Lixo ameaça a saúde pública em São Tomé e preocupa a população

1 de Novembro 2022

Moradores e comerciantes de São Tomé reclamam contra a acumulação de lixo nas ruas da capital, um problema de saúde pública que a autarquia local admite ter dificuldades de resolver face à falta de verbas para o pagamento da empresa de recolha.

“Está muito mal. Aqui nós suportamos muito cheiro, tem mulher grávida, tem criança e essa situação está muito mal. Isso não é normal, é desumano fazer isso com o cidadão”, lamenta Andresa Santos, uma vendedora de “fardo” (roupas usadas) nos arredores do mercado Côco-Côco, no centro da cidade de São Tomé.

A poucos metros do local onde tem o seu negócio, Andresa Santos e outras mulheres veem-se confrontadas com um contentor cheio de lixo, que se espalha para a estrada e o passeio junto ao mercado.

“Eu própria não estou a parar à frente do negócio porque o cheiro está em todo o lado e toda a gente está desanimada. O lixo que está aqui não somos nós que fazemos, o lixo está a vir de todo o lugar e já há um mês que não tiram lixo daqui”, conta Andresa Santos.

A vendedora considera que a situação do lixo na capital do país “é desumana”, sublinhando que a capital de São Tomé e Príncipe “já está com muitas doenças”. E questiona: “Será que querem que todos os são-tomenses morram?”.

A poucos metros dos contentores de lixo alguns vendedores fazem a sua refeição, enquanto cães de rua vasculham o lixo à procura de alimentos.

“Contentor é só um, já está cheio e não tem mais espaço para colocar lixo, então a população tem estado a colocar lixo no chão”, conta o comerciante Gil Costa, que aconselha a população “a colaborar e procurar outro lugar para colocar o lixo” fora da cidade, “tendo em conta que o Governo não tem estado a colaborar”.

As chuvas constantes dos últimos dias e a falta de esgotos agravam a situação de insalubridade na capital são-tomense.

“Esse lixo está no meio da cidade e envergonha o nosso país, por isso eu peço ao Governo que saia à rua, ande na cidade e veja o que a cidade necessita. Há alturas em que o lixo fica três a quatro semanas e o Governo não reage. Dá impressão que o Governo não se está a preocupar com a cidade, quer dizer que não se está a preocupar com o seu povo”, comenta o vendedor Jerónimo Trovoada Bom Jesus.

A Lusa percorreu várias comunidades nos arredores da cidade, e constatou cenários semelhantes de contentores entulhados e lixos a invadirem os passeios e estradas, nomeadamente nas localidades de Riboque Capital, São João da Vargem, Mato Quitchiba, Vila Maria, Fruta Fruta e Madre Deus.

A acumulação de lixos acontece mesmo em frente a escolas, como a Dona Maria de Jesus, Jardim Páscoa de Carvalho e São João da Vargem, por onde passam diariamente centenas de crianças.

Alguns alunos criticam “o mau exemplo”, que contraria o que aprendem nas aulas.

“Ensinaram que não se deve deitar o lixo para o chão, porque pode trazer-nos muitas doenças. Não joguem lixo para o chão!” disse um estudante do 7.º ano da escola São João.

Entre o Jardim Páscoa de Carvalho e a Escola Primária Atanásio Gomes, em Mato Quitchiba, foram colocados alguns contentores pequenos, que, segundo os moradores, estão sempre cheios, “obrigando as pessoas a atirar o lixo para o chão e para a estrada”.

“O problema de lixo constitui uma inquietação para os moradores, estudantes, pais, professores, e turistas que circulam nesta via. Nós já tentámos ao nível da câmara encontrar amparo para resolver a situação, mas não teve resultado”, diz à Lusa o residente Jeyson Menezes.

Segundo Menezes, “já houve meninos atropelados” por motorizadas “quando tentavam desviar o lixo” que ocupa uma parte do passeio.

O morador conta ainda que nesta localidade onde há pelo menos três escolas nos arredores, “as crianças brincam no lixo” outras e outras vasculham a procurar de objetos.

