António Alvim Médico de Família

Como ter Médico de Família em Lisboa – Carta aberta ao ministro da Saúde

10/31/2022

Caro Ministro da Saúde
Dr. Manuel Pizarro

Neste momento existem mais de 1.3 milhões de utentes sem médico de família, sendo que um milhão na ARSLVT dos quais 150 000 em Lisboa, 92 000 em Loures/Odivelas. 53 000 na Amadora e 120 000 mil em Sintra, para não falar dos quase 200 000 na margem sul. Situação que os próximos meses ainda se vai agravar significativamente.

Um Médico de Família desempenha um papel único e insubstituível no Acompanhar, Aconselhar, Cuidar, Prevenir, Diagnosticar e Tratar atempadamente. O facto do SNS assentar numa rede de cuidados de Saúde Primários é um dos principais fatores para o aumento da esperança de vida em Portugal e um enorme contributo para a sustentabilidade do SNS.

Acontece que os grandes cursos de medicina iniciados antes de 74 (visavam fornecer médicos para as colónias, a seguir veio o ano do cívico e os numerus clausus apertadíssimos) que ocuparam toda a então recém criada rede universal de cuidados de saúde primários, se estão agora a reformar. Situação agravada por 30% dos recéns especialistas estarem a optar por ficar de fora do SNS, deixando os concursos desertos.

O problema real não é a inexistência de médicos de família suficientes, mas sim a sua falta no SNS. Na verdade se juntarmos os  Médicos de Família que trabalham no SNS e os que trabalham no sector privado, existem Médicos de Família suficientes, facto para o qual o Bastonário da Ordem dos Médico bem tem alertado. E muitos dos que agora deixam o SNS por aposentação provavelmente estarão dispostos a trabalharem mais uns anos no sector privado ou social.

Acontece sim, que muitos utentes inscritos nas listas dos Médicos de Família do SNS têm também, por sua escolha, um Médico de Família no sector privado . Mantêm contudo a inscrição no Médico de Família no SNS, que, aliás, alguns pouco frequentam, porque a isso são obrigados para terem acesso a meios complementares de diagnóstico e tratamento (análises, exames radiológicos, fisioterapia, por exemplo) comparticipados pelo SNS, às consultas nos hospitais do SNS e a “baixas”.

Assim enquanto uns não têm médico de Família, outros têm em duplicado

O que é que o Governo tenciona fazer para cumprir sua obrigação constitucional e as leis delas decorrentes, as quais, aliás foram todas já revistas e da lavra do governo de António Costa?

A meu ver terá que fazer publicar o seguinte: 

  • Considerando que garantir a cada cidadão um Médico de Família (especialista em Medicina Geral e Familiar) é o dever constitucional mais básico

 

Artigo 64.º

(Saúde)

  1. Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover. 
  1. a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação 
  1. Para assegurar o direito à proteção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:
  2. a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
  • Considerando que cabe ao ACES … garantir o acesso ao Médico de Família a todos os utentes nele inscritos, em especial aos utentes das freguesias por ele abrangidos.

Decreto-Lei n.º 52/2022

(estatuto do Serviço Nacional de Saúde)

Artigo 34.º

Missão e atribuições

 1 — Os ACES têm por missão garantir a prestação de cuidados de saúde primários à população de determinada área geográfica

  • Considerando que o cumprimento deste dever se encontra prejudicado pela falta de mais de … Médicos de Família no ACES…, existindo X 000 utentes do ACES …  sem Médico de Família
  • Considerando que se considera irrecuperável esta falta de Médicos de Família nos próximos 3 anos.
  • Considerando que a Base 25 da lei de Bases da Saúde que prevê a possibilidade de acordos com o sector privado para Prestação de Cuidados de Saúde quando o SNS não tiver, comprovadamente capacidade de prestação de cuidados em tempo útil

 

Base 25
Contratos para a prestação de cuidados de saúde

 

