Para Ana Escoval, que abriu a discussão, a interação entre Vitor Papão, diretor-geral da Gilead Sciences, José Barros, diretor clínico do Centro Hospitalar Universitário do Porto, e Julian Perelman, professor associado com agregação da Escola Nacional de Saúde Pública, “foi um momento muito interessante”, em que, “de uma forma livre, as pessoas falaram sobre aquilo que as preocupa” – reservado para o final de um dia em que se abordou também a saúde mental, a descentralização de competências e o capital humano da saúde.
“Acho que as mesas, de uma forma complementar, até, e harmoniosa, conseguiram deixar aqui mensagens muito importantes e interessantes para o nosso sistema de saúde”, comentou Ana Escoval, vogal da direção da APDH.
Questionado pelo HealthNews sobre as reflexões partilhadas, Julian Perelman decidiu destacar o “sério problema no acesso aos cuidados de saúde” em Portugal, onde “há uma série de pessoas que não podem aceder ao privado, porque é muito caro”, enquanto o Serviço Nacional de Saúde se confronta com “uma série de problemas, com tempos de espera, com dificuldade de resposta”. “Ao mesmo tempo, temos um problema de eficiência, porque gastamos cada vez mais dinheiro em saúde, mas sem que pareça melhorar a situação.”
“Os dois temas prendem-se com uma fragmentação do sistema, entre público e privado e, depois, novos atores, que agora também intervêm na saúde: as autarquias, os serviços sociais, as farmácias. Estamos num caminho de crescente fragmentação do sistema de saúde. As pessoas estão bastante perdidas, e os problemas essenciais, do acesso e da eficiência, por resolver”, explicou Perelman.
Neste cenário, na opinião do professor da Nova, o surgimento de um diretor executivo do SNS “pode ser um ponto bastante, no sentido de melhorar a gestão do Serviço Nacional de Saúde, responsabilizando os gestores hospitalares, dando mais autonomia, havendo orçamentos mais adequados”; mas, atenção, “poderá não resolver as questões mais centrais”, relacionadas com a fragmentação, “o facto de haver em paralelo um sistema privado que capta determinados doentes, que capta recursos humanos”.
Para Perelman, “isso resolve-se olhando para o sistema como um todo e vendo de que forma pode haver uma maior harmonização e complementaridade entre os diferentes atores no setor da saúde, para as pessoas, numa ótica de melhoria do acesso”, num país em que, reforçou, “as pessoas gastam muito dinheiro no privado e estão cada vez mais com dificuldades de acesso no serviço público”.
Por seu lado, Vitor Papão quis realçar dois aspetos: o primeiro, “a necessidade que existe de ter que ser dada maior autonomia aos gestores hospitalares, no sentido de tomarem decisões de gestão no seu dia a dia, para poderem melhor gerir os recursos humanos dos hospitais, para poder melhor gerir a utilização de medicamentos e a utilização de tecnologia no seu todo, de maneira a conseguir proporcionar os melhores resultados em saúde possíveis à população que servem”; o segundo, “a avaliação de medicamentos e de tecnologias de saúde ter que ser feita com base naquilo que é o valor dessa tecnologia, não no custo, permitindo também que, depois, sejam tomadas decisões melhores e mais robustas, no sentido de dar acesso à inovação de medicamentos, mas também de dispositivos, que também proporcione os melhores resultados em saúde de uma forma que seja eficiente para o sistema nacional de saúde”.
Quando o HealthNews pediu uma comparação com o resto da Europa, o diretor-geral da Gilead disse que os tempos de aprovação de medicamentos são mais longos em Portugal do que são, em média, no conjunto dos países europeus e da OCDE.
“A afetação de recursos à saúde é menor em Portugal, considerando o PIB per capita, do que a média dos países europeus, também, e da OCDE. Portanto, nós deveríamos estar a afetar mais recursos à saúde, e mais recursos à inovação e ao acesso à inovação. Ainda temos um caminho a percorrer e, nesse aspeto, a decisão é política. O governo pode decidir afetar mais recursos à saúde não afetando recursos a algumas outras coisas”, acrescentou.
“É preciso fazer escolhas” e “haver coragem política para afetar os recursos adequados, para que haja um financiamento adequado da saúde e o financiamento adequado, também, da inovação”, rematou.
José Barros participou nas “conversas no sofá” remotamente, e Ana Escoval falou-nos desta vertente de gestão clínica, destacando a “necessidade imperiosa da governação clínica e do rigor no acompanhamento dos doentes”. “Essa mensagem acaba por se ligar à mesa anterior e à apresentação feita pelos nossos colegas da Catalunha, a propósito do sistema que ajuda a medir o valor na saúde, o valor para o doente daquilo que são as prestações de cuidados de saúde nos hospitais. Acho que essa é uma vertente muito importante”, afirmou Ana Escoval.
A moderação ficou a cargo da jornalista Marina Caldas.
HN/Rita Antunes
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