar com deficiências motoras e cognitivas cruciais.

Mas o cérebro tem a capacidade de produzir novos neurónios, porque contém reservas de células especiais, chamadas células estaminais neurais, que parcialmente se ativam em resposta aos danos no tecido cerebral. Infelizmente, apesar de muitas das células iniciarem o processo de regeneração, a ativação plena só acontece numa pequena parcela das células estaminais. Portanto, são produzidos poucos novos neurónios, e nem todos conseguem sobreviver para repovoar o local danificado. Em vez disso, o local enche-se de um tipo comum de células cerebrais chamadas glia, que funcionam como a “cola” do sistema nervoso.

Cientistas da Fundação Champalimaud, em Lisboa, descobriram um mecanismo inédito que faz com que os neurónios e a glia colaborem para estimular esse processo. “Descobrimos como as células estaminais neurais detetam os danos e são recrutadas para reparar o tecido. Estes resultados poderão constituir um primeiro passo no desenvolvimento de fármacos que promovam a formação de novos neurónios na sequência de uma lesão cerebral”, diz Christa Rhiner, coautora e líder do estudo.

Para perceber como funciona a regeneração neural, a equipa de Rhiner recorreu aos modelos animais da mosca e do ratinho. “Tal como o nosso, o cérebro destes animais também contém células estaminais neurais”, explica a cientista. “Além disso, muitos sinais químicos (moléculas) e formas de comunicação intercelular são comuns aos humanos, às moscas e aos ratinhos. Portanto, é provável que o que aprendermos com estes modelos animais seja relevante para perceber a fisiologia humana.”

Anabel Simões, estudante de doutoramento no laboratório, começou por determinar quais as moléculas presentes exclusivamente na área cerebral danificada. No meio de dúzias delas, uma em particular chamou a sua atenção. “Foi a Swim – uma proteína de transporte que literalmente ‘nada’ pelo tecido. Ajuda moléculas que normalmente agem a nível local a espalhar-se pelo tecido. E após uma meticulosa investigação, verificámos que a Swim é crucial para desencadear uma resposta regenerativa aos danos cerebrais”, explica.

Segundo Simões, o próximo passo era identificar a molécula transportada por Swim. Um conjunto adicional de experiências revelou a resposta: tratava-se do Wg/Wnt, um conhecido ativador das células estaminais neurais nas moscas e nos mamíferos.

“Encontrámos o Wg nos neurónios da área danificada, o que era fascinante”, diz Simões, “porque significava que os próprios neurónios detetam o ‘sofrimento’ do tecido e respondem tentando enviar um sinal que acorde as células estaminais neurais dormentes”.

Nesse momento, faltava apenas encontrar a última peça do puzzle: quem estava a produzir a Swim. A equipa descobriu que, quando os níveis de oxigénio diminuem na área cerebral que sofreu a lesão, um certo tipo de células gliais entra em ação. Essas células produzem a Swim e libertam-na no espaço extracelular. A seguir, o transportador encapsula o Wg e leva-o até à célula estaminal mais próxima, induzindo a sua ativação.

“Um dos aspetos mais notáveis deste mecanismo é que é colaborativo”, refere Simões. “Na área afetada, os neurónios e a glia trabalham em conjunto para promover a reparação do tecido.”

“Agora que já sabemos quais são os intervenientes-chave e como comunicam entre si, temos uma oportunidade para tentar estimular a regeneração neural. Primeiro, precisamos de verificar que um mecanismo semelhante também existe no ser humano. Depois, poderemos começar a pensar na transposição destes resultados para terapias”, afirma Rhiner.

“Estes resultados também suscitam por sua vez muitas outras perguntas, que planeamos investigar a seguir. Por exemplo, como podemos ajudar os novos neurónios a sobreviver no tecido à medida que este sara? Esta é uma viagem fascinante, e estamos ansiosos por ver o que vamos encontrar a seguir”, conclui.

PR/HN/RA

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