1 – Tendo em vista a prestação de cuidados e serviços de saúde a beneficiários do SNS, e quando o SNS não tiver, comprovadamente, capacidade para a prestação de cuidados em tempo útil, podem ser celebrados contratos com entidades do setor privado, do setor social e profissionais em regime de trabalho independente, condicionados à avaliação da sua necessidade.
2 – Os cuidados de saúde prestados nos termos do número anterior respeitam as normas e princípios aplicáveis ao SNS.
 Considerando que o artigo 29º do Estatuto do SNS prevê podem ser celebrados contratos com entidades do setor privado e social e com profissionais em regime de trabalho independente, condicionados à avaliação da sua necessidade, quando o SNS não tiver capacidade para a prestação de cuidados em tempo útil. Situação que se verifica. Artigo 29.º

Contratos para a prestação de cuidados de saúde

 1 — Nos termos do n.º 1 da Base 6 da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, e para além das situações previstas no Decreto-Lei n.º 23/2020, de 22 de maio, tendo em vista a prestação de cuidados e serviços de saúde a beneficiários do SNS, quando o SNS não tiver capacidade para a prestação de cuidados em tempo útil podem ser celebrados contratos com entidades do setor privado e social e com profissionais em regime de trabalho independente, condicionados à avaliação da sua necessidade.

 2 — Os cuidados de saúde prestados nos termos do número anterior respeitam as normas e princípios aplicáveis ao SNS.

 Considerando que o Decreto-Lei n.º 61/2022 (orgânica da Direção Executiva do SNS) atribui ao Diretor Executivo do SNS propor à ACSS a celebração de contratos com o sector privado

 Artigo 13.º -B

Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, I. P.

 h) Propor à ACSS, I. P., sempre que necessário para garantir a realização do direito à proteção da saúde, a celebração de contratos com entidades do setor privado e social e com profissionais em regime de trabalho independente, nos termos do artigo 29.º do Estatuto do SNS;

Considerando acima demonstradas as insuficiências que impõem o recurso à contratualização com o sector privado ou social

Delibera-se:

Hipótese 1 – Acolher a opção do utente por um Médico de Família no sector privado ou social 

  • Os utentes que declarem optar por um Médico de Família fora do SNS, têm o direito de os Médicos de Família a desempenharem funções no sector privado ou social, lhes possam requisitar pelo SNS os meios complementares de diagnóstico que entendam como necessários.
  • Poderão igualmente serem referenciados para as várias instituições do SNS
  • Terão igualmente direito a que o “seu médico de Família privado” lhe passe Certificados de Incapacidade Temporária (“baixas”) sempre que se justifique.
  • Os utentes que optem por se inscreverem na lista de um Médico de Família do sector privado ou social, prescindindo de terem um Médico de Família no SNS, serão como tal identificados no RNU.

Esta a hipótese mais célere e mais viável, pois não tem custos para o Estado, nem custos políticos, bem pelo contrário, pois vai de encontro à liberdade individual de escolha, à liberdade de iniciativa e à concorrência, e permite que muitos mais utentes passem a ter Médico de Família no SNS, sobretudo os mais carenciados, face à previsível saída de muitos dos utentes que têm Seguros de Saúde, por opção ou subsistemas como a ADSE.

Este “opting out” voluntário em relação ao Médico de Família no SNS, para além do benefício do “seu” Médico de Família privado lhe poder requisitar exames complementares de diagnóstico, gratuitos, pelo SNS, poderá, eventualmente, ser compensado parcialmente em sede de IRS.

Caso o Governo insista que quer mesmo “dar” um Médico de Família, mesmo a quem tem seguros e subsistemas como a ADSE, e não precisa, então tem duas hipóteses para escrever a seguir aos considerandos acima:

Hipótese 2- Contratualização como sector privado ou Social

É celebrado o seguinte acordo entre o ACES… e  …, aprovado pela Administração Central dos Cuidados de Saúde, sob proposta do Diretor Executivo do SNS.

– O ACES …, sob proposta da DE do SNS aprovada pela Administração de Cuidados de Saúde, contratualiza, após concurso público,  com … o seguimento de ..000   utentes por um período experimental de 3 anos.

