Mon na Roda, 12 anos a promover inclusão de deficientes em Cabo Verde através da dança

8 de Outubro 2022

Flávio lesionou-se aos 5 anos e teve de reaprender a andar, há 12 aprendeu a dançar em cadeira de rodas, num grupo que nasceu para promover a inclusão de pessoas com deficiência em Cabo Verde através da dança.

Depois de assistir a um espetáculo de dança em cadeira de rodas nos Estados Unidos da América, Miriam Medina, socióloga de profissão, voltou para Cabo Verde inspirada e já com dançarinos identificados para montar algo idêntico no arquipélago, pois eram também atletas paralímpicos.

“Quando cheguei na Praia solicitei um encontro com eles e foi assim que começámos”, recordou à Lusa a fundadora da Associação Mon na Roda, que nasceu em 17 de junho de 2010, para fazer a inclusão das pessoas com deficiência em Cabo Verde através da dança.

Atualmente, conta com 16 membros, sendo nove portadores de alguma deficiência motora, que dançam com os seis integrantes sem deficiência, e que realizam hoje a sua 10.ª gala, na Praia.

De acordo com a presidente, um dos requisitos para se entrar no grupo é estar disponível para também trabalhar ou estudar, porque “dança não dá nada em Cabo Verde”.

Um deles, e que também está desde o início, é Flávio Gomes, 40 anos, que aos 5 anos, numa brincadeira à beira de casa, cortou um tendão com uma lata e ficou com deficiência no pé direito, embora com uma ortótese consiga andar sem andarilho, muletas ou cadeira de rodas.

Depois da lesão, Flávio recordou que a sua vida mudou completamente, teve de reaprender a andar, e há 12 anos também aprendeu a dançar, mas numa cadeira de rodas, fazendo tudo com uma naturalidade como se sempre fosse assim.

“Foi uma aprendizagem totalmente diferente”, contou o dançarino, que só teve a ganhar com Mon na Roda. “Foi uma aventura e tanta, porque por aquilo que éramos no início, vemos agora uma diferença grande em termos técnicos”, notou o membro, natural da cidade da Praia.

“Porque quando começámos não tínhamos nada, agora temos algumas técnicas, já temos alguma experiência de dança em cadeira de rodas”, completou o também técnico de frio e climatização.

Essa experiência já levou o grupo a representar Cabo Verde em campeonatos internacionais, como o único país africano e com conquista de muitas medalhas, e no país também já teve muitos reconhecimentos pelo seu trabalho por parte de entidades e organizações.

“Os prémios são apenas a cereja em cima do bolo, porque o que temos vindo a fazer com a dança, com a inclusão dessas pessoas, tem sido um exemplo de vida para as pessoas com e sem deficiência”, frisou a presidente, também dançarina, referindo que os membros fazem ainda muitas palestras em escolas, empresas e comunidades cabo-verdianas.

“Para mostrar que, não obstante ter-se uma deficiência, deves e podes continuar com a tua vida, ter sonhos, porque a vida continua”, incentivou Miriam Medina, que diz que gosta de dançar mais do que dar entrevistas, mas mostra-se à vontade, sorridente e orgulhosa quando começa a falar do grupo.

Ao longo deste percurso, disse, as dificuldades são muitas, desde acessibilidades e transporte aos preços das cadeiras de rodas, mas prefere agradecer e falar das coisas boas que o grupo tem alcançado, mesmo sem nenhum dos membros ter formação em dança.

“O que torna as coisas um pouco mais complicado, porque é na base da boa vontade, do estudar, do pesquisar, da partilha, é assim que vamos fazendo as coreografias”, salientou, entendendo que Mon na Roda é um “caso de estudo”, por tudo o que tem feito pela inclusão, num país onde as estatísticas indicam que cerca de 5% da população tem alguma deficiência.

“Se tem escada, carregamos nas costas, vamos, não interessa”, estimula a socióloga e escritora, de 44 anos, natural da Ribeira Grande de ilha de Santo Antão e residente na Praia, que destacou a importância dos parceiros e amigos do grupo ao longo de uma dúzia de anos.

Com participação em vários campeonatos internacionais, Flávio Gomes disse que arranja sempre um “tempinho” para conciliar a vida pessoal, profissional com a dança, e também considerou que as dificuldades estão por toda a parte, mas dá a receita para contorná-las: superação.

“Com quedas ou sem quedas, temos que ir para conseguir o nosso objetivo”, indicou o membro do grupo, que para o futuro espera ganhar mais experiência em dança em cadeira de rodas, sobretudo nos campeonatos internacionais em que participa.

Seis anos depois, o grupo vai voltar a realizar hoje a sua Gala Internacional de Dança em Cadeira de Rodas na cidade da Praia, uma vez que em 2016 e 2017 foi na Suíça e Luxemburgo, respetivamente, nos dois anos seguintes dedicou-se apenas a campeonatos internacionais e há dois anos está parado por causa da covid-19.

Com o título “Do Avesso”, a festa de retoma do Mon na Roda vai ser na Assembleia Nacional e vai contar com convidados nacionais e internacionais, do Brasil, Países Baixos, Bélgica e Argentina, mas também de muitos amigos, parceiros e amantes das artes, da música e da dança.

A mentora do grupo explicou que o título era para a comemoração dos 10 anos, em 2020, mas não foi possível por causa da covid-19, mas decidiram mantê-lo, para mostrar as duas voltas de integrantes do grupo, primeiro ao adquirirem uma deficiência ao longo da vida e há dois anos com a pandemia que afetou a todos.

“Queremos mostrar que, não obstante as dificuldades, não obstante a vida nos virar do avesso, sempre temos a opção de dar a volta por cima e deixar que a vida continue da melhor forma”, salientou, lembrando que normalmente a gala é preparada durante um ano, mas desta vez foi montada em apenas em quatro meses, garantindo que será “uma das melhores de sempre”.

E agora que retomou, o grupo não quer parar, de dançar e de concretizar os seus projetos, sendo um deles, segundo a presidente, a construção da sede própria, na Praia, onde já tem um terreno oferecido pelo então presidente da câmara municipal e atual primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva.

Será, segundo a mesma responsável, uma “casa de todos”, idealizada para receber os convidados internacionais, mas também para ter uma piscina para treinos, uma farmácia e, o mais importante, empregar os membros do grupo.

LUSA/HN

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