Miguel Castanho: “Temos a ilusão de que a pandemia está muito melhor controlada do que realmente está”

01/15/2023
Com os olhos postos na situação epidemiológica da China, a Europa poderá estar a subestimar o impacto da nova subvariante XBB.1.5. Em entrevista ao nosso jornal, o investigador do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa admitiu que se trata de uma “transmissibilidade significativamente maior” quando comparada com as subvariantes da Ómicron. Miguel Castanho lamentou, por isso, a falta de vigilância e a diminuição das medidas de controlo. “Enquanto houver uma multiplicação muito grande da Covid-19 estamos em risco”, remata.

HealthNews (HN)- A China tem apresentado nas últimas semanas uma explosão de novos casos. Este cenário é algo que o preocupa?

Miguel Castanho (MC)- Para já preocupa-me moderadamente. Trata-se de subvariantes da Ómicron que não trazem um problema acrescido. A população europeia tem uma boa proteção imunológica conferida pelas vacinas e pela infeção direta da Ómicron.

HN- Mas os índices de imunidade da população chinesa não são iguais aos dos países europeus… As vacinas utilizadas na China provaram ser menos eficazes contra infeções graves do que as versões ocidentais de RNA mensageiro e, por outro lado, o número de doses de reforço no país é muito baixo

MC- É um erro pensar que a Europa sob o risco de acontecer algo semelhante ao que está a acontecer na China. O país adotou confinamentos muito violentos, restringindo muito a imunidade natural. Portanto, com o fim das restrições a população ficou exposta ao vírus. Isto não é algo que possa a vir a acontecer na Europa. No entanto, o verdadeiro risco para os países europeus é assistirmos ao aparecimento de novas subvariantes.

HN-Com isso quer dizer que a imunidade adquirida pelos países ocidentais poderá não ser capaz de fazer frente a possíveis mutações do vírus?

MC- Exatamente. Podem sempre a aparecer novas formas do vírus que escapem à imunidade conferida até agora. Sabemos que enquanto houver uma multiplicação muito grande da Covid-19 estamos em risco.

HN- Não lhe parece um pouco contraditório que estejam a ser impostas medidas de controlo de passageiros vindos da China, tendo em conta que a nível europeu, e mesmo em Portugal, a testagem e vigilância da doença nos países europeus tem vindo a diminuir de forma significativa?

MC-Entendo que se adotem medidas que visem mitigar a propagação do vírus e de novas variantes. O que nunca entendi foi o porquê de termos abdicado da testagem e da utilização das máscaras nos transportes públicos. Isso sim é incoerente. O inverno é a altura de maior risco. 

HN- Portanto, deveríamos ter mantido estas medidas de proteção…

MC-Exatamente. Estas medidas não deveriam ter sido abandonadas. Estamos a falar de medidas ligeiras que deveriam ter sido mantidas no inverno – altura em que é mais propício assistirmos ao aparecimento de subvariantes. 

HN- Olhando para a forma como a Europa está a encarar o surto de Covid-19 na China, considera que as lições destes quase três anos de pandemia foram verdadeiramente aprendidas?

MC- Tenho algumas dúvidas. Espero que ainda aprendamos. É importante frisar que as doenças infeciosas ainda não acabaram e que os microrganismos são uma ameaça real para a Saúde Pública. 

Outra lição importante, mas que parece que não aprendemos, está relacionada com a politização da corrida às vacinas.

HN- Agora que fala sobre a politização da pandemia…  Com as atenções viradas para o surto na China não poderemos estar a negligenciar uma outra subvariante que está a propagar-se nos Estados Unidos (XBB.1.5)?

MC- Infelizmente já não estamos tão alertas para a atividade da Covid-19 como antigamente. Temos a ilusão de que a pandemia está muito melhor controlada do que aquilo que realmente está. E isto tem a ver com o facto de termos muito menos informação disponível sobre o vírus. O sistema de testagem e divulgação de informação já não é o mesmo. Isto tudo criou uma ilusão e uma ideia de que a pandemia estaria muito próximo do fim.

Relacionamos a Covid-19 com a China, mas a doença não acabou noutros territórios. Temos agora uma nova subvariante nos Estados Unidos.

HN- A OMS disse que se tratava de uma variante com uma transmissão nunca antes vista…

MC- A XBB.1.5 aparenta ter uma transmissibilidade significativamente mais elevada quando comparada com as subvariantes da Ómicron. Do ponto de vista científico é surpreendente assistir à capacidade que a Covid-19 tem de formar novas variantes e subvariantes cada vez mais transmissíveis.

HN- Esta subvariante preocupa-o mais do que aquelas que circulam na China?

MC- Sim. A subvariante que circula nos Estados Unidos tem uma transmissibilidade maior.

Entrevista de Vaishaly Camões

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