“A política deixou de ter o verdadeiro fim que é pensar no povo […] parece que não há sensibilidade para a causa são-tomense, nós estamos tristes com isso”, lamenta Jeyson Menezes.

A Federação das Organizações Não-Governamentais (FONG) desenvolveu um projeto, financiado pela União Europeia, para promover a recolha de resíduos sólidos e limpeza da capital, no quadro das medidas de prevenção à covid-19, no ano passado.

“A questão do lixo é preocupante também para as organizações da sociedade civil, nomeadamente para a FONG e outras organizações associadas, porque de facto o lixo demonstra uma imagem muito negativa para a nossa cidade e só contribui para demonstrar que o país ainda tem dificuldades do ponto de vista do tratamento do lixo”, afirma o secretário-permanente da federação, Eduardo Elba.

O representante da FONG sublinha que “uma capital do país não pode conviver com tanto lixo” e reclama apoios das instituições estatais e privadas para as iniciativas da sociedade civil que procuram garantir a limpeza da capital.

O médico Daniel Carvalho adverte que os resíduos sólidos “podem favorecer o aparecimento de vetores, tanto sólidos como orgânicos” de que “os insetos voadores e os roedores se alimentam” e “podem causar outras doenças vetoriais”, nomeadamente o paludismo.

“Um défice no tratamento do lixo pode levar à afetação do quadro da saúde pública aqui em São Tomé, sem contar que temos outro problema associado também aos animais e ao lixo: temos os cães que, ao consumirem lixo, fazem com que favoreçam outros vetores”, explica Daniel Carvalho.

A maioria dos lixos produzidos em São Tomé são queimados numa lixeira a céu aberto na localidade de Penha, a cerca de dois quilómetros do centro da cidade.

“O próprio tratamento do lixo que não é feito de forma adequada na lixeira, favorece o aparecimento de um grande problema para qualquer pessoa que esteja na área circundante”, comenta o médico Daniel Carvalho, alertando que muitas doenças, “principalmente parasitárias” e “quadros diarreicos agudos, parasitoses intestinais” registadas no país “têm a ver com o tratamento dos alimentos” que ficam muitas vezes expostos aos insetos.

O presidente da Câmara de Água Grande recusou prestar declarações à Lusa, referindo que teria explicado a situação do lixo na capital do país numa entrevista recente à televisão são-tomense.

Nas declarações à TVS, José Maria Fonseca atribuiu responsabilidades à empresa de recolha, apesar de admitir atrasos no pagamento do contrato.

“Apenas onde têm esses contentores grandes é que o lixo prevalece sem retirar. Os motivos não vejo serem justos, isto porque nós sempre pagámos – às vezes atrasa uma fatura ou outra, mas nós sempre pagámos, mas nós percebemos que no momento da campanha [para as eleições de 25 de setembro] esta empresa parou de retirar o lixo: nós fizemos uma campanha em cima do lixo praticamente”, lamentou o presidente da autarquia da capital são-tomense.

José Maria Fonseca, que foi derrotado nas eleições autárquicas de 25 de setembro, disse que no momento em que se prepara a “passagem de pasta”, a empresa Sonape “traz o mesmo figurino da campanha para deixar o lixo nas ruas”, apesar do pedido da câmara para continuar a recolha.

O presidente da câmara de Água Grande apelou à empresa para que faça o seu trabalho, prometendo que “quando o Governo puser a verba para o pagamento desses compromissos”, o município efetuará o pagamento “o mais rápido possível”.

José Maria Fonseca acusou a empresa de “fazer prevalecer a sua tendência política” fazendo a sua equipa “pagar o preço de uma saída com o lixo na rua”.

“Sentimo-nos muito dececionados, já tentámos a vários níveis acelerar o pagamento, mas o dinheiro não é o que a câmara tem como receita, é o Governo que coloca para fazer este tipo de pagamento”, acrescentou.

LUSA/HN

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