Rafaela Miranda Médica Interna de Medicina Geral e Familiar e Médica especializada em Medicina Estética.

Acne na mulher adulta

07/18/2022

A patologia acneica diz respeito a uma doença dermatológica que atinge a unidade pilossebácea, com uma etiologia multifatorial. Trata-se de um dos problemas de pele mais prevalentes na população, afetando mais de 85% dos adolescentes. Tendencialmente é mais precoce no sexo feminino mas, geralmente, assume formas mais graves no sexo masculino. Dados epidemiológicos recentes demostram um aumento do número de casos em adultos, afetando, particularmente, o género feminino, com uma prevalência estimada de cerca de 41% em mulheres adultas. A acne do adulto, ou acne tardia, caracteriza-se pelo seu aparecimento após os 25 anos de idade, podendo distinguir-se dois tipos: persistente e de início tardio. A acne persistente inicia-se na adolescência e persiste ou recidiva durante a idade adulta; enquanto que a acne de início tardio se caracteriza pela manifestação inaugural apenas após os 25 anos. A patologia acneica no adulto está associada a um enorme impacto negativo na qualidade de vida e nas relações pessoais e profissionais.

As causas da acne na idade adulta ainda não foram totalmente elucidadas até ao momento, sendo ainda debatível se é ou não uma entidade distinta da acne da adolescência. Os estudos mais recentes têm vindo a defender que, efetivamente, existe um padrão clínico diferenciado nesta faixa etária, com uma possível etiopatogénese específica. Apesar disso, os quatro principais mecanismos fisiopatológicos responsáveis pela acne mantêm-se, nomeadamente: hipersecreção sebácea, hiperqueratose folicular e consequente formação de microcomedão, colonização e proliferação microbiana de Propionibacterium acnes e espécies de Malassezia e inflamação dérmica periglandular. Vários outros fatores têm sido postulados como causadores ou agravantes da acne na mulher adulta. Os fatores hereditários e a predisposição genética, os distúrbios hormonais e endócrinos, como o hiperandrogenismo e o próprio ciclo ovárico que condiciona um agravamento na fase pré-menstrual com melhoria uma semana após o cataménio, devido ao aumento dos níveis de progesterona durante a fase lútea. No mesmo sentido, um declínio gradual da incidência da acne na perimenopausa é atribuído à diminuição progressiva das hormonas ováricas, com consequente decréscimo da produção sebácea e do aparecimento de lesões. O stress e a privação de sono agravam esta condição, dado que a glândula sebácea é modulada por neuropeptídeos como a substância P, que estimulam a sua atividade, com libertação de citocinas pró-inflamatórias e CRH, levando ao aumento dos níveis de cortisol, que, por sua vez, aumenta a produção de sebo, exacerbando a acne. A alimentação assume, também, um papel determinante, já que o elevado consumo de hidratos de carbono com elevada carga glicémica, de laticínios e gorduras saturadas, bem como o défice de consumo de ácidos gordos ómega 3 agravam a patologia. Fármacos como corticosteroides, bloqueadores dos canais de cálcio, benzodiazepinas, antidepressivos e antipsicóticos, entre muitos outros, estão diretamente implicados no seu aparecimento. É sabido que o tabaco tem uma influência negativa, pois intervém na modulação e diferenciação do epitélio infundibular, com hiperqueratinização e hiperplasia sebácea e consequente aumento na produção do sebo, e a exposição à radiação ultravioleta que, na grande maioria dos casos, condiciona um agravamento no verão pela indução de stress oxidativo associada à maior exposição solar, são também outros fatores envolvidos, tal como o uso inadequado de produtos cosméticos.

Existem várias classificações para esta patologia que têm em linha de conta o número de lesões e suas caraterísticas (comedões, pústulas, nódulos, quistos, etc) e a gravidade da sua apresentação clínica.

Na mulher adulta, a localização predominante é a localização facial, seguida pelo dorso e, de seguida, decote e ombros. Na região da face, ao invés do que acontece na adolescência, a zona mais afetada é o terço inferior da face, contorno mandibular e mento, e, menos frequentemente, a região perioral.

O diagnóstico de acne na mulher adulta é, essencialmente, clínico, sendo a anamnese fundamental. Questionar, detalhadamente, a idade de aparecimento das lesões, idade da menarca, regularidade dos ciclos menstruais, gravidez, infertilidade, uso de contracetivo ou uso de medicação androgénica e variações de peso permite descartar a existência de uma etiologia secundária. Avaliar o estado geral e nutricional, o padrão da acne, incluindo tipo e localização de lesões, evidência de outras doenças de pele associadas nomeadamente dermatite seborreica, presença de acantose nigricans, hipertricose, hirsutismo, obesidade e presença de alopecia androgenética permite-nos orientar o seguimento.

Se existir evidência de hiperandrogenismo ou ausência de resposta à isotretinoína oral, é necessário pedir uma avaliação laboratorial detalhada. Pode, ainda, ser importante pedir uma ecografia endovaginal para exclusão de SOP. A maioria das mulheres apresentará um estudo analítico sem alterações. Alterações analíticas, quando presentes, devem orientar-nos para a investigação de endocrinopatias associadas ao quadro clínico.

O tratamento desta afeção em mulheres adultas deve abranger não apenas o tratamento médico dos sinais e sintomas, mas também uma abordagem abrangente e holística da paciente. Este implica, não só, terapêutica farmacológica, mas também, um regime de cuidados da pele adequado em contexto domiciliário. Existem diversos fármacos eficazes no tratamento da patologia acneica, que atuam consoante os diferentes estadios de evolução das lesões, podendo ser usados isoladamente ou em associação. O tratamento divide-se em 2 grandes grupos: terapêutica tópica e terapêutica sistémica. O tratamento tópico está indicado para acne comedogénica e inflamatória de grau leve a moderado. Os agentes tópicos incluem os retinóides (adapaleno, isotretinoína e tretinoína), antimicrobianos (peróxido de benzoílo) e antibióticos (clindamicina e eritromicina). A terapêutica sistémica está indicada na acne moderada a grave, extensa, associada a cicatrizes, ou resistente ao tratamento tópico. Inclui antibióticos, retinoides orais (isotretinoína) e terapêutica hormonal.

Ao nível de tratamento de sequelas da acne, como cicatrizes ou hiperpigmentação pós-inflamatória, existe uma panóplia de tratamentos com particular interesse para a melhoria da qualidade da pele, nomeadamente: peelings químicos, terapias fotodinâmicas, o resurfacing com laser, entre outros.

Associadamente às manifestações físicas da doença a acne reboca uma importante carga emocional. Com efeito, o impacto psicológico negativo desta patologia é geralmente significativo e amplamente subestimado, especialmente nas pacientes adultas do sexo feminino sujeitas, constantemente, ao stress da vida pessoal, profissional e social. Cada caso é um caso e, devido à multiplicidade de etiologias envolvidas, o seu tratamento torna-se um verdadeiro desafio. A associação de tratamento farmacológico tópico e oral, biomodulação hormonal e procedimentos estéticos assumem extrema importância para alcançar o sucesso terapêutico.

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