2- … garante aos utentes nela inscritos o cumprimento da carteira básica de serviços descrita na portaria 1368/2007 e uma consulta programada no prazo de até 5 dias úteis, atendimento no próprio dia de todas as situações agudas e renovação dos receituários em 3 dia úteis.

3-  … disporá de X Médicos de Família (especialistas de Medicina Geral e Familiar, Y enfermeiros e Z secretários clínicos). (no caso da contratação ser com uma empresa e não com um MF individual)

4-O valor será de … euros por utente inscrito, por mês, pagar no dia 21 de cada mês

5-Os materiais de enfermagem, vacinas e medicamentos de urgência são fornecidos pelo ACES

6-O Sistema Informático a utilizar será o … e terá a capacidade de se articular com a rede informática do SNS

 

Hipótese 3-  USFs Modelo C

Considerando que o DL 298/2007 e a sua versão atualizada pelo DL 73/2017 prevê a existência da Unidades de Saúde Familiar Privadas (Modelo C) definidas no despacho 241 101/2007 como

c) Modelo C:

i) Modelo experimental, a regular por diploma próprio, com carácter supletivo relativamente às eventuais insuficiências demonstradas pelo SNS, sendo as USF a constituir definidas em função de quotas estabelecidas por administração regional de saúde (ARS) e face à existência de cidadãos sem médico de família atribuído;

ii) Abrange as USF dos sectores social, cooperativo e privado, articuladas com o centro de saúde, mas sem qualquer dependência hierárquica deste, baseando a sua actividade num contrato-programa estabelecido com a ARS respectiva, através do departamento de contratualização, e sujeitas a controlo e avaliação externa desta ou de outras entidades autorizadas para o efeito, com a obrigatoriedade de obter a acreditação num horizonte máximo de três anos 

· Considerando acima demonstradas as insuficiências que impõem o recurso à contratualização com o sector privado ou social

 

É celebrado o seguinte acordo entre o ACES… e a …   aprovado pela Administração Central dos Cuidados de Saúde, sob proposta do Diretor Executivo do SNS:

  • Os profissionais da … constituem-se em Unidade de Saúde Familiar do Modelo C,  sob gestão da …
  • O ACES…, sob proposta da DE do SNS aprovada pela Administração de Cuidados de Saúde (ACSS) , contratualiza com a… o seguimento de X 000 utentes por um período experimental de 3 anos.
  • A garante aos utentes nela inscritos o cumprimento da carteira básica de serviços descrita na portaria 1368/2007 e uma consulta programada no prazo de até 5 dias úteis, atendimento no próprio dia de todas as situações agudas e renovação dos receituários em 3 dia úteis.
  • … disporá de X Médicos de Família (especialistas de Medicina Geral e Familiar, Y enfermeiros e Z secretários clínicos).
  • O valor será de … euros por mês por utente inscrito, em função da ponderação da idade, a pagar no dia 21 de cada mês
  • Os materiais de enfermagem. vacinas e medicamentos de urgência são fornecidos pelo ACES
  • O Sistema Informático a utilizar será o … e terá a capacidade de se articular com a rede informática do SNS

 

António Alvim

(ps declaração de interesses- Sou um dos recéns aposentados, que ao fim de 40 anos de SNS, os últimos 15 em exclusividade, está a pensar retomar a atividade privada e para isso, e para dar uma resposta estruturada, a montar um centro de saúde privado).

 

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Assaltada base da ambulância de emergência do INEM na Maia

A base da ambulância de emergência médica da Maia do INEM foi assaltada hoje, tendo sido roubados um computador e peças de fardamento do instituto, disse à Lusa fonte o Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH).

Abertas candidaturas para o Prémio Grünenthal Dor 2023

A Fundação Grünenthal premeia anualmente trabalhos de investigação clínica ou básica, a quem atribui um prémio no valor de 7500 euros. O período de apresentação de candidaturas decorrerá até 30 de maio de 2024.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights